quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

DISCUSSÃO SOBRE A GUERRA CIVIL EM ANGOLA,UM CASO AFRICANO. “EM LIVRE- DOCÊNCIA DO MAJOR DE INF SILVA ANLI, NO ISEDEF, ANO 2016 Caros colegas do ISEDEF, anteriormente já tinhamos discutido o caso de guerra civil de Sri Lanka, em Ásia, desta vez vamos discutir o caso Africano, da guerra civil em Angola. Esta reflexão tentará compreender melhor como é o desenrolar das guerras civis em vários campos ou territórios em conflito. Portanto, a guerra é multidimencional, e pode refletir aspetos peculiares,(…), podendo ser convergentes ou divergentes, conforme as politicas de guerras ai decorrentes. Caros colegas do ISEDEF, á semelhança da discussão anterior, o objeivo deste debate é testar as ideias debatidas ao longo das reflexões sobre “as guerras civis”, e neste caso nos centramos todavia, através do estudo da ajuda internacional dirigida a Angola durante a guerra civil. Asssim, caros colegas, começamos por fazer uma breve caraterização do país e uma resenha histórica do mesmo, com o objetivo de enquadrar o conflito no respetivo contexto. Seguidamente, abordamos algumas especificidades da guerra civil que nos ajudarão a compreender o contexto da guerra, designadamente o tipo de relações mantidas entre o Governo (MPLA) e a UNITA, as possíveis causas da guerra e a influência exercida por outros fatores externos, destacando-se o papel das grandes potências mundiais (EUA e URSS) e regionais (África do Sul), bem como de outros atores influentes (Cuba, Ex-Zaire, petrolíferas internacionais) e similares. Fazemos depois uma caraterização global da ajuda, traçamos as principais estratégias seguidas e revemos algumas posições sobre a influência da APD com o objetivo de criar uma base de reflexão sobre o possível impato da ajuda no desenrolar do conflito, caros colegas. Caros colegas, vejamos a caracterização do país A República de Angola localiza-se no sudoeste africano da região austral e faz fronteira com a República Popular do Congo, República Democrática da Congo (RDC), Zâmbia, Namíbia e com o Oceano Atlântico. Ao país pertence também o enclave de Cabinda, situado a norte. O país tem uma superfície total de 1,246,700 km², dos quais 2% têm cultivos anuais, 23% são pradarias e pastos, 43% são bosques e montes baixos e 32% têm outro tipo de fins sustentaveis. Uma longa meseta estende-se até ao litoral. A faixa costeira do país tem 1.600Km. veja aqui:www.guiadelmundo.com/países/angola/introduccion.html; IMF Ilustração de Mapa de Angola O clima é semi-árido no sul e ao largo da costa de Luanda. Já o norte tem invernos frescos. A estação seca é de Maio a Outubro e a estação chuvosa de Novembro a Abril. Angola tem atualmente cerca de 13 milhões de habitantes, dos quais três milhões residem em Luanda. Em termos de religião, cerca de 53% é cristã (38% católicos romanos e 15% protestantes), sendo que a restante população (47%) pratica cultos autóctones. No que concerne a divisões étnicas, 37% são Umbundus, 25% Kimbundus, 13% Bakongo, 2% mestiços (de origem europeia e nativo africano), 1% europeus e 22% pertencem a outras etnias. Os principais idiomas são o português e diversos dialetos do ramo bantú. Angola conquistou a independência a 11 de Novembro de 1975, adoptando, então, um sistema político de partido único. Em 1991, foi alterada a Constituição do país, o que permitiu pôr fim ao sistema monopartidário e ao sistema de economia central e planificada. Em Setembro de 1992, realizaram-se as primeiras eleições livres legislativas e presidenciais. O Presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 20 de Setembro de 1979, obteve 49,6% dos votos, o que implicaria a realização de uma segunda volta (contra Jonas Savimbi). Porém, esta segunda volta nunca se realizou, tendo sido suspensa devido ao reacender da guerra civil. Apesar da abundância de recursos naturais, 70% da população angolana vive na pobreza e o rendimento per capita era de 340 USD em 1997. O seu IDH era 0.403 em 20002. A agricultura, que assegura quase na totalidade a alimentação de subsistência para cerca de 80 a 90% da população rural, representava 8% do PIB em 2001 contra 20% em 1990 (IMF,2003:3-4). A base da economia angolana é o petróleo que contribui em cerca de 50% do PIB, 90% das exportações e 80% das receitas do orçamento de Estado. Existem outros recursos minerais como os diamantes, o minério de ferro, o fosfato, o cobre, o feldspato, o ouro e o urânio, embora só os diamantes sejam explorados e exportados. Caros colegas, o petróleo foi descoberto pela primeira vez onshore na bacia do Kwanza em 1955, tendo a sua produção começado nesse mesmo ano e sendo alargada à costa de Cabinda em 1968. Em 1973, antes da independência, este recurso natural substituiu mesmo o café, tornando-se o maior bem de exportação do país. Hoje, Angola é o segundo maior exportador de petróleo da África Subsariana. Quanto aos diamantes, estão concentrados na zona noroeste do país, designadamente nas áreas da Lunda Sul, Lunda Norte e, no centro, no Bié e Malanje, junto a lençóis de água, antigos cursos de água e vales. Angola é o quarto maior produtor mundial e tem potencial para pertencer ao grupo dos maiores fornecedores de diamantes do mundo, que produzem mais de 10 milhões de quilates por ano. Relativamente às exportações, estas movimentam actualmente cerca de 10 mil milhões de USD, sendo os principais bens de exportação o petróleo (90%), os diamantes e algum café. Os principais destinos são os EUA, Portugal, Brasil, França e Espanha. A dívida externa do país era de 9.9 mil milhões de USD (IMF, 2003:31-34). Vejamos caros colegas, a breve história do país Remontando ao século XV e à descoberta da desembocadura do rio Congo em 1482 por Diogo Cão, foi a partir de então que se deu início à presença portuguesa em terras angolanas. No entanto, caros colegas, muito antes da chegada dos portugueses, as comunidades de língua bantú tinham estabelecido uma economia agrária em quase todo o território e absorvido as populações de língua khoisan nele espalhadas. Além da pastorícia, desenvolveram ainda economias de troca, tendo-se tornado a povoação de M’banza Kongo num dos centos mercados mais bem sucedidos. A leste, a ideologia política dos povos lunda concebia já a formação de um Estado e, no sul, nasceram reinos mais tardios nas terras altas das populações ovimbundu. Em 1951, Angola obteve a categoria de Província do Ultramar, delegando-se-lhe uma administração e recursos próprios. Na década de 50, começaram a emergir movimentos nacionalistas dos quais se destacou, em 1958, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). A luta política contra a força colonial portuguesa foi-se intensificando e mais fusões políticas apareceram, nomeadamente o UPA/FNLA (União dos Povos de Angola/Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional para a Independência de Angola). Todos eles competiam pela legitimidade doméstica e pelo reconhecimento internacional, apresentando reivindicações mutuamente exclusivistas de representar toda a nação. Estes aspetos, foram bem discutidos na minha dissertação do ISEDEF, em Outubro de 2015, no capítulo dos movimentos independentistas africanos, mas também caro colega poderá ver nos seguintes sites: www.terra.com.br/noticias/mundo/angola/angola.htm, www.hrw.org/portuguese/reports/angola0803/3.htm, www.guiadelmundo.com/paises/angola/historia.html, www.worldstatesmen.org/Angola.html www.guiadelmundo.com/paises/angola/historia.html. Após quase década e meia de luta armada, iniciada em 1961 e que só terminou em 1974, Portugal negociou a independência da ex-colónia através do Acordo de Alvor em 1975. A 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto, Presidente do MPLA, proclamou a independência do país e a sua constituição como “República Popular de Angola”. O novo Governo foi reconhecido pelos outros Estados africanos, mas não foi aceite pelas restantes organizações independentistas. No mesmo dia, a UNITA proclamou a independência na capital da Província do Huambo, cidade do Huambo. Portugal só viria a reconhecer o Governo do MPLA meses mais tarde, em Fevereiro de 1976, depois de 80 países já o terem feito e quando Angola já estava totalmente controlada pelo MPLA. Começava, então, a