terça-feira, 8 de novembro de 2016

REFLEXÃO DE “LIVRE-DOCÊNCIA” DO MAJOR DE INF SILVA ANLI, NO ISEDEF, 2016. COMO É FEITA A AJUDA ATRAVÉS DOS ATORES INTERNACIONAIS EM CENÁRIOS DE GUERRA CIVIL? Caros colegas, analisar as questões relevantes associadas à ajuda internacional prestada em cenários de guerra civil, com o objetivo de perceber como funciona, que objetivos visa e que resultados efetivamente surte, deve ser um dos paradigmas adotar no ISEDEF, como forma de chamar a atenção a importância que as “unidades de ajuda internacional” traduzem no campo real em cenários de guerra civil! Caros colegas do ISEDEF, nesta discussão, começamos por traçar a evolução histórica da ajuda e o comportamento e as motivações de doadores e da comunidade internacional em geral, no sentido de concluir o que mudou ao longo do século XX e que efeitos a ajuda tem tido sobre os conflitos em geral. Seguidamente, abordamos e discutimos a questão dos instrumentos jurídicos à disposição da ajuda, cujo recurso é necessariamente associado ao debate sobre o direito de ingerência interna, que em debates anteriores já o tinhamos analisado esta pertinencia, mais militarista do que diplomática,(…)! Este debate inclui ainda uma análise detalhada da ajuda, observando-se isoladamente os seus tipos mais comuns no seio da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) aos países que atravessaram períodos de guerra civil: ajuda humanitária, ajuda alimentar, ajuda ao desenvolvimento (ajuda-projeto e ajuda-programa, cooperação técnica, projetos de investimento e de equipamento), donativos e empréstimos concessionais, anulação e reescalonamento da dívida, problemas tipicos que Moçambique enfrenta, por isso é suposto que os docentes do ISEDEF tenham a consciência da importância e impato do estudo deste fenómeno. Evolução histórica e motivações da ajuda É ponto assente que as guerras civis provocam um impato devastador nos países do terceiro mundo, que já têm sérias carências a nível de infra-estruturas e em setores básicos como a saúde, a alimentação, a habitação e a educação. Nesse contexto, é também certo que a ajuda é fundamental, quer no apoio às populações durante a guerra, quer na prevenção do reacender do conflito. A questão da ajuda tem sido analisada ao longo dos tempos. Nos anos 80, CASSEN (1986:1-7) afirmou que a ajuda, de forma geral, é satisfatória, ou seja, “(...) alcança os seus objetivos (primários) de desenvolvimento”. No entanto, o autor destacou também que “a ajuda, tal como todos os esforços humanos, está longe de ser perfeita”, já que “(..) a sua performance varia em cada país e em cada setor. E há uma parte substancial da ajuda que não funciona - a qual pode ter uma baixa taxa de retorno, que pode ser abandonada logo após a sua conclusão, que pode nunca ser concluída, ou que pode ter efeitos prejudiciais”. Historicamente, a cooperação internacional foi marcada por diversas tendências que não tiveram sempre a mesma intensidade. Apesar de já desde o século XIX se assistir a algumas ações de ajuda entre povos, foi a 2ª Guerra Mundial que marcou o nascimento de uma nova perspetiva do desenvolvimento e da cooperação internacional. FERNANDES (2004:1-9) explica que, nessa altura, a melhoria das condições de vida das populações se tornou uma preocupação dos governos do Ocidente. Esse objetivo estendeu-se também aos designados “países em desenvolvimento”, após a queda das potências coloniais, caso tipico de Moçambique. Durante as décadas de 50 e 60, as teorias desenvolvimentalistas fizeram a cooperação depender de estratégias económicas, uma vez que consideravam o crescimento económico ilimitado. Associada à corrente keynesiana que defendia o papel central do Estado como agente investidor, a APD tinha como principal função injetar recursos em economias debilitadas com o objetivo de desbloquear e acelerar o seu processo de crescimento, como afirma FERNANDES (2004:1-12) nos seus debates sobre este caso. Paul Rosenstein-Rodin (1943) e Nurkse (1953), por exemplo, defenderam a abordagem do crescimento equilibrado que tinha como objetivo romper os ciclos viciosos do subdesenvolvimento nos PED onde rendimentos, poupança e, consequentemente, os investimentos era fracos. Para combater essa situação, era necessário um big push inicial efetuado simultaneamente em vários setores da economia, através de um papel interveniente do Estado como agente inteligente. A década de 70, marcada pelas crises petrolíferas e pela recessão económica, direcionou as preocupações para os problemas estruturais do continente africano e para a dívida externa dos países da América-Latina. Foi nesse contexto que surgiram os programas de ajustamento estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI), que assentavam numa ideologia neo-liberal pró-crescimento económico como forma de combate à pobreza e de desenvolvimento. Porém, explica FERNANDES (2004:2-13), as desigualdades agudizaram-se devido à complexidade da realidade dos PED, pelo que as políticas aplicadas pelo Fundo Monetário Internacional, viriam a ser extremamente criticadas, que até hoje se transformaram numa colonização monetária para os países pobres. A década de 80 assistiu, por sua vez, a um papel mais interventivo das Organizações Não Governamentais (ONGs) que surgiram em maior número e com maior eficácia, principalmente na área da ajuda humanitária. Segundo MUSCAT (2002:10-17), a existência de conflitos internos em países com economias marginalizadas, caracterizados por terem uma população pequena, uma localização pouco estratégica e poucos laços históricos ou sentimentais com grande potências, terá induzido os grandes poderes a intervir ou a usar a ajuda ao desenvolvimento com a perspetiva de os tornarem clientes da competição global. Caros colegas do ISEDEF, já na década de 90 - marcada pelo fim da Guerra Fria e pela eclosão de uma série de guerras civis, até então abafadas pelo mundo bipolar – houve a necessidade de redefinição das formas de atuação e perspetivas de intervenção política. Nessa altura, as grandes potências mostraram menor inclinação para intervir quando os interesses nacionais vitais deixaram de estar em perigo, apesar de uma eventual intervenção internacional não constituir um risco credível de confronto para as grandes potências, como refere MUSCAT (2002:10-18), nos seus debates sobre esta matéria. TOMMASOLLI (2003:6-9) fala mesmo de um novo conceito – o de “novas guerras” - que traduz as novas implicações à escala regional de alguns conflitos e em relação ao qual passou a haver a consciencialização das dificuldades em apoiar o processo de paz. Como defende o autor, o que está em causa “é a economia política das guerras e o facto de a motivação inicial de alguns conflitos poder mudar e ser influenciada por outros incentivos económicos no contexto das economias de guerra nacionais ou regionais”. Este novo cenário internacional nos anos 90 veio mostrar que os instrumentos analíticos utilizados pelos doadores e pelas agências de ajuda eram inadequados, tornando-se imperativo o repensar da ajuda. A APD, especificamente, tem-se debatido com o dilema do papel da ajuda humanitária e de desenvolvimento que se intensificaram com a proliferação dos conflitos locais violentos e com a influência que os doadores exercem na dinâmica do conflito, sublinha TOMMASOLI (2003:2-8). FERNANDES (2004:2-6) indica, por exemplo, que o aumento das situações de crise humanitária fez emergir a reabilitação e a reconstrução como áreas importantes de atuação das organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo que se evidenciaram novas áreas de cooperação como a diplomacia preventiva, a gestão e resolução de conflitos e os processos de reconciliação. Nessa altura, também a avaliação ganhou terreno e os estudos de impato passaram a salientar a importância da condicionalidade política, a par da condicionalidade económica. Com isto, princípios como o respeito pelos direitos humanos, a boa governação, o multipartidarismo e a democracia, passaram a ser exigências para a ajuda. Todavia, como afirma FERNANDES (2004:2-9), “esta condicionalidade da ajuda coloca as relações entre parceiros numa perspetiva hierárquica e de relação de forças (quem dá e quem recebe), não responsabilizando verdadeiramente o recetor da ajuda, comprometendo-se com os seus beneficiários.” Note-se, por fim, caros colegas, que os anos 90 foram marcados por um decréscimo dos fluxos de APD, que passaram a ser preteridos em prol de fluxos financeiros ligados ao investimento direto estrangeiro. Instrumentos jurídicos e sua eficácia Os instrumentos jurídicos que, à luz do Direito Internacional Humanitário (DIH) e dos Direitos Humanos (DU), permitem aos doadores e atores internacionais prestar uma melhor ajuda, parecem-nos ser um aspeto importante numa análise da relação guerra civil/ajuda (TOMASOLLI (2003:1-12), como explica em suas discussões sobre este caso. Caros colegas do ISEDF, antes disso, importa clarificar as diferenças entre estes dois ramos do Direito Internacional Público, questão que gerou alguma controvérsia ao longo dos tempos de construção da historia, (…)! O Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos Caros colegas, de acordo com a CRUZ VERMELHA PORTUGUESA (2001), a confusão surgiu e acentuou-se desde a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Em 1968, foi determinado na Conferência de DH da ONU que o conceito de DIH equivalia a “DH em período de conflito