segunda-feira, 24 de outubro de 2016

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MAJOR DE INF SILVA ANLI, DOCENTE DE TGA E ARH NO ISEDEF REFLEXAO SOBRE O SIGNIFICADO DOS CONCEITOS DA GUERRA CIVIL E DA REBELIÃO, EM “LIVRE-DOCÊNCIA” DO MAJOR DE INF SILVA ANLI, ISEDEF 2016 Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, reflectir sobre os conceitos de “guerra civil” e “rebelião” - e traçar os aspectos fundamentais de uma guerra civil, designadamente as suas principais causas e as consequências que provoca, se enquadra num “lema” de paradigmas que se transformam em cérebros do ISEDEF, visando assim, chamar atenção os objectivos pelos quais somos docentes no ISEDEF. Ao discutir estes conceitos, pretendemos visualizar, que tipos de objectivos e condições podem emergir uma guerra civil ou rebelião em qualquer situação geopolitica de cada país. Na minha dissertaçao do Mestrado em ciências militares e pós-graduação em ciências militares Segurança e Defesa, no ISEDEF-Machava e no IESM-Pedrouços “Alges”, discuti conceitos “guerra, guerrilha, guerra prolongada” decorrentes de várias correntes, de várias escolas, que se divergiam a forma do tratamento da matéria, mas se convergiam no modelo como era possível vencer o inimigo, “o agressor”, perante um sindrome viral, denominado o “povo”! Vejamos abaixo esta discussão: 1. Os conceitos de guerra, de guerra civil e de rebelião CLAUSEWITZ (1832:1), considera a guerra “um acto de violência para levar o inimigo a fazer a nossa vontade”. Assim, diz o autor, “a violência, ou seja, a força física (...) é, pois, o meio; a submissão compulsória do inimigo. Clausewitz (1780-1831) foi um soldado Prussiano que combateu contra os exércitos da Revolução Francesa e de Napoleão. Oficial do exército com responsabilidades militares e políticas no seio do Estado Prussiano, aos 38 anos de idade, Clausewitz tornou-se major–general do exército e, mais tarde, mudou-se para os círculos intelectuais de Berlim, onde escreveu o livro “On War” (no alemão original “Vom Krieg”), que apenas viria a ser publicado após a sua morte, em 1832. A obra de Clausewitz é uma referência na teoria da guerra e da estratégia. Para mais informações, ver www.clausewitz.com. Portanto, sejeitar o adversario a nossa vontade é o objectivo último. Assim, o autor explica ainda que, para que o objectivo se atinja plenamente, o inimigo tem que ser desarmado, sendo este o verdadeiro objectivo das hostilidades na teoria, já que assume o lugar do objectivo final, colocando-o como algo que não pertence bem à guerra. Por seu turno, BONIFACE (1997:165-166) afirma que Clausewitz via a guerra como um elemento instrumental e intencional, e explica que foi dessa concepção política ou racional da guerra que resultou a famosa fórmula de CLAUSEWITZ,(1832:10): “a guerra é uma simples continuação da política por outros meios”. A guerra pode ser também entendida de outras formas. Segundo SANTOS ,(2000:204-205), a concepção cataclísmica vê a guerra como uma catástrofe inevitável. A concepção escatológica considera a guerra a forma de alcançar um estádio superior da vivência do Homem na Terra, sendo essa uma situação de pureza exigida pela religião. Como afirma SANTOS, (2000:204-205), “numa guerra real, há uma mistura de todas estas concepções. (...) A guerra, e portanto todas as armas que não são utilizadas, visam a paz, mas é uma paz que seja favorável aos vencedores. É isso que se pretende quando se parte para uma guerra”. No âmbito da nossa discussao, limitamos o conceito de guerra ao de “guerra civil”, que é “um conflito armado declarado no seio de um Estado e que opõe as suas autoridades a um ou mais agrupamentos insurreccionais”, de acordo com BONIFACE (1997:166). Antes de mais, importará diferenciar “guerra civil” de “guerra internacional” e de “violência comum”. Ao contrário da guerra internacional, a guerra civil “é travada fora de uma estrutura de regras e inteiramente dentro de um território nacional”, segundo COLLIER et al. (2003:11). Por outro lado, e também em oposição