guerra civil angolana, que durou mais de 25 anos, isto é, até Fevereiro de 2002, altura em que o líder da UNITA foi morto e esta aceitou negociar um Acordo de Paz (Abril de 2002). Esta guerra rapidamente se internacionalizou devido aos apoios prestados ao MPLA por Cuba e pela União Soviética, e à FNLA e à UNITA, pelo Ex-Zaire, pela África do Sul, pela China e pelos EUA. Em 1977, Nito Alves, um destacado dirigente do MPLA, tentou derrubar o regime de Agostinho Neto através de um golpe de Estado que fracassou, apesar de terem sido mortos vários dirigentes do MPLA. Em seguida, Angola viveu uma época de verdadeira “caça às bruxas”, perseguindo-se, prendendo-se e assassinando-se milhares de pessoas acusadas de pertencerem à fração do MPLA criada por Nito Alves. Em Dezembro desse mesmo ano, o MPLA constituiu-se como partido e adoptou o marxismo-leninismo como base da sua orientação ideológica, transformando-se em MPLA /PT (Partido do Trabalho). Esta transformação do MPLA enfureceu os EUA que continuavam renitentes em reconhecer o Governo angolano e que, por isso, vieram reforçar o seu apoio à UNITA, através da revogação pela Administração Reagan da “Emenda Clark”, que impedia esse apoio aberto e oficial dos Estados Unidos. Dois anos depois, em 1979, após a morte de Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos foi nomeado pelo Bureau Político do MPLA/PT seu presidente e do país. A 16 de Fevereiro de 1984, Luanda e Pretória chegaram a acordo, através da assinatura dos «Compromissos de Lusaka», que determinavam a retirada da África do Sul das áreas do território angolano que invadira e ocupara militarmente, e estipulavam a aplicação, até 31 de Março, da Resolução 435 do Conselho de Segurança. Porém, a África do Sul não honrou o seu compromisso. Na sua esteira, em 1989, instalou-se uma Missão de Verificação das Nações Unidas no país – a UNAVEM I. Face às consequências dramáticas de uma guerra ininterrupta, iniciaram-se, simultaneamente, em Londres, conversações quadripartidas entre Angola, Cuba, África do Sul e EUA, que culminaram na assinatura de um acordo tripartido entre Angola, Cuba e a África do Sul em 22 de Dezembro de 1988 e na assinatura dos Acordos de Nova Iorque entre Angola e Cuba, os quais previam a retirada das tropas cubanas para o país. Caros colegas, o ano de 1989 ficou marcado pelo primeiro frente-a-frente entre o Presidente angolano e o líder da UNITA, sob a mediação de Mobutu, que, apesar de ter sido considerado um fracasso, marcou o início das negociações diretas entre o MPLA e a UNITA com vista à reconciliação nacional. Um ano depois, caros colegas, as delegações da UNITA e do MPLA reuniram-se em Portugal e aceitaram calendarizar ações e encontros futuros para construir a paz. A essa reunião seguiram-se outras rondas que culminaram na assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse (Estoril) em 1991, com o objetivo de viabilizar a realização de eleições livres no país com a instauração de um sistema multipartidário. Na sequência desses acordos, estabeleceu-se uma segunda Missão de Verificação para Angola – a UNAVEM II que teve como objetivos observar e verificar o processo de desarmamento; apoiar a criação de um novo exército nacional único, supervisionar a desminagem, prover auxílio humanitário e facilitar a extensão da autoridade do Estado a todo o território. Seguindo os ventos de mudança que ocorriam em todo o mundo, sobretudo nos países de leste até então satélites da URSS, e de olhos postos na preparação das primeiras eleições democráticas, o MPLA/PT optou pela abertura económica, com a adopção de instrumentos que permitiam a entrada de capitais estrangeiros, nomeadamente a aprovação da lei de investimentos estrangeiros, e dando início à negociação com o FMI. Caros colegas, o novo sistema político e económico viria a ser estabelecido pela Lei Constitucional de Abril de 1991: fim do regime de partido único e do sistema económico de direcção centralizada e implantação do multipartidarismo e de um sistema económico de economia de mercado. As eleições ocorreram um ano depois, em Setembro de 1992, sob a supervisão da ONU, saindo vencedor o MPLA. A UNITA contestou os resultados, acusou o Governo de fraude eleitoral e reiniciou a guerra no país, a qual duraria até 2002, com uma breve interrupção em 1994 na sequência dos Acordos de Paz de Lusaka, que consistiram num aprofundamento do Acordo de Bicesse, com maior rigor e controlo nas medidas de calendarização do cessar-fogo, da reconciliação nacional e formação das Forças Armadas, a par da aceitação dos resultados eleitorais pela UNITA. Caros colegas, a ausência de Jonas Savimbi na assinatura dos acordos indiciava, porém, algumas dificuldades com as quais o seu cumprimento iria confrontar-se. Foi também nesse ano de 1994 que os EUA reconheceram o Governo de José Eduardo dos Santos. Já em 1995 e depois de os Acordos de Lusaka terem sido negociados e facilitados pela ONU (ao contrário do que tinha acontecido nos Acordos de Bicesse), estabeleceu-se a UNAVEM III. Na sequência do estipulado nos Acordos de Lusaka, foi aprovado em 1997 o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), onde os deputados da UNITA eleitos em 1992 tomaram posse. Esse primeiro Governo integrou quatro ministros e sete vice-ministros da UNITA. Nesse mesmo ano, a ONU aplicou sanções contra a UNITA por não respeitar os acordos de paz, que incidiram no encerramento das suas delegações externas e na limitação de movimentos dos seus dirigentes. O ano de 1998 ficou marcado pelo reinício da guerra em grande escala. Face a esta situação, o MPLA afirmou não estarem reunidas as condições necessárias para a realização de eleições gerais em 2001, como exigia a oposição civil. Também nesse ano e face ao expirar do mandato da UNAVEM III, foi criada a Missão de Observação das Nações Unidas em Angola (MONUA), cujos esforços foram minados com a rápida deterioração da situação militar no país. Segundo MATOS (2002:91), a fase final da guerra foi marcada por uma crescente divisão de opiniões nos meios políticos e militares quanto à melhor forma de pôr fim ao conflito. Os defensores de uma oposição forte e estruturada que fizesse face a um Governo forte e empreendedor consideravam que a UNITA estava derrotada e que o Governo deveria convidá-la a estabelecer a paz. Uma outra corrente defendia que a guerra deveria ser levada até ao fim, ambicionando mesmo o aniquilamento total da UNITA, que não parecia capaz de se transformar numa oposição forte e democrática. Finalmente, caros colegas, em Fevereiro de 2002 e após quase três décadas de guerra, de milhares de mortes e deslocações em massa, Jonas Savimbi foi morto. Dois meses depois, no dia 4 de Abril, a UNITA e o Governo assinaram um cessar-fogo (Memorando de Entendimento de Luena), pondo fim ao sangrento conflito angolano e dando início a uma nova era. Já em Agosto de 2002, caros colegas, foi estabelecida a Missão das Nações Unidas em Angola (MNUA) com o objetivo de presidir à Comissão Militar Conjunta reinstalada, fornecer 30 observadores militares para monitorizar as áreas de aquartelamento e coordenar os esforços humanitários das várias agências da ONU. Caros colegas, a situação militar em Angola influenciou bastante a economia do país, na medida em que as repercussões das ações militares que incidiram sobre alvos conómicos ou criaram dificuldades para a manutenção da atividade de alguns setores económicos como a agricultura e transportes, tendo sido particularmente visíveis ao nível macroeconómico através do Orçamento Geral do Estado (OGE), do PIB e da dívida externa. Terminados quase 30 anos de guerra civil, as infra-estruturas de Angola ficaram em ruínas: centros de saúde, hospitais e escolas foram destruídos. O mesmo aconteceu às pontes, a um grande número de barragens e estradas, resultado de uma estratégia de destruição pela UNITA de infra-estruturas e da produção nas zonas sob controlo governamental. A agravar esse cenário, caros colegas, está a existência de milhões de minas terrestres que continuam espalhadas pelo interior do país, apesar dos avanços das equipas de desminagem. O fim do conflito trouxe também inúmeros desafios ao país, nomeadamente o retorno e a reintegração de milhões de deslocados