armado.” As posições quanto a esta definição dividiram-se. SWINARSKY (…), por exemplo, defendeu que “o DIH é um direito de execução, de urgência, que intervém em caso de ruptura da ordem jurídica internacional” (prevendo a proteção de pessoas, civis e militares, em tempo de guerra), “enquanto os direitos humanos se aplicam, principalmente, em tempos de paz, embora alguns deles sejam inderrogáveis em qualquer circunstância.” Em síntese, o artigo sublinha que “o DIH e os DU são normativos complementares na perspetiva da sua aplicação”. Os DH são “os direitos e liberdades inerentes de que gozam todas as pessoas para viver com liberdade e dignidade”, segundo ARMENGOL et al. (2003:30-33). Esses direitos são “universais, inalienáveis e indivisíveis e devem ordenar-se de acordo com a seguinte divisão tríplice: a) civis e políticos, b) económicos, sociais e culturais e c) aqueles vinculados à solidariedade e à paz.” ARMENGOL et al. (2003:72-77) afirmam que o DIH é, por sua vez, “o conjunto de normas internacionais destinadas a ser aplicadas em contextos de conflito armado internacional e intra-estatal”. O seu objetivo é “proteger as pessoas vítimas de confrontos bélicos (sejam elas combatentes ou não combatentes) e em limitar os meios e os métodos de fazer a guerra”. Os autores acrescentam ainda que as normas do DIH têm força moral e política (o que gera responsabilidade internacional) e que a sua incorporação no ordenamento jurídico interno implica responsabilidades jurídicas que afectam todos os Governos signatários de convénios e protocolos. Na base do DIH, está a figura da “proteção humanitária” que, como indica MIRANDA (1995:299-311), “(...) é um instituto destinado a proteger, em caso de guerra, militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e populações civis” . Ainda segundo este autor, “os seus princípios devem aplicar-se hoje, quer às guerras internacionais, quer às guerras civis e a outros conflitos armados”. O autor explica também que a proteção humanitária se refere a situações de extrema necessidade, integráveis no Direito Internacional de Guerra, em que avulta o confronto com um poder exterior (ou equiparado). Por fim, MIRANDA (1995:300-318) explica que a protecção humanitária se assemelha à proteção internacional dos direitos do Homem pela consideração das pessoas afetadas só como pessoas, independentemente de outros fatores, mas distingue-se desta por representar um minus e por o seu móbil ser a compaixão e não a promoção de direitos., (…), caros colegas do ISEDEF. As Convenções de Genebra e os Protocolos Adicionais Caros colegas, a “proteção humanitária” remonta à Convenção de 1864 e tem como principais fontes as quatro Convenções de Genebra de 1949 e os respetivos protocolos adicionais, que são o principal instrumento de DIH. A história das Convenções remonta, por sua vez, à batalha de Solferino, travada entre franceses e italianos contra austríacos no norte de Itália, em 1859. Impressionado com o cenário de guerra, o suíço Henry Dunant reuniu os habitantes da região para socorrer os soldados feridos. Esta ação motivou a redação do livro: “uma recordação de Solferino”, no qual Dunant defendeu a ideia de que fosse criada em todos os países uma sociedade de socorros aos feridos, reconhecida oficialmente em tempo de guerra pelos Estados. O livro viria a ter uma enorme repercussão, designadamente com a criação do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Em 1864, foi adoptada a “Convenção de Genebra para melhorar a sorte dos militares feridos nos exércitos em campanha”, que viria a ser aplicada aquando da guerra entre a França e a Prússia entre 1870 e 1872, onde a Cruz Vermelha prestou auxílio indiscriminado Em 1899, por ocasião da guerra dos Boers no Transvaal, os princípios do DIH estenderam-se à guerra no mar. Em 1919, a 1ª Guerra Mundial trouxe um confronto não de simples exércitos, mas de povos inteiros, e, mais tarde, a 2ª guerra mundial implicou necessidades de socorro enormes. A evolução do contexto de guerra e a adaptação progressiva do DIH concluíram o estabelecimento das quatro Convenções de Genebra de 1949 e dos Protocolos Adicionais de 1977, que protegem todas as vítimas de guerra: feridos e doente (Convenção I), náufragos (Convenção II), prisioneiros de guerra (Convenção III) e populações civis (Convenção IV). A Carta Humanitária / Projeto Esfera e ou tros instrumentos Caros colegas, o CICV foi criado na sequência de uma reunião decisiva em Fevereiro de 1863 onde estivera envolvidas quatro personalidades: General Dufour, o Doutor Appia, o jurista Moynier e o Doutor Maunoir. Sobre as Convenções de Genebra e os Protocolos Adicionais, ver “Resumo das Convenções de Genebra” em www.conectasur.org/files/+9p4.pdf, caso preferirem caros colegas. As Convenções e protocolos designam-se: “Convenção de Genebra : 1, para melhorar a situação dos feridos e doentes nas forças armadas em campanha” de 12 de Agosto de 1949; “Convenção de Genebra 2, para melhorar a situação dos feridos, dos doentes e dos náufrago das forças armadas no mar” de 12 de agosto de 1949; “Convenção de Genebra 3, relativa ao tratamento dos prisioneiros de Guerra” de 12 de Agosto de 1949; “Convenção de Genebra 4,.relativa à preteção das pessoas civis em tempo de guerra” de 12 de Agosto de 1949; “Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à proteção de vítimas em conflitos armados internacionais” (Protocolo I de 8 de junho de 1977.); “Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à proteção de vítimas em conflitos armados não-internacionais” (Protocolo II de 8 de Junho de 1977), como preferirem, caros colegas. Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, a “Carta Humanitária”, redigida no âmbito do Projeto Esfera, é um instrumento utilizado pela comunidade internacional em caso de guerra ou catástrofe. O seu texto refere, “a Carta Humanitária apresenta os requisitos básicos que devem estar presentes em todas as ações de defesa da vida e da dignidade daqueles que são afetados por catástrofes ou conflitos (...)”, sendo eles princípios como o direito à vida com dignidade; o non-refoulement1 e a distinção entre combatentes e não combatentes, (….)! A distinção entre combatentes e a população civil serve justamente de base às Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais. No entanto, esse princípio tem sofrido um desgaste crescente, sendo substituído pelo enorme aumento da proporção de baixas civis durante a segunda metade do século XX. Caros colegas, o facto de se designarem os conflitos internos como “guerras civis”, não deve fazer-nos esquecer a necessidade de distinguir os que participam ativamente nas hostilidades dos civis e militares que já não intervêm diretamente nos conflitos (doentes, feridos e prisioneiros). Ao abrigo do DIH, os não combatentes têm direito à proteção e devem gozar de imunidade contra os ataques belicitas (ou simplesmente ataques militares). Porém, caros colegas, a Carta representa uma tentativa de definir papéis e responsabilidades em contextos de catástrofes ou conflitos, onde é reconhecida a responsabilidade do Estado, como agente inteligente, na assistência às necessidades básicas das populações; a definição pelo direito internacional das obrigações dos Estados e das partes beligerantes em assegurar os DH fundamentais e a assistência às vítimas; e a capacidade das organizações humanitárias prestarem ajuda às populações quando os respetivos Estados não o podem fazer, como tal, perdendo o seu teor de agente protetor das massas populares (humanidade). ZIEGLÉ (2004:51-62) reconhece nos seus debates que o “Projeto Esfera” é a melhor iniciativa estabelecida de controlo da qualidade da ajuda internacional, por ser intersubjetivo. No entanto, sublinha que esse guia não pondera os contextos locais em que os projetos humanitários são aplicados, na medida em que utiliza uma lista de princípios standard, que nem sempre se adequam ao ambiente ou às necessidades das populações locais. Em alternativa, ZIGLÉ (2004:51-62) propõe o “Programa de Sinergia de Qualidade”, criado pelo grupo das principais organizações humanitárias, que consiste numa “tentativa de criar uma abordagem mais equilibrada ao controlo de qualidade”. Segundo a autora, o Programa não funciona como uma check list, mas sim como um instrumento para os gestores de projetos que pode ser usado em cenários de guerra, catástrofe, deslocamentos, fome e epidemias. Para o efeito, identifica seis elementos que determinam a qualidade da ajuda humanitária: ética, gestão de recursos humanos, governo, diagnóstico inicial e levantamento das necessidades, satisfação das necessidades das populações beneficiárias e critérios técnicos. Além das Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais, da Carta Humanitária e do “Programa de Sinergia de Qualidade”, existem outros instrumentos jurídicos de DIH. ARMENGOL et al. (2003:72-78) referem, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional e o Tratado de Otawa sobre minas anti-pessoais. Quanto a este último, a OXFAM INTERNACIONAL & AMNISTIA INTERNACIONAL (2003:5-19) sublinham que “foi realizado graças a uma combinação de governos ativos e apoio popular mundial” e que, “embora o flagelo das minas terrestres ainda não tenha sido erradicado, nenhum país comercializou abertamente estas armas desde 1997”. A eficácia dos instrumentos jurídicos Apesar do mundo assistir a uma evolução progressiva do DIH, continuam a colocar-se