à violência comum, a guerra civil “implica uma organização rebelde equipada com armamento e staff recrutado a tempo inteiro”. A guerra civil ocorre em resultado da rebelião, que, segundo um dicionário comum, significa insurreição ou revolta. COLLIER & HOEFFLER (2002:3), afirmam que “ a rebelião é, de certa forma, análoga a outros três tipos de organização: movimentos protestantes, exércitos e crime organizado”. Os autores detalham que a forma mais parecida, em termos de análise política, é o protesto, na medida em que ambos abordam um problema de coordenação. No entanto, ao invés do protesto, a rebelião tem que ter sustentabilidade económica para pagar aos seus combatentes. Caros colegas, além disso, e tal como um exército, a rebelião tem que resolver os seus problemas de hierarquia e coesão por forma a conseguir que os seus combatentes arrisquem a vida por um objectivo militar. Todavia, em oposição ao movimento protestante e ao exército, a rebelião tem que gerar rendimentos para pagar e alimentar os combatentes, apesar de não ser produtiva. Neste último aspecto, assemelha-se ao crime organizado, pese embora as diferenças no número de membros e na escala das respectivas acções. Reunidas estas condições, a guerra civil “ocorre quando uma organização rebelde identificável desafia militarmente o Governo e a violência resultante provoca mais de 1.000 mortes relacionadas com o combate, correspondendo pelo menos 5% a cada um dos lados”, segundo COLLIER et al. (2003:11). Os conflitos internos variam na sua intensidade, desde pequenas ocorrências a acções de limpeza étnica e genocídio. Por isso mesmo, MUSCAT (2002:6) enumera quatro níveis de violência, distinguidos pelos analistas como forma de controlar e monitorizar estes acontecimentos: (1) tensão política, envolvendo menos de 25 assassinatos políticos por ano, (2) conflito político violento, provocando menos de 100 fatalidades políticas por ano, (3) conflitos de baixa intensidade, entre 100 e 1000 fatalidades políticas e (4) conflito de alta intensidade ou guerra civil, com mais de 1.000 mortos por ano. Ora, a organização rebelde caracteriza-se por ser tipicamente pequena (entre 50 e 5.000 membros) e fortemente hierárquica, estando o seu poder concentrado num líder carismático, como indicam COLLIER et al. (2003:54). Contudo, algumas chegam mesmo a ter 150.000 membros. Estas organizações são relativamente comuns nos países muito pobres, sendo a razão da sua formação uma explicação possível para a guerra civil. 2. Os condicionalismos e a viabilidade da rebelião em termois de geoestrategia Caros colegas do ISEDEF, Academicos e Similares, os motores da rebelião apenas se podem concretizar em guerra civil se houver viabilidade financeira e militar da rebelião. A viabilidade militar difere de sociedade para sociedade, bem como a sua influência no risco de conflito, (…)! Um primeiro factor é o terreno. Por exemplo, é mais fácil para os grupos rebeldes organizarem-se em zonas rurais com baixa densidade populacional do que em áreas urbanas. Estatisticamente, verifica-se que há maior risco de rebelião em países com zonas interiores pouco povoadas ou com uma extensa área Montanhosa, como o caso de Angola, Guine, Mocambique, eu fiz referencia isso nas minhas dissertacoes em Mestrado e pós-graduacao em Ciências Militares Segurança e Defesa. Um outro factor capital é a capacidade de actuação do Governo, já que deter uma rebelião na sua fase inicial requer a presença local das autoridades locais e o desejo por parte da população de ter acesso à informação. Governantes menos eficientes tendem a tentar prevenir a rebelião aumentando as suas despesas militares convencionais. Caros colegas, quanto maior é a possibilidade de rebelião, maior é a percentagem de PIB que os Governos gastam em despesas militares. No entanto, o risco não é flexível às despesas militares, ou seja, essas despesas podem ser ineficientes na detenção da rebelião, podemos lembrar da ofensiva NóGordio em Moçambique (1964-1974). A rebelião é cara, o que é agravado pelo facto das actividades militares não gerarem lucro, principalmente nos paises pobres, em que os militares não produzem sistemas de intelingencia artificial e nem produzem para a sua alimentação diaria,(..)