internos, de refugiados nos países vizinhos e dos ex-combatentes deslocados durante a guerra. Caros colegas, os números indicam que, em 2003, mais de dois milhões de deslocados internos e cerca de 25% dos refugiados externos já tinham retornado às suas terras de origem, sendo que, no final do semestre de 2004, o Governo deu por acabada a operação de reintegração dos deslocados internos e o fim dos campos de combatentes, restando ainda um número considerável de deslocados em países vizinhos. Infelizmente, estes movimentos de retorno têm causado centenas de mortos e feridos, principalmente devido ao elevado número de minas terrestres espalhadas pelo país, estando muito dependentes da ajuda humanitária, principalmente mulheres, crianças e outros grupos mais vulneráveis, caros colegas. Segundo a Human Rights Watch, os refugiados angolanos, cuja maioria se exilou na RCD e na Zâmbia, retornaram espontaneamente a Angola, apesar dos seus recursos limitados e do risco de extorsão nas fronteiras do país e noutrospontos de controlo. Durante o percurso de regresso, vários refugiados afogaram-se ao tentar atravessar rios e, nas áreas de fronteira mulheres e crianças foram vítimas de estupro e de outras formas de abuso sexual. Especificidades da guerra civil e suas causas em Angola Caros colegas, é usual apontar-se como a maior causa da guerra civil em Angola a existência de recursos naturais valiosos. Segundo dados de 1995, Angola é o vigésimo país mais dependente de recursos minerais (não petrolíferos), com uma dependência de 3.6 (rácio das exportações de minerais não petrolíferos face ao PIB). Quanto aos países dependentes do petróleo, Angola é o primeiro da lista com uma dependência de 68.5 (rácio das exportações de petróleo, gás ou carvão face ao PIB). Como notam certos autores, uma das formas de fazer e manter a guerra num dado país é a riqueza que o movimento da guerrilha detém (líder da guerrilha). Para COLLIER et al. (2003:73-83), essa foi a situação prevalecente em Angola, na medida em que Jonas Savimbi tinha meios financeiros para apoiar o movimento rebelde. Ainda segundo COLLIER et al. (2003:141-149), no início da década de 90, a UNITA tinha já obtido receitas provenientes essencialmente da exploração de diamantes avaliada em cerca de 4 mil milhões de USD. MEIJER (2004:3-8) explica que essa situação foi exacerbada pela emergência de uma elite corrupta e enriquecida, após a abertura “democrática” do início da década de 90, com fortes interesses que dificilmente seriam desmantelados. De salientar que, segundo o autor, apesar de os recursos terem permitido sustentar os esforços de guerra, “isso não significa necessariamente que tenham sido a fonte ou o motivo do conflito”. ROSS (2002:2-9), por seu turno, explica que a dependência dos recursos naturais promove a guerra civil de quatro formas: (1) prejudicando a performance económica do país, na medida em que reduz o crescimento e aumenta a pobreza; (2) tornando o Governo mais fraco, corrupto e menos responsável; (3) dando às populações dessas regiões um incentivo para formar um estado independente; (4) financiando os movimentos rebeldes. No caso de Angola, o petróleo foi a fonte do Governo para financiar a guerra, enquanto os diamantes financiaram a ação da UNITA. Porém, a influência dos recursos naturais em Angola não terá sido sempre linear. Segundo ROSS (2002:20-25), durante a Guerra Fria e o Apartheid na África do Sul, a UNITA foi apoiada e financiada pelos EUA e pela África do Sul. Só com o fim da Guerra Fria, os rebeldes angolanos perderam os financiadores externos e passaram a depender muito mais fortemente dos lucros dos diamantes. Segundo o WORLD BANK (2003:4-11), a UNITA tinha já perdido força antes da morte de Savimbi, não apenas devido à perda de território, mas também devido à campanha internacional promovida contra o contrabando dos diamantes. Até então, foi o valor relativo dos recursos controlados que manteve a força das partes opostas após o fim do apoio de financiadores externos, indica o WORLD BANK (2003:4-15). O processo Kimberley tratou-se de uma iniciativa privada das grandes companhias do setor dos diamantes, que teve como objetivo estabelecer regulamentação económica sobre o comércio de diamantes e criar um sistema de certificação de diamantes em bruto. Os participantes no processo acordaram em estabelecer medidas de controlo interno para evitar o conflito na importação e na exportação de diamantes nos respectivos países, bem como implementar ou reforçar a certificação e de penalizar os transgressores. Em Angola, esta medida conseguiu diminuir a obtenção de financiamento por parte dos rebeldes. No encontro de Otava, em Março de 2002, os participantes tinham-se mostrado confiantes no respeito pelo prazo de implementação das medidas acordadas. Porém, logo após a aprovação da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o processo Kimberley, os Estados-membros da EU admitiram não conseguir cumprir o compromisso até Fevereiro de 2003. Ainda assim, segundo COLLIER et al .(2003:175-187), essa medida ajudou a alcançar a paz em Angola e noutros países em situação semelhante. O desejo de secessão de Estado pelos rebeldes é a outra principal razão da guerra. CARVALHO (2002:160) explica que “o desejo de Jonas Savimbi era o poder político absoluto, não olhando a meios para o alcançar”. Assim, prossegue o autor, “gorada que foi a hipótese de alcance legítimo do Poder, o recurso foi a opção armada, que (tal como se sabe) não era defendida por todos quantos integravam a direcção da UNITA”. Quanto aos argumentos utilizados pelos rebeldes, Savimbi afirmou, nas suas últimas declarações públicas, que uma das razões da luta da UNITA era a “conquista da cidadania para todos os angolanos”, como indica PACHECO (2002:43-49). A este propósito, o autor admite que “embora nunca tivesse concordado com as suas opções políticas e, sobretudo, com os métodos que utilizou para as concretizar, devo reconhecer que a preocupação com a cidadania faz todo o sentido quando se analisam as causas do conflito e se questiona o futuro dos angolanos”. Mas existem outras causas que explicam a guerra. CACETE (2002:167-169), parece convicto de que “fatores internos como a exclusão social, a exclusão económica e a exclusão política, foram importantes para a manutenção das tensões internas e para a mobilização da rebelião. A diversidade étnica “desempenhou um papel insignificante no conflito, apesar de reter o potencial para fraturar a vida social angolana”, defende o WORLD BANK (2003:4-7), tendo as partes beligerantes procurado o apoio de grupos étnicos rivais: a UNITA teve o apoio dos Ovimbundu, o MPLA dos Kimbundus e o FNLA dos Bakongo. Será também importante referir a questão da corrupção política, associada à existência de recursos naturais. Segundo o WORLD BANK (2003:6-11), “o acesso privilegiado a contratos do Estado, agências reguladoras, parcerias estrangeiras, infra-estruturas de saúde e educação de elite, bens estatais privatizados e o crédito subsidiado e a moeda estrangeira, enriqueceram alguns à custa de muitos”. Esta situação, afirma, terá provocado uma ineficaz alocação dos recursos, elevados níveis de consumo e um clima de negócio marcado pelo favoritismo, pelas transacções associadas e por outro tipo de práticas não transparentes e distorcidas, para cenários de “lavagem de dinheiro”. Do lado do Governo, as razões para o conflito foram sempre atribuídas a outras entidades, afirma CACETE (2002:165-169), designadamente “ao imperialismo americano e aos racistas sul-africanos, no quadro da Guerra Fria; ao mau perder e à ambição de Savimbi, depois de 1992. Ou seja, o Governo ao longo deste tempo eximiu-se de quaisquer responsabilidades no conflito e, com base na guerra, também do modo como geria o país”. Também FERREIRA (1999:287-288) afirma que “a guerra é entendida mais como uma agressão da África do Sul do que um problema de cariz interno personificado na UNITA (que obviamente contava com o apoio, decisivo muitas vezes, sul-africano)”. Caros colegas, o autor chama ainda a atenção para a “sistemática minimização das responsabilidades oriundas da política económica adoptada e do próprio sistema económico em que ela assentava no que concerne ao diminuto