sérios obstáculos relativos à validação das normas internacionais em situações de guerra civil. Assim, durante a 54 ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas em Setembro de 1999, o Secretário-Geral, KOFFI ANNAN, apontou as contradições entre as normas internacionais relativas à soberania e as violações humanitárias e defendeu um Conselho de Segurança mais credível que tivesse legitimidade para deter líderes governamentais perpretores de crimes contra a humanidade e para lhes retirar a imunidade de soberania. No entanto, uma vez que essa proposta não teve unanimidade, ANNAN apelou à criação de um novo paradigma de intervenção que permitisse à comunidade internacional atuar eficazmente em futuros casos semelhantes aos do Ruanda. Este parece ter sido mais um passo nos esforços para estabelecer os DH como uma norma internacional, diz MUSCAT (2002:12-18). Gradualmente assistimos sobre esta questão é ainda muito polémica. Sob a alçada da lei internacional, diz MUSCAT (2002:12-19), os princípios de soberania e de autodeterminação colidem com os princípios dos direitos humanos universais e com a Carta das Nações Unidas que permite a ação do Conselho de Segurança em conflitos internacionais que constituam uma “ameaça à paz.” Por isso mesmo, muitos autores consideram que o estabelecimento de um princípio de intervenção internacional nos casos de violação massiva dos direitos humanos poderia ser uma “perigosa cruzada”, porque a frequência com que as atrocidades acontecem poderia significar um “estado de guerra interminável”. Desta perspetiva, MUSCAT (2002:12-18) defende que os acordos regionais para intervir nesse tipo de situação poderão ser mais eficazes. Caros colegas, as origens do conflito no Ruanda remontam a 1890 quando o Ruanda-Urundi, país dividido em dois reinos distintos, cuja população era constituída essencialmente por Hutus e Tutsis, ficou sob o controle de europeus, Alemanha e, mais tarde, Bélgica, que exacerbaram as diferenças socioeconómicas entre Gutus, e Tutsi e Twa. Os primeiros massacres só ocorreram em 1959 quando apotência tutelar impôs a menção das origens “raciais” na identificação das pessoas, impossibilitando o intercâmbio social. Já em 1990, perante uma crise político-económica grave, o Presidente Habyarimana iniciou um processo de democratização, embora não tenha permitido o regresso dos cerca de 500.000 refugiados tutsis que tinham saído do país em 1959, o que levou os guerrilheiros da Frente Nacional Patriótica a assaltar Kigali, dando início a uma longa guerra civil. Em consequência, Goma foi “invadida” por mais de 1 milhão e 200 mil pessoas, que se instalaram em campos de refugiados, sem tendas, sem alimentos, sem água e com um solo vulcânico que impossibilitava o enterro de cadáveres, generalizando epidemias. Em 1996, a degradação política dos países que receberam os refugiados após o massacre dos Tutsi em 1994 (Zaire, Tanzânia, Burundi e Uganda) obrigou milhares de pessoas a regressar ao seu país, agravando ainda mais a situação. Caros colegas, esta claro que existe uma diminuição da tolerância face à guerra interna e face aos líderes governamentais que violam esses direitos impunemente. Ainda assim, lamentamos quão a aceitação de normas internacionais que regulam estes aspetos e as suas implicações operacionais não são claras, na medida em que é utópico o objetivo de pôr fim à violação dos DH no mundo. Na Conferência de Istambul em 1999, registaram-se novos avanços quando os membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), adoptaram um tratado que legitima uma possível intervenção dos Estados em conflitos inter-estatais, mesmo antes de esses conflitos terem atingido o estatuto de “estado de guerra”. Apesar do tratado só prever a intervenção em zonas instáveis da Europa, o seu princípio, diz MUSCAT (2002:13), está a ter um grande alcance em termos da primazia da violação dos DH sobre a inviolabilidade da soberania. A OXFAM INTERNATIONAL (2003:10-16) revela também alguma confiança ao afirmar que “quando a comunidade internacional quer ajudar as populações civis, ela pode muitas vezes fazê-lo”. Para tal, a organização defende que “a ação necessária (...) varia consoante as necessidades específicas de proteção dos civis afetados pelo conflito, e nem sempre tem que ser apoio militar: a pressão diplomática ou o acesso negociado, entre outros, são frequentemente a forma de salvar vidas e de permitir que as pessoas vivam com dignidade”. A outra possibilidade de intervenção internacional “legítima” prende-se, segundo MUSCAT (2002:16-19), com a imposição de sanções económicas, utilizadas, a partir dos anos 90, como instrumento punitivo para forçar os governos a cessar as políticas de violação das normas internacionais como a agressão externa ou o apoio ao terrorismo, sendo muitas delas legitimadas pelos mandatos das Nações Unidas. Por exemplo, o caso da Líbia a quem foi decretado um embargo de armas em 1988 por não cooperar com as investigações do atentado aéreo de Pan Am118, ( MUSCAT 2002:13). “Trata-se de um atentado terrorista contra um avião da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, no dia 21 de Dezembro de 1988, que provocou a morte às 259 pessoas que seguiam a bordo e a 11 em terra. O agente líbio, Abdel Basset al.i al-Megrahi, foi condenado a pena de prisão perpétua, sob a acusação de ter participado no atentado. A Líbia ofereceu o pagamento de 2.7 bilhões de dólares em indemnizações às famílias das vítimas, estando esse pagamento vinculado à suspensão das sanções impostas ao país pela ONU e pelos EUA. A par disso, a ONU exigiu também o explícito reconhecimento da responsabilidade pelo atentado e o fim do apoio ao terrorismo internacional. Para mais informações:www.brasilnews.com.br/News3.php3?CodReg=5185&edit=Mundo&Codnews=999. Segundo MUSCAT (2002:16-19), grande parte das sanções foram impostas contra estados que fomentavam o conflito interno através do desrespeito pelos DH ou da agressão a outras etnias. Exemplo disso,foram as sanções aplicadas ao Ruanda, Burma, Ex-Jugoslávia e Serra Leoa, todas elas legitimadas pelas Nações Unidas. Iraque devido à invasão do Koweit em 1990 ou a China embargada pela Uniao Europeia (EU) na sequência dos acontecimentos da Praça Tiananmen em 1989. Desde então, e apesar das sanções serem restrições ao comércio internacional, às viagens e ao investimento, foram feitos cortes nos fluxos da ajuda, designadamente suspensões dos apoios do Banco Mundial ( BM) e de outros tipos de atividade bancária. A única excepção, diz MUSCAT (2002:16-21), foi a ajuda a refugiados ou outro tipo de ajuda humanitária. O autor critica, no entanto, o recurso às sanções, na medida em que o considera tardio: “porque as sanções foram empregues apenas para forçar a suspensão de um conflito ou abuso em curso, e não como instrumento de prevenção, elas são, na nossa perspetiva, demasiado tardias”. Além disso, as sanções causam quase sempre grandes dificuldades às populações desses países e raramente provocam mudanças significativas nos regimes que condenam. NOBRE (1999) é mais pessimista quanto àquilo que designa de “o alibi do humanitário” ou “direito de ingerência pervertido”. O autor explica que esse direito foi criado por razões humanitárias e para que as instituições humanitárias civis tivessem acesso às vítimas das catástrofes humanitárias, excluindo naturalmente objetivos político-militares. Todavia, esse objetivo parece ter-se invertido, pois “os donos do mundo parecem (...) querer transformar o Humanitário no alibi para as mais obscuras e tenebrosas operações político-militares quando não é para, deitando-nos areia para os olhos, esconderem a sua inoperância”. NOBRE (1999) ilustra a sua posição com o caso da guerra desencadeada pela NATO nos Balcãs, vítimas de uma “amálgama político-militar-humanitária perniciosa e manipuladora”. Perante as dificuldades da ordem internacional em fazer prevalecer o DIH, a OXFAM INTERNATIONAL (2003:6-9) sustenta que a segurança interna depende em grande parte dos Governos e das instituições nacionais que são ainda “as principais fontes de protecção”. O grande problema é que muitas vezes falta a vontade política, afirma CHARD (2003:18-21), “não apenas devido aos constrangimentos da política global e das lutas pelo poder local, mas frequentemente devido a outras pressões menos diretas”. Análise da Ajuda Pública ao Desenvolvimento Caros colegas, este ponto visa descrever a APD prestada pela comunidade internacional, através da definição dos diversos tipos de ajuda, da demarcação das principais vantagens e desvantagens de cada um deles e da quantificação dos fluxos de ajuda. Ajuda pública ao desenvolvimento (APD) o que é caros colegas? A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) consiste “nos fluxos para os PED e instituições multilaterais, providenciados por agências oficiais, incluindo Estado e governos locais, ou pelas suas agências executoras, cujas transações cumprem os seguintes critérios: a) Ter como principal objetivo a promoção do desenvolvimento económico e do bem-estar dos PED; b) Ter um carácter concessional e compreender um elemento de dádiva de pelo menos 25%”. É uma das quatro componentes do esforço financeiro global da cooperação de um país doador, de acordo com as definições estipuladas pela OCDE, sendo as restantes categorias “outros fluxos do sector público”, “fluxos privados” e “donativos das organizações não governamentais para o desenvolvimento (fundos próprios)”. Note-se que as diferenças essenciais entre as quatro categorias da cooperação se distinguem pela fonte dos recursos, que é pública no caso da APD e dos “outros fluxos do sector público”, e privada nos restantes casos; pelos objectivos da ajuda, que são o desenvolvimento e as Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGDs) no caso da APD e os fins comerciais no caso dos “outros fluxos da função pública” e “fundos privados”; e pela concessionalidade da ajuda, que é igual ou superior a 25% no caso da APD, e inferior a 25% no caso dos “outros fluxos do sector público”. Caros colegas, os fluxos de APD com carácter concessional são “transferências de recursos, em dinheiro ou sob a forma de bens e serviços (...), que podem incluir donativos, empréstimos e outras transacções internas de capital a longo prazo (iguais ou superiores a um ano)”, sendo que os donativos “não comportam qualquer contrapartida para os beneficiários” e os empréstimos “situam-se abaixo das taxas de juro de mercado e comportam um elemento concessional mínimo de 25%”. Caros colegas, a APD divide-se ainda em dois tipos relativamente à sua origem - bilateral e multilateral:  A APD multilateral consiste em “fundos públicos colocados à disposição de organismos multilaterais”. Conforme indica o IPAD (2003), “uma contribuição pode ser aqui contabilizada se a instituição beneficiária consagrar toda ou parte das suas actividades ao desenvolvimento e aos países beneficiários da ajuda.”.  A APD bilateral consiste em “transações bilaterais realizadas por um país doador diretamente para o país beneficiário, constante da parte I da lista do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD).” Caros colegas do ISEDEF, note-se, porém, que, quando os fundos são canalizados por um país doador para países beneficiários conhecidos e especificados, mesmo que seja através de um organismo multilateral, de uma ONG nacional ou internacional, a ajuda deve ser classificada como bilateral. No quadro da APD, existem vários grupos de doadores: o grupo dos países industrializados membros do CAD, o grupo que reúne os países produtores de petróleo e ainda, embora de forma dispersa e menos sistemática os países do Sul que cooperam entre si. A APD pode ainda ser decomposta em vários tipos de ajuda consoante a forma como a ajuda irá atingir o setor beneficiário, designadamente ajuda humanitária, ajuda alimentar, desenvolvimento (ajuda-projecto e ajuda-programa, cooperação técnica, projectos de investimento e equipamento) donativos e empréstimos concessionais e anulação e reescalonamento da dívida, como nos referimos acima, ainda nesta discussão. Caros colegas, referimos atrás que a APD tem como principal objetivo promover o desenvolvimento económico e o bem-estar dos PED. A este objetivo poderemos acrescentar outros, conforme indicados por TOMMASOLI (2003:10-17), segundo o qual a APD tem quatro categorias de objectivos, que são: 1.“Influenciar o comportamento dos actores, ou seja, os doadores usam a APD para encorajar os atores do conflito a agir de forma mais pacifista ou desencorajam-nos do contrário. Exemplo disso são os montantes dados aos governos durante as negociações de paz; 2. Modificar as capacidades dos atores, isto é, fortalecer as capacidades dos atores que já atuam em prol da paz e enfraquecer as daqueles que favorecem o conflito. Por exemplo, apoiar ONGs que lutam pela paz e pelos direitos humanos; 3. Mudar as relações entre atores, fazendo com que se tornem mais inclusivos e menos violentos. Por exemplo, criar espaços neutros para comunicação e diálogo ou fazer projetos de justiça; 4. Influenciar o ambiente social e económico em que se desenrola a guerra e a paz, tomando medidas como o perdão da dívida para relançar a economia, o acompanhamento de eleições livres e democráticas ou a reconstrução de infra-estruturas sociais e económicas”. O autor explica que os exemplos referidos são todos de carácter político e que este tipo de questão necessita de atores internos, pois a paz não pode ser importada. No entanto, a APD pode colaborar e apoiar o processo de paz, ainda que para isso necessite de um mandato ético e de uma forte ligação com a sociedade. Segundo TOMMASOLI (2003:10-11), os instrumentos de ajuda não-APD produzem maior impato a nível do quarto objetivo (ambiente social e económico do conflito). A APD, por sua vez, é mais forte no apoio à dinâmica doméstica, provocando alterações nos recursos dos atores e nas relações entre atores. Caros colegas do ISDEFE, Académicos e Similares, em termos numéricos, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 1973 a 2003 foi de 1.286.644 milhões de dólares, como indica o gráfico abaixo, de acordo com TOMMASOLI (2004). Caros colegas, como podemos verificar, predominaram ao longo das três décadas os donativos oficiais (40%), seguidos dos empréstimos concessionais (34%) e de outros fluxos oficiais multilaterais (26%). Os outros donativos e o investimento de capital não têm expressão presente gráfico. Caros colegas do ISEDEF, quanto aos principais doadores, o Gráfico abaixo destaca os países e organismos que doaram mais APD, vejamos atentamente: Principais doadores de APD entre 1973 e 2003 (OCDE) Caros colegas, ao nível bilateral, o Japão destacou-se como principal doador (205.478 milhões de USD), seguido dos EUA (147.330 milhões de USD) e da Alemanha (78.804 milhões). Ao nível multilateral, o BIRD (Banco Mundial) foi o principal doador com 298.857 milhões de USD, seguido da IDA (Banco Mundial) com 139.457 milhões e da CEC (FED) com 63.097 milhões. Se avaliarmos a evolução da ajuda no tempo, verifica-se uma tendência de crescimento nas últimas três décadas do século XX, apesar de se registarem algumas descidas, designadamente em 1975, 1989, 1992, 1996, 2000 e 2003. Este Gráfico revela-nos a Evolução da APD de 1973 a 2003 A REUTERS FOUNDATION (2004:2-7) indica que de acordo com a entrevista da Egeland, a ajuda está a diminuir consideravelmente. Em Novembro de 2004, a ONU conseguiu, através dos seus apelos consolidados, apenas 52% dos 3.4 mil milhões de dólares pedidos. O autor explica que o montante de ajuda que se pede corresponde apenas a uma fração da percentagem das despesas militares mundiais e a menos de 1% dos subsídios agrícolas mundiais. Em seguida, definimos os principais tipos de ajuda em que se pode desdobrar a APD, designadamente a ajuda humanitária, a ajuda alimentar, ajuda à reabilitação, o desenvolvimento (ajuda-projecto, ajuda-programa, a cooperação técnica e projectos de investimento / equipamento), os donativos e empréstimos concessionais e a anulação e reescalonamento da dívida, como temos vindo a referir. O que é Ajuda humanitária (emergência)? A ajuda humanitária de emergência é “uma intervenção que ajuda as populações vítimas de uma catástrofe natural ou provocada pelo Homem, a ter acesso às suas necessidades básicas, tais como cuidados de saúde adequados, água, saneamento, nutrição, alimentos e abrigo”, segundo a (ECHO) Agência das Nações Unidas de Coordenação dos Assuntos Humanitários , (1999:60-67). Este tipo de ajuda é dada em situações de “crise humanitária”. Segundo ARMENGOL et al. (2003:43), estas ocorrem quando se verifica um ou vários dos seguintes indicadores: uma emergência alimentar, os países receptores de ajuda humanitária da ECHO e os deslocamentos forçados das populações (deslocados internos e refugiados). A ajuda humanitária pode ser realizada fora da APD (por exemplo, através de ONGs que angariam fundos da sociedade civil e empresarial para a realização de missões humanitárias) e dentro da APD, que, de forma directa ou através do financiamento de ONGs, apoia projectos e programas dessas áreas. Caros colegas, Jan Egeland é coordenador da ajuda humanitária das Nações Unidas. As afirmações referidas foram feitas numa entrevista da REUTERS FOUNDATION (2004). Este critério prende-se com o facto de a ECHO (actual DG para a Ajuda Humanitária da União Europeia) financiar unicamente projetos com carácter de emergência. As considerações relativas à ajuda humanitária prendem-se com todo o tipo de assistência humanitária prestada, quer através de privados, quer através do Estado, na medida em que os princípios de base aplicados devem ser sempre os mesmos, designadamente a humanidade, a neutralidade e a imparcialidade universal. No que concerne aos objetivos da ajuda humanitária, verificamos que a maior parte teve como destino, entre 1973 e 2003, a emergência / auxílio (25.480 milhões de USD), seguida da ajuda a refugiados no país receptor (6.486 milhões) e da ajuda alimentar de emergência (5.734 milhões), como indica o Gráfico abaixo: Gráfico sobre a ajuda humanitária de emergência por objetivo entre 1973 e 2003 Caros colegas do ISEDEF, as agências de ajuda ao desenvolvimento têm canalizado enormes verbas para os países vítimas de guerra. Segundo MUSCAT (2002:10-15), estima-se que, entre 1990 e 1994, tenham sido gastos cerca de 6 mil milhões de USD só em ajuda de emergência, que constituíram 10% do total da APD. Caros colegas, o papel da ajuda é fundamental. Egeland explica à REUTERS FOUNDATION (2004:2-14) que a falta de ajuda provoca um conjunto de efeitos no terreno, designadamente a falta de capacidade de distribuir alimentos e cuidados básicos de saúde aos refugiados e à população em geral, frustração e, consequentemente, maior tensão, mais violência e mais extremismo. Lamentavelmente, os fluxos de ajuda em geral (não apenas na acepção humanitária) estão, por vezes, associados a interesses políticos, económicos e ao fenómeno das “crises mediáticas”. Segundo a OXFAM INTERNATIONAL (2003:2-3), olhando para o contexto das emergências, os mesmos doadores dão uma ajuda muito superior em crises mais mediáticas (e com maior alcance publicitário) como a do Iraque do que noutras crises esquecidas como a do Burundi ou a da Guiné. Segundo a OXFAM INTERNATIONAL (2003:2-12), a rápida ajuda dada ao Iraque consistiu num montante médio de 74 USD por pessoa, enquanto que, na RDC, a ajuda foi de 17 USD por pessoa e, na Indonésia, de 7 USD. Um outro bom exemplo é o do Afeganistão, para o qual se destinou quase metade dos fundos dos doadores (provenientes de apelos das Nações Unidas) em 2002, sendo o restante dividido por vinte e quatro países. Para tentar ilustrar esta questão, analisámos os dados disponíveis sobre os volumes de ajuda entre 1973 e 2003 de doadores e receptores da ajuda humanitária (ajuda de emergência em geral, ajuda alimentar de emergência, outros tipos emergência e auxílio, ajuda a refugiados). Desse exercício, seleccionámos todos os países que receberam a partir de 2,5% do total da ajuda, tendo obtido os resultados ilustrados no gráfico abaixo, vejamos atentamente: Este Gráfico indica o destino da APD (de emergência) da OCDE entre 1973 e 2003 Caros colegas, a nível dos países doadores, a tabela em questão inclui todos os Estados-Membros da OCDE e ainda 11 Fundos / Organizações Internacionais (UNICEF, BIRD, FED, FNUD, etc.). A nível dos países receptores, a tabela em questão inclui um total de 186 países e zonas em desenvolvimento para onde foi canalizada APD, no período de 1973 a 2003. Caros colegas, como seria de esperar, o principal destino da APD, desde o início da década de 70, foram os países PED, sem destino mais especificado, com 20%. Para esse destino, os principais doadores foram os EUA (com quase 3.400 milhões de USD), a CEE (FED) (com cerca de 1.200 milhões), o Canadá (843 milhões) e a Suécia (710 milhões). Quanto aos países que receberam mais ajuda de emergência, destacam-se o Afeganistão, a Etiópia, o Iraque, o Sudão e ainda o Sul do Sahara (montante não alocado). O caso da ajuda dada ao Afeganistão e ao Iraque revela a “preferência internacional” por esses países, à semelhança do que aconteceu com os fundos das Nações Unidas referidos pela OXFAM INTERNATIONAL (2003). O problema da mediatização das crises, associado a interesses geopolíticos, choca frontalmente, a nosso ver, com os três grandes princípios humanitários: a humanidade, a neutralidade e a imparcialidade. Segundo NIELSON (2003),“estes três princípios são e provavelmente continuarão a ser o principal garante da segurança do pessoal e do acesso às vítimas em situações de conflito. Caros colegas do ISEDEF, a ajuda humanitária, só não se tornará um alvo fácil para os rebeldes e guerrilhas, se se mantiver afastada da política e se for vista como uma força neutra no conflito. Caros colegas, a própria relação entre o humanitário e o militar é perigosa, na medida em que poderá prejudicar as populações, a ajuda e os próprios trabalhadores humanitários. BLANCHET (2003) afirma que, antes dos bombardeamentos contra o Afeganistão, a preparação de sacos com alimentos pelo exército americano na fronteira paquistanesa fez pensar num humanitário ao serviço do soldado, como nos tempos de Henri Dunant e da Batalha de Solferino, o que seria um enorme retrocesso face às reformas efectuadas. O autor afirma ainda que “as relações entre as populações em perigo e os trabalhadores humanitários são pervertidas por uma desconfiança face ao Ocidental que, aos seus olhos, tem de um lado uma seringa e no outro uma espingarda. NIELSON (2003), por sua vez, explica que o uso de recursos militares na distribuição da ajuda humanitária pode gerar uma confusão de papéis. O antigo Comissário Europeu para o Desenvolvimento afirma que “se os militares envolvidos no conflito armado estiverem envolvidos na distribuição da ajuda humanitária, os inimigos podem ver essa ação como um acto de guerra. Se a ajuda humanitária for vista como parte no conflito e como parte da estratégia de guerra, a ajuda e os trabalhadores humanitários tornar-se-ão um alvo de guerra e o acesso às vítimas ser-lhes-á negado” . Caros colegas, questionamo-nos sobre qual será o papel da ONU no binómio humanitário/militar. As Nações Unidas chamam para si uma forte capacidade de intervenção ao nível político, militar, económico e também humanitário. Neste último campo, é a Agência das Nações Unidas de Coordenação dos Assuntos Humanitários ( OCHA) que coordena a ajuda humanitária internacional e a intervenção das várias ONGs e OIs num país em guerra, sendo a mais recente e principal organização com esse fim. O papel da OCHA é fundamental, pois, como indica OVERLAND (2003:11-13), o grande objetivo da coordenação é aumentar o custo-eficácia da ajuda aos beneficiários. Assim, “a coordenação tornou-se o mantra do negócio da ajuda”, afirma o autor, na medida em que “denota coesão, compatibilidade, harmonização, sinergia e gestão, as quais parecem estar em falta nas organizações humanitárias”. Porém, ela é vista como uma ameaça às outras agências, designadamente a outras agências das Nações Unidas. Como exemplifica OVERLAND (2003:12-14), o envolvimento desta agência na questão dos deslocados internos implica um confronto desta com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). A este propósito, OVERLAND (2003:12-14) levanta uma reflexão importante: “numa altura em que a soberania dos Estados-Nação é questionada e corroída, como e com que propósito pode ser construída a soberania das organizações internacionais?”. A posição mais extremista sobre a OCHA tende a vê-la, detalha OVERLAND,(idem) “como uma conspiração para tornar as Nações Unidas uma estrutura rígida, centralizada e hierárquica – um passo para o Governo mundial”. Já segundo ARMIÑO (1997:135-138), “as agências das Nações Unidas cobrem um amplo espetro de áreas de intervenção, pelo que estão capacitadas para aplicar uma abordagem integrada que abarque as múltiplas intervenções políticas, socio-económicas e humanitárias relacionadas com a pacificação e a reabilitação de emergência ao desenvolvimento”. No entanto, o autor lamenta a falta de coordenação entre as agências e a fraca clarificação sobre a respetiva direção estratégica, na medida em que cada agência tem o seu programa e o seu orçamento, sem responder ao Secretário-Geral. Por último, refira-se a dicotomia clássica entre o conceito de ajuda humanitária e desenvolvimento, assumida tradicionalmente pelas ONGs e agências humanitárias e reforçada pelas burocracias impostas pelos doadores no financiamento de programas e projetos. ARMIÑO (1997:29-32) critica o facto de as intervenções ao nível da ajuda humanitária de emergência tenderem a combater mais os sintomas do que propriamente as causas profundas das crises, sendo essa intervenção feita ao nível de estruturas paralelas que gerem a dependência da ajuda externa (em vez de se apostar no reforço das instituições locais). Ajuda alimentar o que é? A fome é um flagelo nos PED, principalmente em cenários de guerra, ocupação, distúrbios civis e catástrofes naturais, bem como em situações de violação dos DH e de políticas socio-económicas inadequadas. A CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NUTRIÇÃO alerta para a existência de dezenas de milhões de refugiados, deslocados internos, civis vítimas da guerra e migrantes, cuja situação de deficiência nutricional os coloca entre os grupos mais vulneráveis do mundo. Face a isto, “a ajuda alimentar pode ser usada para prestar assistência em emergências, para auxiliar refugiados e apoiar a segurança alimentar das famílias e o desenvolvimento comunitário e económico” . As estatísticas indicam que, para combater essa situação, só a OCDE enviou 5.955 milhões de USD em donativos de ajuda alimentar de emergência doada entre 1973 e 2003. Relativamente aos empréstimos nesse sector, o montante ascendeu aos 275 milhões. Tabela de ajuda alimentar da OCDE entre 1997 e 2003 Egeland em entrevista à REUTERS FOUNDATION (2004:1-11) afirma que é mais fácil obter financiamento para alimentos do que para a reconstrução, por exemplo. “Sem alimentos, as pessoas morrem. Por isso, não podemos cortar na comida”, afirma o autor. Além disso, é cada vez mais intolerável para a comunidade internacional ver as pessoas morrer através dos canais de televisão. Por isso, consegue-se dar ajuda alimentar em muitas situações. Ainda assim, no último ano, houve mais situações em que se teve que cortar rações do que situações em que se pôde aumentá-las. Face às carências em termos de ajuda alimentar, o “Projecto Esfera” define três grandes objetivos deste tipo de ajuda: 1. “sustentar a vida, garantindo que as pessoas afetadas por um desastre tenham uma disponibilidade suficiente de alimentos e um acesso adequado aos mesmos”; 2. “proporcionar recursos alimentares suficientes para eliminar a necessidade de recorrer a estratégias de sobrevivência que podem acarretar consequências negativas a longo prazo para a dignidade humana, para a viabilidade do agregado familiar, para a segurança da subsistência e para o meio ambiente”; 3. “possibilitar a transferência ou substituição a curto prazo dos rendimentos das pessoas afetadas para que possam investir os recursos familiares na recuperação”. Apesar dos programas