!. Este é o grande problema da rebelião enquanto organização de negócio, pois se não conseguir ultrapassar o problema de financiamento,o grupo rebelde será inviável e derrotado pelas forças governamentais. Segundo COLLIER & HOEFFLER (1998:565), a actual conduta nas guerras civis é dispendiosa para os rebeldes, devido ao custo de oportunidade da força de trabalho rebelde e devido à interrupção da actividade económica provocada pelo estado de guerra. Os autores acrescentam que ambos os custos podem aumentar em função do rendimento per capita da população, na medida em que uma população com rendimentos mais elevados tem mais a perder durante uma rebelião do que uma população com baixos rendimentos. Os custos podem ainda aumentar com a duração da guerra, devido à capacidade militar do Governo e dos rebeldes se demonstrar fortes capacidades militares en função da geoestrategia de ambos. Quanto a soluções, segundo COLLIER et al.(2003:73), existem três possibilidades: 1.os grupos rebeldes podem ser iniciados por alguém que já tenha riqueza; 2. podem procurar doações; ou 3. podem ter negócios comerciais dentro do territorio em conflito. Posto isto, caros colegas, a questão inevitável é quem financia a guerra? Em primeiro lugar, os Governos estrangeiros hostis, tendo este meio algumas vantagens, na medida em que evita a pressão internacional pela forma encoberta como é feita, e por ser controlável, não resultando em problemas domésticos. Em segundo lugar, as diásporas, sediadas nos países industrializados, que não sofrem as consequências da violência e não estão em contacto diário com o inimigo. Em terceiro lugar, a manutenção de negócios comerciais que permitam aos rebeldes financiar as actividades e a aquisição de armas. É, por exemplo, o caso da produção ilegal de drogas para venda nos países ricos, a qual tem enorme importância para os rebeldes. A estes aspectos poderemos acrescentar a pilhagem, apontada por ARMIÑO (1997:15) como forma de sobrevivência pelas tropas indisciplinadas. Num estudo realizado, COLLIER & HOEFFLER (1998:571-572) concluíram que o incentivo da rebelião aumenta com a maior probabilidade de vitória e com os ganhos condicionais em caso de vitória, mas decresce com a duração esperada da guerra e com os custos da coordenação rebelde. Para qualquer potencial rebelião, há uma duração esperada da guerra em relação à qual a rebelião toma uma posição racional. Além disso, quer a probabilidade da guerra, quer a sua duração, podem ser explicadas por um conjunto de variáveis, designadamente: (1) o rendimento per capita (quanto maior for o rendimento per capita, maior o risco de guerra, devido ao efeito desse rendimento no custo de oportunidade da rebelião); (2) os recursos naturais (quanto mais recursos, maior o risco de guerra, COLLIER et al. (2003:144-174). Quanto a esta questão, os autores defendem que há que aliciar os governos dos Paises em vias de Desenvolvimento ( PEDs), a desencorajarem a produção de droga, o que pode ser feito através da prescrição de multas para o consumo ilegal, devido ao maior desejo dos rebeldes se apoiarem em negocios sujos para tentarem financiamnto e derrotar o governo por meio de forças rebeldes. Porém, a partir de certo nível de hostilidades, o risco diminui devido à capacidade financeira do Governo de se defender adquirindo material militar emergente. O factor demografico tambem conta muito, (quanto mais numerosa for a população dum dum pais, maior é o risco de guerra devido à maior atracção pela secessão e sucessao nos tronos governamentais; a fragmentação da população (as sociedades mais fragmentadas têm menos tendência para a guerra, tal como as sociedades muito homogéneas. A maior probabilidade de guerra civil reside nas sociedades polarizadas em dois grupos que têm uma probabilidade de guerra civil 50% mais