desempenho económico nacional”. Durante a guerra, caros colegas, o Governo empenhou-se num único objetivo, diz CACETE (2002:165-176): “manter o controlo do Poder” e, por isso, “a exploração de recursos naturais como o petróleo e os diamantes cresceu desenfreadamente; foram utilizadas avultadas somas na aquisição dos meios militares, no lobbying junto de Governos influentes, na corrupção e na manutenção de clientelas subjetivos”. A este propósito, CARNEIRO (2002:38-41) afirma que “alguns dados relevantes podem ilustrar (...) a mistura particularmente sensível de desenvolvimento de um nsistema rendeiro com uma guerra de destruição sistemática imposta pelo Ocidente (e terminada quando, do exterior, se consideraram preenchidas as “condições” para o seu término)”. O autor explica, caros colegas, que os anos 90 foram marcados, no domínio económico, por duas circunstâncias capitais, designadamente a aplicação de um modelo de acumulação privado, que, de resto, foi condição si ne qua non dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE), e pelo reforço de uma lógica rendeira em plena guerra. Exemplo disso, é o fato de Angola ter reforçado a dependência das receitas fiscais em relação ao setor petrolífero de 83% em 1993 para 86% em 2000. A questão da internacionalização da guerra civil tem imperativamente que ser abordada quando se analisa o caso de Angola. MESSIANT (2004:2-7) afirma que os interesses externos em Angola desempenhavam um papel crucial desde a guerra pela independência, na medida em que “embora não tenham sido eles a criar divisões no seio do nacionalismo angolano (...), muito seguramente exacerbaram-nas concomitantemente”. CARNEIRO, (2002:39-47), por seu turno, considera que “não só a Guerra Fria constituiu um fator fundamental conducente a uma verdadeira destruição do país até um passado recente, como o relativo peso da inserção do país no sistema global de aproveitamento de recursos minerais e ,em particular, a sua integração na definição do sistema estratégico de aprovisionamento de crude por parte das potências ocidentais, nomeadamente dos EUA, são determinantes como elemento tendencial de geração de relações concretas de dependência e extroversão, caros colegas”. Em suma, caros colegas, e citando o INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2003), apesar de se tratar de uma guerra entre o MPLA e a UNITA, esta foi “exacerbada pela diversidade étnica e racial, pela geografia, pela política da Guerra Fria e pelos interesses exteriores pelos seus recursos naturais”, ao que se deveria acrescentar as investidas internas que se desenvolveram de um lado e de outro desde a independência do país, (…). Paradigma da influência das grandes potências mundiais na guerra civil de Angola Caros colegas, a situação política de Angola foi particularmente complicada durante a Guerra Fria, quando todos os assuntos mundiais eram vistos na óptica da luta EUA/URSS, afirma SOLOMON (2002:53-61). Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, a internacionalização do conflito angolano foi marcada pelo apoio de Moscovo e de Havana ao Presidente marxista José Eduardo dos Santos e ao MPLA, enquanto Jonas Savimbi e a UNITA receberam o apoio ocidental dos EUA e da África do Sul do Apartheid. Segundo GUIMARÃES (2002:287-288), “Savimbi não passou de um instrumento aos americanos e sul-africanos”. O autor afirma que é inegável que Washington, ajudado ou mesmo empurrado por Pretória, tenha procurado, em 1975, impedir a tomada de poder pelo MPLA. Porém, caros coloegas, como não conseguiu esse objetivo, trabalhou para derrubar o Governo angolano dando apoio militar e financeiro à UNITA, especialmente durante as administrações Reagan e Bush sénior. Para os EUA, o MPLA era sinónimo do reforço da capacidade de projeção da União Soviética, enquanto que, para o regime branco da África do Sul, representava uma ameaça à sua sobrevivência e continuação do Apartheid na região. Mas, caros colegas, afirma GUIMARÃES (2002:287), “aqui também há o reverso da medalha”, na medida em que Moscovo “claramente, também se aproveitou da situação proporcionada pela guerra civil, a qual conseguiu trazer a bom porto graças à disponibilidade cubana de enviar tropas e consolidar militarmente a posição do MPLA”. Como conclui o autor, “naquela época jogava-se xadrez”. Caros colegas, quanto ao MPLA e à UNITA, terão reformulado e promovido a sua rivalidade e a sua luta pelo poder como parte da competição ideológica da Guerra Fria, podendo, assim, “colocar-se inextricavelmente nas estratégias das superpotências e chamarem a si o apoio necessário para atingirem os seus fins, que, de resto, já existiam muito antes da internacionalização do conflito”. Nesta perspectiva, GUIMARÃES (2002:287) afirma que “é difícil concluir quem era verdadeiramente o instrumento, se a UNITA para os Estados Unidos, se os Estados Unidos para a UNITA”. A venda de armamento a Angola reflete bem o tipo de influência exercida pelas grandes potências, designadamente pela URSS. Segundo OHLSOM & SKONS (1987:187-189), Angola foi o sexto país de destino da venda de armas soviéticas no conjunto dos países do Terceiro Mundo (4.8% do total) e o primeiro na África Sub-Sahariana no período entre 1982 e 1986. Caros colegas, os autores indicam ainda que, no mesmo período, Angola foi o 14º importador mundial no conjunto dos países do Terceiro Mundo (1.7% do total) e o primeiro da África Sub-Sahariana. No final da década de 80, o novo contexto geoestratégico implicou um novo relacionamento da URSS com os EUA e influenciou decisivamente o curso dos acontecimentos em Angola. Segundo URQUHART, “uma tendência cordial (no relacionamento) entre as duas superpotências é, sem dúvida, um fator crucial na criação de um contexto global no qual acordos pacíficos de conflitos podem ser estabelecidos, e sobreviverem”. Pelo contrário, SOLOMON (2002:53-91) afirma que “a queda do muro de Berlim em Novembro de 1989 e o fim da Guerra Fria libertaram o mundo dos constrangimentos da bipolaridade global e a política mundial parece estar a seguir uma trajetória mais turbulenta”. No caso de Angola, caros colegas, isto significa que, quer o MPLA, quer a UNITA, se envolveram num sistema de comércio livre, isto é, saque desenfreado pelo acesso aos benefícios dos recursos naturais, que terá causado mais obstáculos do que oportunidades para a paz. O autor, numa interpretação polémica, explica que “o que foi antes visto como uma luta ideológica se transformou numa luta étnica”, na qual Savimbi se assumiu como o representante dos Ovimbundu (o maior grupo étnico) e dos Chokwe, enquanto o MPLA representava os Mbundu e Mestiço (com descendência mista). Outros atores terão estado envolvidos na extracção do petróleo e dos diamantes a partir de 1975, como indica ANDERSEN (2003:8-12). No entanto, caros colegs, foi principalmente a partir de 1990 que as petrolíferas internacionais mostraram um grande interesse no petróleo angolano, o que terá influenciado o conflito, na medida em que “o Governo usava os lucros do petróleo para financiar o estado de guerra contra a UNITA”. Além disso, e apesar de cada grupo (militares das FAA do Governo e UNITA) ter controlo sobre um dos recursos, ANDERSEN (2003:7-17) afirma que ambos “dependiam das redes internacionais para converter as reservas de petróleo e diamantes em lucro. Por outras palavras, a autora sustenta que “os autores externos podem ainda desempenhar um papel no conflito em Angola. Paradigma da influência política da ONU na guerra civil angolana Como já referimos, caros colegas, as Nações Unidas estiveram presentes no país através de Missões de Verificação. Em 1989, instalou-se a UNAVEM 1. Estabelecida pela Resolução 626 (1988) de 20 Dezembro de 1988, esta missão teve como objetivo verificar a retirada faseada e total da tropas cubanas do território angolano, de acordo com o calendário estabelecido entre os dois Governos. Essa retirada foi completada a 25 de Maio de 1991, mais de um mês após a data prevista, e a 6 de Junho do mesmo ano o Secretário-Geral das Nações Unidas reportou ao Conselho de Segurança que o mandato da UNAVEM I tinha sido concretizado eficazmente. A UNAVEM II estabeleceu-se na sequência da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse e durou até 1995. Essa segunda missão foi estipulada pela Resolução 696 do Conselho de Segurança da ONU a 30 de Maio de 1991. Era constituída por 350 observadores militares não armados, 90 observadores de polícia não armados (que aumentaram depois para 126) e 100 observadores eleitorais que aumentaram para 400 durante as eleições). Segundo PAULO (2004:1-8), o seu papel era meramente de observação e verificação. Mais tarde, a Resolução 747 prolongou o mandato da UNAVEM II e aumentou o seu orçamento eleitoral. A UNAVEM III instalou-se em 1995, após Lusaka, e durou até Junho de 1997, com a presença de 7.000 capacetes azuis. PAULO (2004:4-9) afirma que “a maioria dos angolanos consideraram a UNAVEM III e a sua sucessora mais modesta, a MONUA, inúteis e incapazes de lidar com a busca incansável de poder por parte da UNITA ou de impedir as violações dos acordos, inclusive o rearmamento de ambas as partes”. Segundo PAULO (2004:7-9), a MONUA tinha uma força militar muito reduzida, com apenas 1.500 homens. Durou de 1998 a 1999 e, em Fevereiro desse ano, o Governo angolano requeriu o seu encerramento, tendo apenas permanecido em Luanda o Escritório das Nações Unidas que se limitou a tratar de questões humanitárias e do reforço da capacidade institucional. Por fim, caros colegas, em Agosto de 2002, foi estabelecida a MNUA pela Resolução 1433 do Conselho de Segurança. O seu papel foi, porém, restringido pelo Governo no período pós-Luena, na medida em que as áreas de aquartelamento eram administradas e controladas somente pela UNITA e pelas FAA, sem a presença dos 30 observadores. Além das missões de observação, a ONU adoptou uma série de sanções contra a UNITA, de 1993 a 1997, entre as quais a proibição de aquisição de equipamento militar e produtos petrolíferos; o bloqueio de viagens ao exterior dos seus funcionários e o encerramento dos seus escritórios no exterior, restrições às viagens aéreas e marítimas a zonas da UNITA; o congelamento de contas bancárias da UNITA; e a proibição da exportação direta ou indireta de diamantes ilegalmente extraídos, segundo PAULO (2004:5-9). Foi ainda constituído um Comité de Sanções que se terá mostrado ineficaz face às violações constantes da UNITA e à cumplicidade de muitos países, empresas e negociantes individuais. MESSIANT (2004:10-18) acrescenta que as sanções foram mais severamente aplicadas a partir de 2000, após as primeiras vitórias militares do Governo e com o argumento de que a UNITA era a principal responsável pelo impasse. PAULO (2004:5-13) explica que, ainda assim, “foi sob a vigilância deste regime de sanções que o resultado líquido de venda de diamantes da UNITA terá atingido cerca de 1,72 biliões de USD” e “os seus funcionários viajavam sem impedimentos, especialmente em África, e continuaram a exprimir-se livremente no mundo exterior através dos seus representantes oficiosos”. A este propósito, MESSIANT (2004:9-19) refere um aspeto igualmente importante. Para alcançar o seu objetivo de neutralizar a UNITA politicamente, o Governo beneficiou do fato de ser o poder legítimo e da rebelião se recusar a desarmar. Ora, “sendo a comunidade internacional o garante da sua legalidade e dos acordos, e estando indiferente às realidades das práticas de governação do MPLA, o Governo pôde aproximar-se de uma série de parceiros estrangeiros poderosos e contar com a aquiescência de uma importante seção da real comunidade internacional na sua guerra – tendo apoio político substancial, mas também através de apoio militar discreto de alguns países amigos”. Porém, a ambição do Governo foi ainda mais longe, diz MESSIANT (2004:10-12), querendo que a comunidade internacional lhe conferisse oficialmente legitimidade para fazer a guerra e para pôr fim a qualquer tentativa de diálogo com a UNITA. Caros colegas, a autora explica que a ONU não seguiu totalmente este desejo do Governo, recusando o reconhecimento da UNITA Renovada ou declarando Savimbi um criminoso de guerra, mas, ainda assim, pôs fim a todos os contatos com a UNITA e encerrou todas as suas delegações externas. O Comité de Sanções do Conselho de Segurança chegou mesmo a tentar eliminar todas as suas formas de expressão política da UNITA. Caros colegas, a autora acusa ainda as Nações Unidas de terem abandonado o seu mandato original (busca da paz através de negociações) e inclusivé cessado os esforços de entregar ajuda humanitária nas zonas controladas pela UNITA (ação que constituía sua obrigação à luz do DIH) devido à sua ansiedade em desempenhar um papel importante no desfecho da guerra e em evitar que o caso Angola fosse considerado um fracasso. Esta posição da ONU (além da aplicação de sanções à UNITA) foi “um verdadeiro contributo para o esforço de guerra do Governo, dificultando o acesso da UNITA a bens de primeira necessidade e forçando-a a viver dos seus próprios meios”. O resultado, diz MESSIANT (2004:10-19), foi uma verdadeira tragédia humanitária. A Ajuda internacional e sua influência no conflito angolano A descrição estatística da APD refere-se a 1975-2002, isto é, a todo o período da guerra em Angola desde a independência. Segundo os dados da OCDE, o total da APD neste período foi de 4.043 milhões de dólares. O gráfico abaixo mostra essa evolução ao longo dos 27 anos de guerra em Angola. Gráfico ilustrativo da APD dada a Angola por ano e por tipo de 1975 a 2002 Caros colegas, como podemos verificar, a ajuda aumentou ao longo dos 27 anos, embora tenha tido descidas acentuadas das quais se destacam as de 1977 com uma descida de 53 milhões em relação ao ano anterior, de 1984 com uma diminuição de mais de 42 milhões de USD, de 1988 com uma diminuição de 93 milhões, de 1992 com um diminuição de 158 milhões e de 1993 com 155 milhões. Destaque-se, por fim, a descida de 95 milhões de 1998 para 1999. Verifica-se a predominância dos donativos oficiais da APD (75%). Essa tendência é melhor identificada no gráfico abaixo, onde se verifica também que 19% da ajuda corresponderam a empréstimos e 6% a outros fluxos oficiais de ajuda multilateral. Os outros tipos de APD e o investimento de capital não têm expressão no gráfico. Gráfico ilustrante do peso relativo dos vários tipos de APD dada a Angola de 1975 a 2002 Relativamente aos principais sectores para os quais foi canalizada a APD, se fizermos uma divisão da APD por dois períodos, o primeiro até 1989 e o segundo a partir do momento em que se perspectivava já um acordo de paz (1990), obtemos resultados diferentes em termos da priorização da ajuda sectorial. Gráfico do peso relativo da APD por sector a Angola de 1975 a 1989 Entre 1975 e 1989, a ajuda teve como principal destino a indústria, exploração mineira e construção (23%), seguida da agricultura, florestas e pesca (19%) e da assistência alimentar excluindo ajuda alimentar de emergência (18%), como indica o gráfico ilustratido acima. Já no pós-Guerra Fria, houve uma mudança na estrutura da ajuda face à alteração das próprias características da guerra em Angola. Passou a predominar a assistência humanitária (auxílio, assistência alimentar, não alimentar) com um total de 28%, seguida da agricultura, florestas e pesca (10%) e da energia (9%), como podemos ver no gráfico abaixo. Gráfico ilustra peso relativo da APD por sector a Angola de 1990 a 2002 Fonte: Elaborado pela autora a partir de OECD (act :2004a), Base de Dados. Já caros colegas, o gráfico abaixo permite visualizar a evolução da ajuda bilateral e multilateral durante a guerra angolana por doador (no quadro da OCDE). Gráfico APD Bilateral e Multilateral dada a Angola por doador (1975-2002) Os principais doadores bilaterais foram a Suécia (766 milhões de USD), a Itália (374 milhões de USD), a Holanda (316 milhões de USD) e a França (292 milhões de USD). Ao nível multilateral, verificamos a primazia da UE (FED) com 749 milhões de USD, seguida da IDA com 266 milhões e do AfDF, com 120 milhões de USD. Por último, o gráfico abaixo ilustrado mostra a evolução no tempo da APD pelos seis principais doadores destacados atrás. Gráfico ilustra a evolução da APD (1975-2002) pelos 6 principais doadores (OCDE) a Angola Caros colegas, até 1977, os fluxos de ajuda são pouco significativos. A ajuda da Suécia começou a destacar-se logo desde 1979, atingindo o maior