de ajuda alimentar, a fome continua a matar,( REUTERS FOUNDATION (2004:1-12). Quais serão as razões deste flagelo, principalmente nos contextos de guerra, caros colegas do ISEDEF? Em resposta a essa pergunta, BUKMAN e SCHMALBRUCH (2003) afirmam que existem dois tipos de causas do agravamento da situação de insegurança alimentar no mundo, a saber: Em primeiro lugar, a insuficiente atenção dada aos agricultores locais e aos comerciantes, na medida em que “(...) as negociações de comércio internacional e as discussões políticas sobre agricultura são conduzidas de forma a favorecer a dependência em larga escala dos produtores agrícolas industriais e do comércio agrícola global.” Em segundo lugar, “(...), as políticas de governos irresponsáveis dependentes do apoio da população urbana, que ignoram as necessidades da comunidade agrícola”. É ponto assente que “ajudar as populações a sair da pobreza e a caminhar para um desenvolvimento sustentável é crucial em ambientes dominados pela crise e pelo conflito”, afirma SCHMALBRUCH (2003:36). Assim, prossegue o autor, “as agências de ajuda e os doadores deveriam ultrapassar a divisão entre a tradicional ajuda ao desenvolvimento e a ajuda humanitária, ultrapassando as barreiras intelectual, institucional e financeira”. A CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NUTRIÇÃO acrescenta ainda outras medidas importantes a tomar, designadamente: (1) disponibilizar recursos para a fase de reabilitação, por forma a assegurar a capacidade do país actuar em futuras emergências; (2) não criar dependência; (3) evitar impatos negativos nos hábitos alimentares e no marketing e produção alimentar local; (4) alertar os países recetores com a maior antecedência possível para que estes possam implementar recursos alternativos, antes de se reduzir ou interromper a ajuda alimentar. Por último e sempre que adequado; (5) a ajuda alimentar deve ser canalizada através de ONGs com a participação local e popular, de acordo com a legislação interna de cada país. A ajuda alimentar está muito ligada ao contexto da guerra, na medida em que é uma das primeiras a chegar aos cenários de guerra, juntamente com a assistência médica. Por isso mesmo, a ela estão associados alguns problemas como a efctiva receção dos alimentos pelos beneficiários planeados, a imposição do medo pelos beligerantes, a exigência de pagamentos e subornos a vários níveis, o aumento dos roubos e assassínios, que tornam frequente a perda da ajuda humanitária em cenários de guerra., guerra civil ou similares. Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, devemos questionar-nos sobre a forma como a ajuda alimentar é efetuada, como são definidos os seus destinatários (se seleccionamos umas das partes, a outra poderá assumir as agências de ajuda como inimigas), onde é dada essa ajuda (se escolhemos uma zona do país em guerra em detrimento de outra, poderemos provocar algumas alterações no teatro da guerra), etc. A este nível, refira-se a questão dos programas internacionais de ajuda, designadamente do Programa “Petróleo por Comida” das Nações Unidas, suspenso aquando da intervenção dos EUA no Iraque em Março de 2003, depois do Secretário-Geral ter declarado não estarem reunidas as condições de segurança do seu pessoal no terreno. Já no dia 28 de Março viria a ser adoptada nova resolução (1472) que veio ajustar o Programa e dar a Koffi Hannan autoridade para facilitar a entrega e recepção de bens pelo governo iraquiano destinados a colmatar as necessidades humanitárias do povo iraquiano. Caros colegas, este exemplo bem recente mostra como os programas de ajuda alimentar de emergência em cenários de guerra estão tão dependentes das condições de guerra e de negociações políticas, mesmo quando se trata de programas das Nações Unidas, retirando às populações um direito fundamental que lhes assiste. Ajuda à Reabilitação o que é? A reabilitação é “uma fase conceptual, embora não necessariamente cronológica, que serve de ponte entre as ações de emergência a curto prazo e as estratégias de desenvolvimento a longo prazo”, segundo a definição de ARMIÑO (1997:27). Porém, começa a esbater-se a distinção rígida entre emergência – reabilitação e desenvolvimento. Ainda segundo ARMIÑO (1997:27), o conceito teórico de reabilitação é ainda provisório, correspondendo a visões fragmentadas. O autor explica que, para uns, o conceito refere-se apenas a questões sociais, culturais e institucionais, enquanto que, para outros, se aplica a questões físicas e económicas. Existe ainda uma terceira corrente que abarca as várias esferas (reparação de infra-estruturas, reactivação económica, reconstrução institucional, reintegração dos refugiados, etc.), constituindo uma visão mais abrangente. Segundo ARMIÑO (1997:27), “a confusão conceptual contribuiu para que a reabilitação sofra um notável esquecimento institucional e político, visível a dois níveis.” Por um lado, não existem agências de ajuda especializadas na reabilitação (nem mesmo a nível das Nações Unidas), o que faz com que os programas de ajuda sejam fragmentados a esse nível; por outro, quase não existem linhas financeiras dos doadores para projetos de reabilitação. ARMIÑO (1997:28) refere como exceção uma linha orçamental da União Europeia de ajuda à reabilitação aberta sob a alçada da IV Convenção de Lomé. Em termos processuais, ARMIÑO (1997:28) explica que a programação do desenvolvimento é feita geralmente para o período de 1 a 3 anos, não sendo de curto prazo e intensiva como na emergência, nem de planificação lenta e de procedimentos rigorosos como no desenvolvimento. O autor sublinha a importância da reabilitação como ponte entre a ajuda de emergência e o desenvolvimento, devendo corrigir os possíveis impatos negativos da ajuda humanitária (por exemplo, a dependência criada ou o desencorajamento da economia local), ao mesmo tempo que consolida os serviços sociais entretanto criados e ajuda a criar sistemas de subsistência sustentáveis. No entanto, as verbas para a reabilitação parecem ser insuficientes. Egeland explica que se dá o suficiente para manter as pessoas vivas, mas que não se ajuda o suficiente para que os refugiados retornem às suas terras, para que os sem abrigo reconstruam as suas casas e para que as vítimas da guerra voltem a trabalhar a terra e a criar os seus meios de subsistência. Voltando à explicação de ARMIÑO (1997:27) a qual indica que, segundo uma terceira corrente de pensamento, a reintegração dos refugiados se inclui na ajuda à reabilitação. Deveremos sublinhar que, segundo o autor, o apoio ao retorno às zonas de origem das populações que fugiram para outros países (refugiados) ou para outras zonas do país (deslocados internos), bem como a sua reintegração social e económica são um dos maiores desafios do pós-guerra e uma das peças essenciais para assegurar uma pacificação e conciliação duradouras. No entanto, face à carência de recursos, poder e capacidade por parte das autoridades locais, essa gestão só será viável e bem sucedida quando descentralizada para o âmbito local ou distrital, contribuindo assim para a redução da dependência face à ajuda internacional. Desenvolvimento (Ajuda-Projeto, Ajuda-Programa, Cooperação Técnica, Projetos de Investimento e de Equipamento). Como se procede isso? Ao longo da última década, a clareza da distinção linear entre ajuda – reabilitação– desenvolvimento começou a ser posta em causa, principalmente em situações de emergência política de longo prazo relacionadas com a guerra civil. Começou a perceber-se que algumas ações de desenvolvimento podem e devem ser feitas no seio do conflito. Assim, os novos conceitos não fazem o desenvolvimento depender do fim das hostilidades, segundo COMMINS ET AL (1996:9). Como afirma TOMMASOLI (2003:2), “o conflito não é bom ou mau, mas sim uma realidade constante do desenvolvimento.” Assim, o autor defende que o conflito já não pode ser uma externalidade ignorada, devendo ser previsto ao traçar-se os objectivos de desenvolvimento, na medida em que poderá acarretar alguns custos provocados pela guerra. Também ARMIÑO (1997:29) concorda que a divisão clássica deixou de se adequar a partir da década de 80, na medida em que muitos países africanos passaram a viver quase permanentemente em emergência, com a população mais vulnerável vítima de uma miséria equiparável à das crises humanitárias. De forma geral, a APD inclui programas ou projetos específicos de desenvolvimento, onde incluímos a ajuda-projeto, a ajuda-programa, a cooperação técnica e projetos de investimento e de equipamento, que são vertentes da ajuda por setor ou por objetivos principais. A ajuda-programa engloba as contribuições destinadas a ajudar o país beneficiário a implementar programas de desenvolvimento em setores como a agricultura, o ensino, os transportes, etc. Essa ajuda pode ser fornecida em dinheiro ou em géneros, com ou sem restrições quanto à utilização precisa desses fundos, mas na condição do beneficiário implementar um programa de desenvolvimento em favor do setor em causa. A ajuda a programas abarca o apoio orçamental e a ajuda à balança de pagamentos. Esse tipo de ajuda passou a ser privilegiado a partir da década de 80, por forma a dar resposta à crise da dívida externa e à necessidade de se proceder a ajustamentos estruturais e a reformas políticas, económicas e institucionais. Assim, inclui a ajuda ao ajustamento estrutural e todas as despesas para programas setoriais