elevada). Segundo os resultados do estudo de COLLIER & HOEFFLER (1998:570), as quatro variáveis têm aplicação prática no caso africano, continente marcado pela ocorrência de muitas guerras civis desde a década de 60. Os autores sublinham que o continente reúne, em média, as condições para uma probabilidade de elevada ocorrência de guerra civil, devido aos baixos rendimentos e à baixa taxa de exportação de bens primários. A pesar contra a guerra estão os elevados custos de coordenação da rebelião devido à fragmentação etno-linguística e ao facto das sociedades não terem sido polarizadas pelas primeiras guerras. Em suma, devido à pobreza. Caros colegas do ISEDEF, conhecidas as motivações e condições mais comuns da rebelião, o que poderá ser feito para prevenir a guerra? Como indicam COLLIER et al.(2003:79), uma boa forma de prever a existência de guerra no ano seguinte é a existência de guerra civil no momento, pois as guerras são altamente persistentes. Após o início da rebelião, gera-se um ciclo vicioso, pois forças poderosas mantêm o conflito, enquanto a comunidade internacional parece ser impotente para o travar. Uma guerra civil típica dura cerca de 7 ou 10 anos, o que se explica pelo facto dos conflitos serem muito dispendiosos, dificultando a concretização de acordos mutuamente benéficos. Além disso, mesmo que os Governos cedessem a algumas reivindicações dos rebeldes, poderiam não ter garantias do cumprimento do acordo. Caros colegas,Outra explicação possível é a má distribuição do rendimento na sociedade, que faz com que o custo de manter uma rebelião seja baixo, pois há muita gente desocupada e a rebeliao facilmente as recruta a custo zero. Por exemplo, FEARON (2002:212) resume a incidência da guerra civil numa constatação que explica como sendo uma tautologia produtiva: “as guerras civis tendem a durar muito tempo quando nenhum dos lados consegue desarmar o outro, provocando uma paralisação militar. São relativamente rápidas quando as condições favorecem uma vitória militar decisiva, não se trata de negociar condições geopoliticas ou geoestrategicas,, mas sim a aplicação de forças armadas potencias e universais que derrotam os inimigos ou rebeldes”. Caros colegas do ISEDEF, mesmo após o fim do conflito, a tendência é para que surjam novos conflitos, caso as forças armadas não reunirem condições “genotipicas,fenotipicas e gesestrategicas na defesa do territorio nacional, lembremos, a teoria Machelista de “estas são as armas”!. Pois, sem isto, o país terá caído na “armadilha do conflito” (conflict trap). Segundo COLLIER et al. (2003:83-125), as estatísticas indicam que, no final da guerra, um país tem 44% de risco de voltar a viver novo conflito nos 5 anos seguintes, pois os factores que inicialmente provocaram a guerra (baixos rendimentos, por exemplo) continuam presentes. 3. As causas da guerra civil Caros olegas do ISEDEF, intelectuais, academicos e similares, o que levará os grupos rebeldes a desencadear rebeliões e a transformá-las em guerra civil no seu próprio país? As causas do conflito tendem a ser categorizadas da seguinte forma, segundo COLLIER et al.(2003:4)8: os grupos de direita tendem a achar que esta se deve a conflitos étnicos e religiosos de longa duração, mas a verdade é que “(...) a etnicidade e a religião são muito menos importantes do que normalmente se pensa”; os grupos de centro acham que o problema é a falta de democracia e que a violência ocorre onde não existem oportunidades para uma resolução pacífica; e os grupos de esquerda, o que diriam? Deixo para a vossa reflexao,(..)