valor de sempre em 1988. A partir de 1982 / 1983, começam a registar-se diferenças comportamentais entre doadores, destacando-se a intervenção da França e a Suécia na década de 80. Nos primeiros anos da década de 90, a IDA contribuiu fortemente com a APD para Angola, já que foi partir de 1989 que o país se associou ao BM. Desde essa altura, a CEE, a Suécia e a Holanda actuaram de forma semelhante, embora com vários picos. A APD atingiu o seu máximo nos anos de 1987/88, 1991, 1992 e 1996. Quanto à identidade dos doadores, o WORLD BANK (2003:18) destaca ainda o papel do PAM, bem como o de outras agências das Nações Unidas, designadamente a UNICEF, o ACNUR e o PNUD. Relativamente aos tipos de ajuda dada a Angola, o WORLD BANK (2003:18-21) indica que tem sido principalmente cruzada a (1) ajuda humanitária, focando a ajuda de emergência, através das Nações Unidas e das ONGs, fora das estruturas do Governo, com a (2) ajuda ao desenvolvimento, apostada na reforma política e institucional e canalizada através das estruturas governamentais. Assim, caros colegas, segundo o WORLD BANK (2003:18-21), a ajuda da ONU centra-se nos Apelos Consolidados (CAPs), dos quais a maior parcela é canalizada para o PAM. Parte do montante é agora também utilizado para financiar a Iniciativa LICUS do Banco Mundial. A UE, por sua vez, prioriza a saúde e a segurança alimentar rural, bem como questões de gestão macro-económica, democratização e DH. Os EUA têm canalizado a ajuda humanitária através do PAM e a ajuda ao desenvolvimento através de projectos de agricultura, segurança alimentar, cuidados de saúde, democracia e DH. A ajuda norte-americana para a transição centrou-se na saúde, na agricultura e ainda no apoio logístico às Nações Unidas. Da parte do BM, ao qual Angola se juntou em 1989, tendo obtido nessa fase crédito da IDA350, e por entre as elevadas expectativas de paz e de reforma económica, foram aprovados vários projectos para Angola até Outubro de 2002, através da IDA, sete dos quais no período entre a assinatura dos Acordos de Bicesse em 1991 e o retomar da guerra nos finais de 1992. O oitavo projeto foi aprovado seis meses mais tarde; o nono nos finais de 1995, após a assinatura do Protocolo de Lusaka; o décimo no início de 1998 para apoiar o esperado retorno dos deslocados, e o décimo-primeiro em Junho de 2000. Esta ajuda ascendeu a um total de 310.8 milhões de USD e, destes projetos, apenas o último, designado “Fundo de Acção Social”, se manteve activo até 2004. As estratégias da ajuda internacional e os principais tipos de ajuda Caros colegas, começando pela ajuda humanitária a Angola, parece-nos importante sublinhar o fato de, em Abril de 1993, ter sido estabelecida em Angola a Unidade de Coordenação da Assistência Humanitária (UCAH) pelo Departamento de Assuntos Humanitários, numa altura em que as ONGs precisavam urgentemente de coordenação. Caros colegas, o objetivo era analisar o esforço humanitário internacional, à luz das resoluções do Conselho de Segurança e de outros corpos intergovernamentais das Nações Unidas. A primeira direção dessa Unidade priorizou a negociação do acesso das atividades humanitárias, através do lançamento do Apelo Consolidado por forma a aumentar os fundos para a ajuda humanitária e obter a confiança e a boa vontade dos parceiros humanitários e das partes no conflito. A UCAH tornou-se pró-ativa na identificação de problemas, na auscultação dos parceiros e na busca de soluções. Segundo BALL & CAMPBELL (1998:3-4), os coordenadores humanitários alcançaram um ponto de equilíbrio na busca de soluções através do consenso e ao evitar soluções insatisfatórias. Estes mesmos autores indicam que a comunidade internacional reconheceu a importância de manter uma distinção clara entre os actores humanitários e a vertente político-militar da missão de manutenção de paz das Nações Unidas. Caros colegas, as atividades humanitárias não podiam ser manipuladas pelas partes no conflito, nem podiam ser usadas pelos negociadores como recompensa ou castigo. No caso de Angola, a UNITA via a UNAVEM com hostilidade e desconfiança depois de o MPLA ter vencido as eleições em Setembro de 1992 e de o Conselho de Segurança ter atribuído à UNITA a responsabilidade do conflito renovado em 1992. No entanto, BALL & CAMPBELL (1998:4-8) afirmam que “tem sido claramente benéfico para a UCAH o fato de manter a sua distância das instituições políticas das Nações Unidas”. Também PAULO (2004:6-8) sublinha que “a UCAH desempenhou um papel positivo numa ocasião em que não havia qualquer sinal iminente de cessar-fogo e em que as condições humanitárias estavam em deterioração” e afirma que esta “foi bem sucedida ao ganhar acesso aos que necessitavam de ajuda, primeiramente no Kuito e Huambo e, mais tarde, noutras partes do país”. O autor explica ainda que o sucesso da UCAH se deveu ao facto da sua missão ser puramente humanitária. MUL (2002:335-339), coordenador da ajuda humanitária da ONU, afirma mesmo que “a operação humanitária em Angola é vista como uma das mais eficazmente coordenadas no mundo”, na medida em que 10 agências da ONU, 100 OIs e mais de 300 organizações nacionais trabalharam em estreita colaboração com 11 departamentos e ministérios do Governo e nas 18 províncias, numa estrutura de coordenação construída ao longo de 10 anos. Ainda assim, BALL & CAMPBELL (1998:8-15) admitem que houve uma falha na resposta internacional que só começou a ser corrigida em 1997. Por exemplo, nunca foi concebida uma abordagem abrangente de reintegração dos refugiados, ex-combatentes e deslocados de guerra. Apesar disso, o WORLD BANK (2003:17-27) salienta que várias agências das Nações Unidas, OIs e ONGs, mantiveram a sua presença em Angola, mesmo nos tempos de guerra, focando essencialmente actividades humanitárias (distribuição de ajuda alimentar, assistência médica, pequenas reparações de infra-estruturas e apoio a pequenas actividades produtivas). Esta posição manteve-se após a Reunião de Doadores em Bruxelas em 1995, na sequência do Protocolo de Lusaka, que reuniu um donativo de mais de mil milhões de USD para a ajuda ao desenvolvimento, o qual foi posteriormente retirado devido ao fracasso do processo de paz e à falta de uma agenda de reforma clara. Por entre o leque de doadores internacionais, o BM desempenha um papel fundamental de apoio ao complexo processo de transição em Angola para uma economia de mercado, estável e democrática. O WORLD BANK (2003:20-29) explica que esse apoio é dado em três áreas fundamentais: (1) a concepção e implementação de programas de recuperação pós-conflito, incluindo a desmobilização e a reintegração; (2) a mobilização atempada de recursos de apoio à recuperação pós-guerra; e (3) o aprovisionamento de “actividades analíticas e de aconselhamento” que ajudem a definir a agenda de longo prazo para alcançar o crescimento, reduzir a pobreza e melhorar a governação. Caros colegas,o objetivo do BM é combater os desequilíbrios macroeconómicos sem recorrer aos empréstimos de ajustamento, criar mecanismos de distribuição de serviços transparentes e responsáveis e alcançar o consenso entre o Governo e os seus parceiros de desenvolvimento sobre as reformas futuras. Segundo o WORLD BANK (2003:20-28), é imperativo que o Governo angolano e os doadores acordem um conjunto de prioridades de intervenção, prioritariamente a nível dos sectores sociais, de modo a assegurar a estabilidade e a iniciar a reforma económica. Foi nestes objectivos que se centrou a “Estratégia de Apoio Transitório”, iniciada em 2003 e organizada em três pilares: (1) aumento da transparência, eficiência e credibilidade da gestão pública de recursos; (2) expansão da distribuição de serviços às vítimas da guerra e a outros grupos vulneráveis; e (3) preparação para um crescimento económico em benefício dos pobres. Caso o Governo angolano não alcance os indicadores de progresso preconizados, o BM poderá descomprometer-se com o país de forma progressiva, consoante a gravidade do fracasso. Assim, por exemplo, se o programa de ajuda fracassar, os empréstimos serão cortados progressivamente no futuro. BALL & CAMPBELL (1998:8-11) consideram que a estratégia ideal de abordagem da crise deveria ser objectiva e o produto inicial do processo do Apelo