que sejam financiados em paralelo ou relacionados com os Programas de Ajustamento Estrutural do FMI e do Banco Mundial. A ajuda-projeto procura afetar recursos a ações específicas, tais como projetos de investigação agrícola, desenvolvimento dos setores rural, dos transportes e comunicações, irrigação, projetos pastorais, desenvolvimento de pequenas empresas, educação e formação, saúde, planeamento familiar, entre outros. A cooperação técnica compreende o financiamento de atividades “com o objetivo essencial de aumentar o nível de conhecimentos, qualificações, knowhow técnico ou as capacidades produtivas da população do país em desenvolvimento, isto é, aumentar o stock de capital intelectual desse país, ou a sua capacidade de utilizar mais eficazmente os fatores doados”. Este tipo de cooperação envolve peritos, cooperantes, professores e voluntários. Os projetos de investimento são “programas de investimento destinados a aumentar e/ou melhorar o stock de capital físico do beneficiário”. Os projetos de equipamento, por sua vez, são os “financiamentos para aprovisionamentos em bens e serviços indispensáveis a esses programas”. A contribuição dada pelos planificadores, os engenheiros, os técnicos, entre outros, desde a concepção à implementação dos projetos será considerada como fazendo parte integrante do projeto em questão. Serão também incluídos nesta rubrica os programas integrados de desenvolvimento que incluam uma forte componente de investimento. Donativos e empréstimos concessionais, como funciona isso? Caros colegas do ISEDEF, os donativos e empréstimos concessionais pelo BM e pelo FMI aos PED são efetuados em condições favoráveis, na medida em que os donativos não implicam reembolso e os empréstimos contêm um elemento de liberalidade equivalente a 100% ou um grau de concessionalidade sempre superior a 25%. Segundo MUSCAT (2002:128), esta modalidade de ajuda está na base dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE), os quais se tornaram a principal imposição para os empréstimos das instituições de Bretton Woods quando muitos PED viram as suas economias destabilizadas devido aos efeitos do choque do preço do petróleo nos anos 70 (inflação severa, aumento da dívida externa, aumento do défice fiscal e externo e sobrevalorização das moedas). Nessa altura, a vontade dos credores externos de continuar a fazer transferências financeiras sem ver uma melhoria da situação económica e o reequilíbrio da balança financeira, atingiu os seus limites, pelo que se tornou imprescindível a realização de grandes ajustamentos na política económica em geral. O FMI e o BM passaram a condicionar os seus empréstimos aos governos que se mostrassem disponíveis para implementar os ajustamentos necessários na política económica dos seus países, diz MUSCAT (2002:128) em seus debates sobre esta matéria. Caros colegas, o acesso aos recursos do FMI era, estatutariamente, limitado aos países que procuram resolver atuais ou previsíveis problemas na balança de pagamentos, independentemente de serem ou não PED. A este propósito SERRA (2004) explica que estes programas não visam o desenvolvimento económico a curto prazo, podendo apenas surgir ligados ao objetivo da viabilização da balança de pagamentos e ao equilíbrio externo. Ainda assim, SERRA (2004) sublinha que nos últimos anos tem-se assistido a uma maior preocupação com o objetivo de crescimento económico, com a luta contra a pobreza e, desde 1987/88, com a inclusão nos PAE do Banco Mundial de projetos destinados a aliviar os efeitos sociais negativos da estabilização conjuntural, atribuindo-lhes uma dimensão social. Apesar disso, caros colegas, na actual terceira fase, “é inegável que (...) o peso da visão tradicional - prioridade aos problemas do equilíbrio externo - é ainda determinante”. Segundo SERRA (2004), a primeira fase, que decorreu entre 1981 e 1984, tinha objetivos essencialmente económicos e de mera estabilização, e na segunda fase, entre 1984 e 1986, começou já a sentir-se alguma preocupação com os efeitos sociais negativos das políticas adoptadas. Porém, só na terceira fase, a luta contra a pobreza veio a ser considerada como um dos objectivos. Além disso, SERRA (2004) afirma que na seleção dos países candidatos aos programas de ajustamento, o FMI impôs um conjunto de condicionalidades, designadamente: (1) condições prévias, que são medidas de política económica dos países candidatos, como, por exemplo, desvalorizações, políticas de taxas de juro e de preços, medidas de liberalização dos mercados; (2) critérios de avaliação de cumprimento dos programas de estabilização, que se traduz numa avaliação de metas (quantitativas) relativas a variáveis económicas; (3) outras medidas dos pacotes de programas, resultantes de uma tentativa de adaptação às condições do país, por debaixo de uma “inegável capa uniformizadora” e da necessidade de responder a uma grave situação económica e financeira; (4) grau de flexibilidade do FMI em relação à definição e à execução do programa, na medida em que o programa não é um “contrato-tipo” a que se adere, mas sim um programa que pretende estar adaptado às condições de cada país, embora num quadro de referência relativamente fixo e marcado por uma tendência prócapitalista; (5) prazo de execução e prazo de efeito do programa, sendo que o próprio FMI reconhece que os efeitos benéficos na balança de pagamentos se fazem sentir no médio prazo, eventualmente entre os 3 e 5 anos, e nunca em menos de dois anos; (6) condicionalidade cruzada ou dupla e a condicionalidade política, que se prende com a aceitação de pré-condições impostas pelo FMI ao país tomador de empréstimo para o apoio financeiro a ser prestado por outros financiadores como as agências bilaterais de ajuda e a banca comercial; além disso, os empréstimos são condicionados por uma matriz de medidas de política-económica a adoptar; (7) imposição de plafonds de crédito enquanto principal instrumento de política económica desses programas, devido à realidade histórica de escassez de dados económicos e devido à influência do modelo de Polak de 1957 que recorria preferencialmente à informação económica disponível sobre a balança de pagamentos. Caros colegas, os programas do FMI e do BM foram muito estudados e criticados e as opiniões dividem-se. Assim, colocam-se duas grandes questões: será a ajuda dada através dos empréstimos benéfica para os países beneficiários? Serão os Países em Desenvolvimento (PAE) adequados? Em relação à primeira questão, FEENY & McGILLIVRAY (2003:989) analisaram a relação entre os empréstimos ao sector público nos PED e a ajuda ao desenvolvimento, partindo da conclusão de vários estudos de que a ajuda leva a um aumento dos empréstimos face aos constrangimentos orçamentais e às condições da ajuda. Através de uma análise econométrica, os autores concluíram que a ajuda pode ser positiva quando associada a esse tipo de empréstimos. No que concerne especificamente os PAE, SERRA (2004) sublinha que o ajustamento ajudou a criar um quadro mais favorável para o crescimento económico e contribuiu para um crescimento real consistente durante vários anos. No entanto, sublinha que “esta é uma tendência frágil, que pode ser interrompida pelo mau tempo, termos de troca adversos e flutuações da assistência internacional”. SERRA (2004) afirma que esses programas têm custos sociais (e políticos) muito elevados, provocando um aumento da pobreza, acentuando a diferenciação social e dificultando um crescimento equitativo, (FEENY & McGILLIVRAY (2003:996). ARMIÑO (1997:25), por sua vez, sublinha o fato de as imposições dos organismos financeiros internacionais e da própria comunidade de doadores em realizar reformas económicas e fortes restrições orçamentais, ocorreram em cenários frequentemente marcados pela destruição de infra-estruturas e da economia e pela ampla miséria das populações, “precisamente quando é urgente enfrentar um maior número de necessidades.” Aliás, o BM e principalmente o FMI têm sido muito criticados pelo seu carácter prescritivo mais do que consultivo e pelo facto de imporem políticas macro-económicas muito duras e inadequadas aos países destruídos pela guerra, afirma ARMIÑO (1997:134). Ainda assim, ARMIÑO (1997:134-135) admite que “as instituições de Bretton Woods (BM e FMI) jogam um papel determinante a nível financeiro: renegociação da dívida, concessão de crédito, assistência técnica sobre medidas de estabilização macro-económica, etc.” e acrescenta que o apoio do BM à estratégia de reconstrução de um país constitui normalmente para os doadores a prova de credibilidade que requerem para mobilizar a ajuda. Caros colegas do ISEDEF, a verdade é que o impato dos PAE terá variado de país para país, sendo este um bom exemplo de como, por vezes, a ajuda contribui favoravelmente para o desenvolvimento, enquanto que noutras vezes o prejudica, podendo também exacerbar o conflito. Como afirma MUSCAT (2002:127-128), “algumas vezes, estes aspectos (do processo de desenvolvimento) – políticas específicas, programas, projetos, muitos dos quais envolveram agências internacionais de desenvolvimento – exacerbaram os conflitos, noutras melhoraram-nos.” A este propósito, o autor refere dois tipos de abordagem. A abordagem “big- bang” consiste na introdução de uma só vez de um pacote de transição política e de mudança institucional para impedir que interesses dos regimes anteriores minem essa acção. Foi o tipo de medida implementado