! Podemos aqui focalizar o relatório do Banco Mundial que analisa questões relacionadas com o tipo de políticas de desenvolvimento adequadas a cenários de guerra civil. A pesquisa assenta em três premissas essenciais. A primeira delas é a certeza de que a guerra civil tem efeitos extremamente adversos, que “quem manda na guerra” não pondera, designadamente o facto de as principais vítimas serem as crianças e outros não combatentes; as consequências que a guerra civil traz para os países vizinhos, provocando uma redução do rendimento económico e o aumento da doença; e o facto de o território passar a estar fora do controlo de um governo reconhecido, tornando-se um “epicentro do crime e da doença.” A segunda premissa é que os riscos da guerra civil diferem consoante as características do país. A evidência mostra que a guerra se concentra num pequeno grupo de países em desenvolvimento, sendo os de maior risco os PED marginalizados e os países apanhados na “armadilha do conflito” (conflict trap). A terceira premissa sustenta que as acções internacionais credíveis deveriam reduzir substancialmente a incidência global da guerra civil, através de uma aposta forte na melhoria do gestão dos recursos naturais, a nível internacional. Se os cidadãos acreditarem que os recursos são bem utilizados, haverá menor probabilidade de eclosão de uma guerra civil,( COLLIER et al. (2003:44-59). Portanto, explicam a guerra civil por desigualdades económicas ou pelo legado do colonialismo. Segundo COLLIER et al.(2003), autores de um relatório que será bastante esmiuçado nesta discusão, nenhuma destas explicações é suficiente. Antes de avançarmos com estas causas, seria importante fazer referência à teoria de COLLIER & HOEFFLER (2002:99-112), que analisa justamente as motivações da rebelião, através de um modelo de escolha racional da rebelião pela cobiça , em que os autores contrastaram as suas premissas às de um modelo de injustiça. Assim, caros colegas, o modelo de rebelião por cobiça explica que esta é motivada pela extorsão dos rendimentos dos bens primários de exportação, sendo ponderado um cálculo económico dos custos e a sobrevivência militar. Por seu turno, caros colegas, o modelo da rebelião por injustiça, por sua vez, explica que esta é motivada por ódios que podem ser intrínsecos às diferenças étnicas e religiosas no seio da comunidade; pelo sentimento de revolta face à maioria étnica ou à repressão política; ou a desigualdades económicas, num contexto em que os beligerantes se sentem discriminados ou marginalizados, ou seja, há ausência de equitatividade nacional ou territorial,como preferirem,caros colegas.. Os autores introduziram ainda a possibilidade de um efeito de feed-back, em que o risco de um conflito aumenta devido à injustiça gerada pelo próprio conflito. No entanto, caros colegas, na rebelião por injustiça, este fenómeno gera um ciclo vicioso. Na rebelião por cobiça, a injustiça induzida só aumenta o risco de conflito se essa injustiça tiver aumentado o potencial financeiro da rebelião, designadamente através do acesso aos recursos da diáspora. Para testar estes modelos, COLLIER & HOEFFLER (2002:26-61) fizeram uma análise de regressão aos conflitos ocorridos entre 1960 e 1999, da qual no texto original, o terno utilizado é “greed” “grievance”. Segundo COLLIER et al.,(idem), existem duas formas de os rebeldes usarem os bens de exportação para a violência: 1. vender os futuros direitos dos lucros da guerra (por exemplo, direito de exploração das reservas de petróleo) ou 2.extorsão das companhias de recursos naturais (pelo rapto, roubo, sabotagem de infraestruturas). Para combater este problema, os governos dos países com recursos abundantes devem proporcionar informação credível sobre os mesmos para demonstrar que os lucros resultantes são bem usados e beneficiar a sua credibilidade. Outra medida possível é a inclusão no governo de líderes políticos das localidades onde são descobertos recursos naturais. É também importante descentralizar alguns dos lucros dos recursos naturais, com base no princípio da divisão equitativa, por forma a prevenir a existencia de corrupção organizada pelos governantes. Estes temos vindo a citar nesta discusssao, concluíram que o modelo da injustiça explica pouco a rebelião. Já o modelo da cobiça traduz bem a realidade dos países em estudo, sendo o acesso aos bens primários de exportação o factor mais influente no risco de conflito. Por fim, os dois autores testaram um modelo integrado de