Consolidado. Os primeiros CAPs (um em 1993, dois em 1994 e um em 1995) motivaram o trabalho conjunto da ONU com as ONGs de forma a planear uma estratégia que reflectisse os objectivos dos parceiros humanitários. Porém, apesar de os CAPs reconhecerem a complexidade da coordenação e do desenvolvimento de um programa de ajuda durante a guerra civil, foram limitados na sua referência à complexidade estrutural da crise angolana. Além disso, “a relutância ou inabilidade em mencionar a crise institucional em Angola e as relações políticas e económicas que contribuíram para os problemas humanitários e para a crise complexa em Angola, minaram o CAP enquanto documento estratégico”, acrescentam BALL & CAMPBELL (1998:8-14). Por último, as autoras sublinham que “as atividades e negociações humanitárias podem e devem apoiar a paz e os esforços de construção de paz”. Para tal, as estratégias políticas e humanitárias e as actividades da comunidade internacional devem partilhar informações por forma a facilitar a coordenação entre os actores humanitários. No entanto, o coordenador humanitário não deve envolver-se directamente nas negociações políticas, sob pena de pôr em causa a sua imparcialidade e neutralidade. O paradigma de ajuda humanitária VERSUS o desenvolvimento em Angola Caros colegas, a ajuda humanitária não deve ser dissociada da reabilitação e da ajuda ao desenvolvimento, assistindo-se pouco a pouco ao esbatimento desta linha rígida. No caso específico de Angola, essa análise “permite identificar uma emergência inconsequente durante a guerra misturada com tentativas de reconstrução e estabilização da economia sem qualquer preocupação de coerência, e prenhe de optimismo”, segundo afirma LOPES (2002:57-61). O autor considera que “de fato, a emergência não teve qualquer preocupação em criar sustentabilidade económica”, esclarecendo que este tipo de ajuda se baseia na distribuição de alimentos e na atribuição de meios precários de habitabilidade, sem atender, sublinha, a questões como a utilização dos recursos internos e ao reforço do capital humano e das condições de trabalho. Em suma, afirma, “a reconstrução consistiu em projectos sem atender a um programa integrado visando o desenvolvimento”. Enquanto isso, acrescenta LOPES (2002:57-62), “o esforço governamental do Governo esteve concentrado na guerra, com dupla função de manutenção de poder político e constituição de poder económico”. A dada altura, o autor questiona-se: “em que perspetiva alinhará a comunidade internacional, aqui entendida como o conjunto dos grandes blocos políticoeconómicos e financeiros? As várias intervenções internacionais em Angola têm conjugado interesses geoestratégicos com interesses económicos precisos, do que resultou a guerra e a mineralização da economia. Assim, afirma LOPES (2002:59-72), “as ajudas humanitárias e a cooperação têm funcionado sobretudo como capital de influência para a dinamização das relações económicas internacionais numa perspectiva exógena”. Ao contrário de Angola, caros colegas, que não tem estratégia de desenvolvimento própria, nem sequer consensos sobre política externa, o exterior sabe o que pretende do país, podendo assim “conflituar (relação bilateral) e harmonizar (através dos organismos internacionais: sistema das Nações Unidas e instituições económicas e financeiras internacionais) os seus interesses e conduzir a sua intervenção global”. Paradigma da influência da ajuda no conflito angolano Caros colegas, a educação e a saúde em Angola estão em declínio desde 1980, indica ANDERSEN (2003:15-24). Em 1995, apenas 5% das despesas públicas foram canalizadas para a educação, enquanto 31% foram usadas na defesa. FERREIRA (1999:259-269) explica, por sua vez, que “com o agravamento da situação militar e tendo em atenção que a defesa do país passava pelo desempenho das forças armadas, o ascendente que estas começaram a ter sobre a vida política e económica do país, foi uma consequência lógica”. PEREIRA (2002:27-36) acrescenta que a desculpa de que a guerra dificultava o desenvolvimento socioeconómico e que o esforço para a defesa nacional devorava grande parte do OGE tornou praticamente inerte o empresariado nacional, criou uma falência total do parque industrial, não promoveu políticas agrícolas de subsistência e (...) contraiu uma colossal dívida externa”. O autor acusa mesmo o Governo de ter atacado marginalmente os problemas do país, “descurando as questões básicas e os verdadeiros fundamentos da justiça social e em seu lugar promoveu políticas paternalistas que fizeram surgir um rápido crescimento de acções pouco abonatórias, como a falta de transparência na gestão da coisa pública e a prática de corrupção, hoje praticamente institucionalizada”, (LOPES, 2002:59-73). FERREIRA (1999:317-329), por sua vez, explica que as despesas militares angolanas dependiam de financiamentos externos, mesmo estando inscritas no OGE. Essa situação foi particularmente evidente quando o país se socorreu da importação para garantir o armamento indispensável e um leque de bens e serviços que não conseguia garantir. A satisfação da procura interna do setor da defesa teve, assim, que ser, na sua quase totalidade, garantida pela importação, o que fez com que a dívida externa militar atingisse valores significativos. Neste sentido, “as despesas militares tiveram um impato negativo pelo desvio de recursos do investimento produtivo”. ZUMBA (2001:125-139) explica que esse fenómeno (agravamento da dívida externa) se deve a “uma insuficiência crónica da poupança para financiar as novas aplicações de capital geradores de desenvolvimento”, associada a um “deficiente sistema financeiro angolano e à existência de baixos rendimentos das famílias e empresas”. É neste contexto que a assistência externa assume um papel importante, produzindo um efeito superior na taxa de crescimento da economia quando esta é mais limitada pela escassez de divisas do que pela poupança interna. Em contrapartida, o autor sublinha também que a APD em Angola foi alocada prioritariamente para sectores improdutivos de assistência humanitária e de emergência, pelo que, e recorrendo ao Modelo do Dual Gap, o seu impacto no desenvolvimento económico e social terá sido diminuto. A OXFAM INTERNATIONAL (2001:1-10) alerta para o fato de (no início do século XXI) os gastos públicos em serviços sociais (saúde e educação) continuarem “a representar apenas uma ínfima fracção comparativamente ao que é gasto com a guerra”. E prossegue: “o Governo de Angola não despende o suficiente com a ajuda humanitária, não obstante o facto de existirem milhões de angolanos em carência” . Além disso, “o Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) não é claro relativamente ao montante que o Governo atribui à ajuda humanitária. De acordo com as fontes do PNUD, o Governo atribuiu 3.4% do seu orçamento ao MINARS em 2001, cobrindo a ajuda humanitária, salários e custos administrativos. Mas a quase completa falta de transparência impede qualquer progresso de tentar discernir quanto e onde é gasto o dinheiro”. Assim, uma grande parte da população depende das organizações humanitárias que distribuem géneros alimentares365, o que, segundo ANDERSEN (2003:16-25), reflete o pouco apoio dado pelo Governo angolano à população. Também SHANNON (2003:40-54) afirma que as ONGDs internacionais se tornaram cada vez mais os principais fornecedores de muitas das funções centrais do Estado, particularmente de ajuda humanitária e principalmente na década de 90, substituindo-se ao Estado até Fevereiro de 2002. A autora explica ainda que, na sequência da nova lei de liberdade de associação e de expressão, houve uma vaga súbita de estabelecimento de ONGs locais em Angola, o que levou os doadores internacionais a canalizar a ajuda através destas. Neste cenário, também alguns indivíduos ou elites estabeleceram ONGDs da sociedade civil, com ligações muito ténues aos cidadãos em nome dos quais atuavam. Dependentes dos fundos internacionais, essas ONGDs tenderam a desenvolver todo o tipo de atividades que os doadores desejavam financiar, em vez de se especializarem numa determinada área de trabalho. Além disso, mostraram-se fracas em termos de gestão, de capacidade logística, de diversificação dos fundos e