na Polónia. A segunda abordagem defende um processo de transição gradual, caso da Rússia. Assim, MUSCAT (2002:127-128) conclui que o contexto e a forma como os programas são implementados é fundamental, na medida em que um programa de melhoria do conflito em dadas circunstâncias, pode ser um factor de exacerbação noutras. Anulação e reescalonamento da dívida o que é, caros colegas do ISEDEF? A restruturação da dívida pode assumir a forma de reescalonamento ou perdão. O reescalonamento da dívida é um processo normalmente conduzido no âmbito do Clube de Paris através do qual credores e devedores acordam a alteração dos prazos de pagamento da dívida em atraso, segundo SERRA (2004). O Clube de Paris é constituído por países industrializados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que, desde 1956, se reúnem com o objetivo de estabelecer acordos que incluem, de forma geral, uma componente de perdão de dívida. O perdão da dívida, por sua vez, traduz a conversão por mútuo acordo de um empréstimo num donativo. Segundo MOREIRA (2002:16), este enquadrava, até 1993, a dívida APD e a dívida originada por outros fluxos não-APD. Desde então, a dívida não-APD foi subdividida em dívida para fins militares e dívida de outros empréstimos não-APD. Além disso, a primeira passou a ser registada como OFO (Outros fluxos oficiais), enquanto que a segunda continuou a ser contabilizada como donativos. STAINES (2004:18) explica que os países emergiram dos conflitos com uma dívida externa aumentada, constituindo em média 117% do PIB e 743% das exportações, o que se tornou insustentável. Além disso, o autor diz que as obrigações do serviço de dívida eram extremamente elevadas e mais de metade dos países emergiram do conflito com dívidas que, em alguns casos, constituíram um obstáculo à obtenção de ajuda internacional. Face a este cenário, caros colegas, muitos países necessitavam urgentemente de um perdão da dívida, tendo 2/3 deles sido subsequentemente elegíveis para receber assistência no âmbito da iniciativa HIPC (Iniciativa de redução da dívida dos países altamente endividados). Esta iniciativa, proposta pelo BM e pelo FMI e acordada por vários governos do mundo inteiro em 1996, consistiu na primeira abordagem abrangente de redução da dívida externa dos países mais endividados e representou um passo importante na resolução do problema da dívida no âmbito da redução da pobreza, caros colegas do ISEDEF. Passemos agora pela Síntese e conclusões da nossa discussão. Caros colegas, nesta discussao, vimos como evoluiu a ajuda internacional desde a 2ª Guerra Mundial e como as teorias sobre o desenvolvimento e a posição dos doadores se foram alterando ao longo da segunda metade do século XX. Se as décadas de 50 e 60 foram marcadas pelo imperativo de injetar recursos e fazer crescer a economia dos PED, na década de 70 verificou-se a preocupação com problemas de cariz estrutural e com a questão da dívida externa. Nos anos 80, as ONGs passam a atuar activamente, principalmente a nível da ajuda humanitária, e nos anos 90, após a Guerra Fria, a ajuda internacional foi repensada face a um novo contexto internacional. Revimos depois alguns dos instrumentos jurídicos que legitimam a intervenção da comunidade internacional, no quadro do DIH e da ajuda internacional, designadamente as Convenções de Genebra de 1949 e os Protocolos Adicionais, a Carta Humanitária do Projecto Esfera, o PSQ, não subestimando a importância de outros instrumentos como tratados internacionais (por exemplo, o Tratado de Otawa) e o Tribunal Penal Internacional. A revisão desses instrumentos suscitou uma reflexão sobre a eficácia dos mesmos e sobre os avanços dados pela comunidade internacional no sentido de ajudar as populações vítimas da guerra e de assegurar que o respeito pelos direitos humanos não seja violado, a par do debate sobre ingerência interna. Concluímos que, progressivamente, a comunidade internacional tem vindo a intervir mais ativamente nestas questões, quer através da imposição de sanções, quer através de outros tipos de medidas. Dissecámos depois os vários tipos de ajuda em que se decompõe a APD em contextos de guerra ou pós-guerra, de modo a poder posteriormente compreender a dinâmica da mesma sobre o conflito. Assim, ao nível da emergência, revimos os principais indicadores de uma crise humanitária e quantificámos os fluxos da ajuda face ao país destinatário no contexto da OCDE, destacando-se o caso da ajuda dada ao Afeganistão. Do ponto de vista qualitativo, referimos os princípios da humanidade, neutralidade e imparcialidade e apontámos o caminho sinuoso entre o humanitário e o militar, designadamente no contexto da ONU. Concluímos que, na sua acepção mais simplista, a ajuda humanitária – enquanto mera distribuição de bens de primeira necessidade às populações durante uma guerra – é fundamental para os seus beneficiários e poderá não ser prejudicial. No entanto, os doadores são selectivos ao destinar a ajuda, o que faz com que os países mais pobres e menos mediáticos sejam tendencialmente os mais carentes. Além disso, a ajuda humanitária não contribuirá muito para o desenvolvimento do país que acode, nem para o seu crescimento económico, pelo que, ao contrário do que acontece com outros tipos de ajuda, a emergência deve ser analisada de um prisma específico que não o do desenvolvimento económico do país. Ainda assim, o conceito de ajuda humanitária tende a ser mais complexo e a confundirse mais com o de desenvolvimento, pelo que a ajuda tem que ser cuidadosamente pensada, por forma a não prejudicar aqueles que pretende ajudar. Sobre a ajuda alimentar, questionámo-nos sobre os seus objectivos e sobre eventuais motivos que fazem com que continue a haver fome em todo o mundo, nomeadamente em países em guerra, tendo concluído que esta se deverá essencialmente a razões de ordem política que priorizam o comércio agrícola global em detrimento dos agricultores locais e comerciantes e a população urbana em detrimento da rural. Abordámos depois algumas das propostas para combater este flagelo e concluímos a importância de medidas e precauções, como a disponibilização de recursos para a reabilitação, a forma como a ajuda é dada, como são definidos os destinatários da ajuda, onde é dada essa ajuda, questões particularmente delicadas em contextos de guerra. Numa linha entre a emergência e o desenvolvimento, situámos a ajuda à reabilitação, cuja implementação é prejudicada pela existência de diversas abordagens desse tipo de intervenção e pela ausência de agências especializadas no mesmo, bem como pela pouca disponibilidade de linhas de financiamento. Sublinhámos ainda o papel fundamental da reabilitação na correcção de erros e lacunas da emergência e na preparação da comunidade para a sustentabilidade, sendo um bom exemplo o trabalho feito ao nível do retorno e da reintegração de refugiados e deslocados de guerra. Com vista ao desenvolvimento em contextos de conflito, sublinhámos que o esbatimento entre o desenvolvimento e outros tipos de ajuda mais imediatos começa a desaparecer e que pode efectivamente ser dada ajuda ao desenvolvimento em contextos de guerra. Vimos também que a ajuda pode ser feita em termos de ajuda-projecto, ajudaprograma, de cooperação técnica e de projectos de investimento e de equipamento. As duas primeiras consistem num leque de programas de ajuda ao desenvolvimento em vários sectores ou por objectivos, enquanto a terceira foca a qualificação e a capacitação no país receptor da ajuda. Os programas de investimento e de equipamento visam aumentar o stock de capital físico do país beneficiário e aprovisionar bens e equipamentos para esses programas. Este tipo de programas foram menos esmiuçados, uma vez que a sua implementação é menos comum em contextos de guerra. Revimos também os donativos e empréstimos concessionais e a anulação e reescalonamento da dívida, que resultam da ajuda financeira prestada por outros países ou por instituições internacionais e que estão directamente associados aos PAE do FMI e do BM, cujas características e resultados tentámos resumir. Realçámos as severas críticas a esses programas por exigirem reformas económicas demasiado rígidas aos países beneficiários. Apesar de as posições se dividirem, salientamos a afirmação de MUSCAT (2002), que considera que nalguns casos estes programas favoreceram o desenvolvimento dos países, enquanto noutros tenderam a exacerbar o conflito, o que leva o autor a concluir que é fundamental a forma e o contexto em que os programas são implementados. Concluindo, a cada tipo de ajuda estão inerentes obstáculos e problemas próprios da complexidade de uma intervenção num país em guerra. Apesar disso, podemos constatar que a comunidade internacional tem desenvolvido esforços no sentido de dinamizar o debate sobre a ajuda internacional e de desenvolver instrumentos e medidas que permitam melhorar a eficácia da ajuda, podendo talvez com isso minimizar um possível impato negativo da ajuda na guerra. Caros colegas,, qualquer dúvida ou contribuição sobre este debate, fica bem-vindo, podemos em circulo próprio rever os casos e reformular teorias que possam ajudar a nossa reflexão dentro do ISEDEF criar mecanismos para melhorar as teorias aqui apresentadas. Meu email:dr.anly1962@gmail.com Meu contato telemovel:827138340 Site: dr_anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIAO CIENTIFICA”

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