cobiça/injustiça, tendo descoberto que apenas uma fonte de injustiça - o domínio étnico - tem efeito no modelo da cobiça. Assim, países cujo maior grupo étnico representa entre 45 e 90% da população, têm um risco redobrado de conflito, devido à maior tendência da maioria para explorar a minoria ou vice-versa. Esta premissa não se aplicará, porém, no caso africano. Segundo COLLIER & HOEFFLER (2000:12-32), esta excepção dever-se-á ao facto de, nas poucas sociedade africanas aparentemente caracterizadas pelo domínio étnico, o maior grupo étnico ser, na verdade, dividido em sub-grupos distintos. Retomando o relatório de COLLIER et al.(2003:4-69) e tendo por base a teoria descrita, podemos afirmar que as características económicas do país serão muito mais importantes do que as razões étnicas e religiosas. Caros colegas do ISEDEF, se analisarmos o mapa de guerras civis de SMITH (2003:10-11), verificamos que estas se concentram nos países pobres e em desenvolvimento, o que se explicará pelo facto de as populações não virem satisfeitas as suas necessidades básicas e por terem que lutar pelos recursos escassos. Por exemplo, um país em declínio económico é mais dependente dos bens primários de exportação e tem um rendimento per capita baixo e desigualmente distribuído, e a sua administracao pública e eminentemente corruptiva, sendo o risco de guerra civil elevado. Neste contexto, é bem mais fácil, por exemplo, contratar jovens pobres que aceitem fazer violência e terrorismo em troca de dinheiro, uma vez que nestes paises o “Estado de Direito” não existe, a Democracia é apenas formal, as pessoas são respeitadas a partir da riqueza que ostentam, logo, a competição para o acesso de bens materias é elevado. Também MUSCAT (2002:4-28) defende esta ideia, sustentando que, apesar dos combatentes na maioria dos conflitos nos PED se definirem em termos culturais-língua, religião, história, ascendência comum, etc. -, muitos desses conflitos tendem a contrariar a teoria de Samuel P. Huntington, segundo a qual a principal causa de conflitos no mundo após a Guerra Fria é o “choque de civilizações” entre Ocidente, Islão, Hindu, Confucionismo, etc. MUSCAT (2002:4-41) nota que, em grande parte dos conflitos em África, os grupos combatentes têm uma cultura comum e assemelham-se linguística, religiosa e culturalmente (mais do que quaisquer outros grupos). Assim, apesar de uma guerra civil ser intensamente política, a maioria dos autores defende que a razão chave do conflito é a falha do desenvolvimento económico. E sobre este assunto TOMMASOLI (2003:7-17) faz uma afirmação interessante: “as guerras civis são, até certo ponto, uma continuação da economia por outros meios”. A uma situação de pobreza económica, adiciona-se um Estado fraco, não democrático e incompetente, incapaz de gerir a riqueza de recursos naturais, que são uma fonte de financiamento das organizações rebeldes, sustenta o relatório de COLLIER et al.(2003:4-20). AGERBACK (1996:27-33) sublinha que a pobreza não é por si só uma causa suficiente do conflito, o que é comprovado pela existência de países pobres que não estão em guerra. A autora afirma que “a causa não é tanto a falta de recursos per se, como injustiça”, mas sim a existência de “estruturas económicas e políticas que mantêm o domínio de um grupo no centro do poder sobre um grupo na periferia, ao ponto de negar os mais básicos direitos económicos, sociais e políticos”. Esta situação é traduzida pelos conceitos de “violência estrutural” ou “injustiça estrutural” e é ilustrado pelo caso do apartheid na altura, na África do Sul. Doadores e analistas tendem ainda a considerar a elevada corrupção como a primeira explicação de um conjunto de problemas de desenvolvimento, diz BILLON (2003:15-19). Porém, o autor afirma que a corrupção não é por si só um factor suficiente ou necessário do conflito armado, devendo antes ser entendido como um sintoma da falha no desenvolvimento e a forma mais eficaz de indivíduos ou grupos cooperarem com uma economia política de incerteza, escassez e