de experiência prática na implementação de projectos. O resultado foi o afastamento dos fundos internacionais que passaram a ser canalizados através de OIs, cerca de 90% dos fundos até Abril de 2002, segundo SHANNON (2003:41-49). “Na prática” conclui a autora, “isto significa que o desenvolvimento angolano foi fortemente moldado à imagem e à semelhança do sistema de valores da comunidade internacional”. A agravar essa situação está o fato de apenas 10 das 88 ONGDs registadas no Fórum das ONGs Angolanas (FONGA) trabalharem explicitamente no desenvolvimento de capacidades, segundo indica SHANNON (2003:41-48), sendo que as restantes 78 trabalham apenas na ajuda de emergência. Questionamo-nos se as OIs não terão contribuído, ainda que inconscientemente, para o prolongamento da guerra em Angola, ao substituírem-se ao Estado angolano nas suas obrigações em sectores básicos e ao “dispensarem-no” da sua obrigação de financiar esses mesmos setores. Ainda assim, note-se que, em 2001, a OXFAM International (2001:1-8) recomendava que os doadores aumentassem as suas provisões para a assistência humanitária ao país, “tendo em conta a escalada do sofrimento humanitário resultante da intensificação das acções militares”. Há ainda outras dificuldades ligadas à ajuda internacional. Quanto aos deslocados e refugiados, por exemplo, o Governo angolano terá desenvolvido esforços juntamente com a OCHA no sentido de integrar na legislação nacional os Padrões Operacionais Mínimos para o Reassentamento dos Deslocados. Porém, como indica a OXFAM INTERNATIONAL (2001:6-7), “o reassentamento tem muita carga política. Lamentavelmente, desde Agosto de 2000, não houve nenhum caso de reassentamento que tenha sido cabalmente executado ao abrigo da nova lei” e “os funcionários do Governo não se esforçaram o suficiente para assegurar que as necessidades das populações isoladas ou realojadas pudessem ser avaliadas para possibilitar a prestação de ajuda de emergência. Quanto à questão das forças militares da UNITA, o processo de integração destas nas FAA após Luena “permitiu ao Governo angolano consolidar a sua vantagem ao dar prioridade àqueles considerados como uma ameaça potencial ao processo de paz – generais e oficiais mais antigos da UNITA que poderiam ser comprados, isolando-se definitivamente as tropas dos seus líderes, afirma PARSON (2004:1-15). Conclusões da discussão Caros colegas do ISEDEF, do início da luta armada colonial iniciada em 1961 até à sua independência, Angola viveu 14 anos de guerra. Após 1975, mergulhou de novo num estado de guerra – agora civil - durante 27 anos, que matou milhares de pessoas, motivou a fuga de milhões de refugiados e deslocados, destruiu infra-estruturas sociais e de saúde e espalhou pelo país minas que ainda hoje vitimizam os angolanos. As origens mais profundas da guerra civil em Angola recuam ao tempo da luta de libertação nacional, sendo que as causas mais recentes remontam a 1975 quando, na sequência da independência do país, o MPLA subiu militarmente ao poder, sem o reconhecimento das restantes organizações independentistas. Nessa altura, surgiram os primeiros confrontos entre o Governo, a FNLA e a UNITA, cada uma das partes com apoios externos. A guerra dividiu-se em três fases. De 1975 a 1989, uma guerra civil com um carácter essencialmente internacionalista, tendo os EUA e a África do Sul apoiado a UNITA e Cuba o MPLA. Após uma tentativa de restabelecer a paz com os Acordos de Bicesse em 1990/91 e da realização de eleições em 1992, a UNITA contestou os resultados e reabriu as hostilidades, dando início à segunda fase da guerra civil que durou até 1994, ano em que as partes estabeleceram os Acordos de Lusaka, dando tréguas durante alguns anos. De 2000 a 2002, ocorreu a terceira fase (e última até à data) da guerra, que terminou com a morte do líder da UNITA e com a assinatura do Memorando de Entendimento de Luena em Abril de 2002. Caros colegas do ISEDEF, a guerra em Angola foi fundamentalmente uma guerra de luta pelo poder alimentada pelo petróleo e pelos diamantes, tendo o primeiro sido a fonte de financiamento do Governo e o segundo da UNITA. Se a UNITA não olhava a meios para alcançar o poder, tendo como estratégia a destruição total dos recursos do inimigo, o Governo, por sua vez, embrenhou-se nesta luta eximindo-se das suas responsabilidades sociais e políticas de governação para com o povo angolano. O resultado foi a destruição de um país que teria (e terá) recursos suficientes para eliminar a pobreza se os gerisse de forma transparente e correta. Vários fatores terão agravado o conflito. São eles a exclusão social, económica e política, a corrupção política e também a diversidade étnica, estando eles naturalmente associados à ambição de poder e riqueza das partes beligerantes. Caros colegas, verificámos que a influência de potências internacionais foi enorme, principalmente durante o período da Guerra Fria. Após 1989, a guerra terá perdido parte do seu carácter ideológico, passando também a contar com o maior interesse das petrolíferas internacionais. Analisámos a influência de cariz essencialmente político exercida pelas Nações Unidas através de alguns dos seus instrumentos de intervenção e de pressão: as missões de observação e verificação; as sanções económicas e políticas aplicadas à UNITA e ainda a legitimidade dada ao MPLA pela forma como a ONU se assumiu publicamente contra Savimbi e a UNITA, tendo mesmo chegado ao extremo de parar a ajuda humanitária às zonas controladas pelos rebeldes. Reflectimos também, caros colegas, sobre a importância da ajuda internacional dada ao país e destacámos o papel da ajuda humanitária de emergência que terá assegurado funções de cariz social das quais o Governo se desresponsabilizou. Apesar dos esforços de coordenação, verificaram-se falhas na resposta internacional. Segundo autores como BALL & CAMPBELL (1998:8), naquela não terá sido traçada uma abordagem global e abrangente e os CAPs foram limitados face à complexidade estrutural da crise angolana. Foram ainda apontadas algumas críticas à ajuda por não ter estabelecido uma ponte entre a emergência, a reabilitação, o desenvolvimento e a sustentabilidade económica, áreas que se interligam, como vimos mais atrás, e que deverão ser asseguradas num conflito de três décadas. Quanto à forma como a ajuda terá influenciado o conflito, concluímos que esta pode ter exercido alguma influência negativa ao tornar-se um dos principais (se não o principal) fornecedor de muitas das funções centrais do Estado, designadamente ao nível da saúde e da distribuição de géneros alimentares. Ainda assim, concluímos que essa ajuda foi fundamental, do ponto de vista da população socorrida, caso contrário o número de vítimas da guerra poderia ter sido muito superior, devido à falta de géneros alimentares, de medicamentos, de técnicos de saúde, etc. Quanto ao problema específico dos deslocados e refugiados de guerra, verificámos também que existiram algumas dificuldades nesse processo, tendo este sido feito com alguma carga política por parte do Governo (e talvez sem a devida imposição por parte da ajuda internacional). Por fim, questionámo-nos sobre a adequação da posição da ajuda internacional face ao interesse do Governo angolano em priorizar a integração nas FAA dos combatentes da UNITA vistos como maior ameaça, tendo concluído que o Governo assumiu plenamente este processo sem a monitorização de terceiros. Caros colegs do ISEDEF, essencialmente “docentes”, depois do debate sobre a guerra civil em Angola, quais os elementos convergentese divergentes entre a FRELIMO e MPLA como movimentos e como partidos? Entre as duas guerras “a de libertação nacional e a de rebeldes da UNITA e da RENAMO”, quais os paradigmas convergentes e divergentes” nestes cenários? Será imperioso priorizar a defesa e segurança do Estado em detrimento da segurança humanitária? Porque? O conceito da guerra dos anos 50 é mesmo em termos da guerra da 4ª da geração? Porque? Qualquer dúvida, ou contribuição, se dirija para meu email: dr.anly1962@gmail.com ou no site:www. dr-anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIAO CIENTIFICA” Contato celular:827138340, Maputo-Moçambique

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