desordem. Analisando a questão de um outro prisma, SMITH (2003:14-19) sublinha que a transição global para a democracia no final do século XX trouxe benefícios importantes em termos de liberdade, cumprimento da lei e paz, e admite que as democracias estabelecidas são mais estáveis que as ditaduras. Ainda assim, o autor afirma que “apesar da democracia estar relativamente segura face à guerra,o seu caminho está cheio de perigos”. As estatísticas indicam que, na viragem para o novo milénio, estavam em guerra civil 12% das democracias estabelecidas, 45% dos regimes de ditadura (de um só partido) e 30% dos regimes em transição democrática. Para COLLIER et al. (2003:5-9), há uma distinção fundamental que deve ser feita entre dois grupos de países em desenvolvimento (PED). O primeiro grupo tem um nível de rendimento médio e um ambiente institucional que permite o seu processo de desenvolvimento. O segundo são os PED com um rendimento muito baixo e incapazes de adoptar políticas institucionais que conduzam aos trilhos do desenvolvimento. Para este segundo grupo, os riscos de guerra civil têm sido crescentes e a sua incidência aumentou particularmente nos últimos 40 anos. Aliás, segundo COLLIER & HOEFFLER (1998:568-589), a probabilidade de ocorrência de guerra civil é de 0.63 num país com rendimentos baixos e de apenas 0.15 num país menos pobre, à semelhança do que acontece com a duração da guerra, inferior nos países com mais rendimentos. Apesar da primazia das causas económicas, muitas rebeliões têm também uma dimensão étnica ou religiosa. “Onde a guerra civil é justificada com base na ameaça de um grupo étnico diferente, de uma raça ou nação, de medo mútuo ou de uma escala de ódio e violência, a reconciliação é uma perspectiva distante. E o risco de retorno da guerra é extremamente elevado”, afirma SMITH (2003:16-17). Ainda assim, no início do século XXI, a maioria dos países com diversidade étnica não estavam em guerra. Curiosamente, constataram COLLIER e HOEFFLER (2002), uma maior diversidade étnica e religiosa reduz significativamente o risco de conflito, apesar de tornar também mais difícil a realização de trabalho comum. Já uma diferenciação étnica mais limitada – ou seja, a existência de poucos grupos étnicos diferentes - pode constituir um problema, na medida em que o maior grupo étnico de uma sociedade multi-étnica forma a maioria, aumentando o risco de rebelião em 50%. Metade dos PED têm justamente estas características de domínio étnico. O problema da diferenciação étnica pode acentuar-se quando se descobre um recurso natural valioso no país. ROSS (2002:3-8) afirma que uma das mais importantes descobertas no âmbito da pesquisa sobre as causas da guerra civil é que os recursos naturais desempenham um papel fundamental na manutenção, no prolongamento e no financiamento dos conflitos. Os recursos que provocam esse tipo de problemas são essencialmente o petróleo e os recursos minerais valiosos como o ouro, os diamantes e outras pedras preciosas, explica o autor. Por vezes, recursos como a madeira podem também influenciar o conflito. ROSS (2002:3-11) explica ainda que, se as considerarmos um recurso natural, as drogas desempenharam um papel fundamental em vários conflitos. COLLIER et al. (2003:60-68) explicam que, normalmente, os recursos naturais estão concentrados numa determinada área do país, pelo que o primeiro problema é quem é o dono dos recursos: “essa região ou o Estado?”, o que pode gerar conflito extremamente elevado com riscos adicionais. Os autores exemplificam com o caso da droga na Colômbia como exemplo disso. Porém, sobre este aspecto, COLLIER & HOEFFLER (1998:568-598) acrescentam que a existência de recursos naturais apenas aumenta inicialmente o risco e a duração da guerra civil, sendo que, posteriormente, essa probabilidade diminui. Os autores indicam que a probabilidade máxima ocorrida foi de 27% para o risco de rebelião e de 24% para a duração da guerra. Além disso, a posse de recursos naturais é mais perigosa num país com poucos recursos (a probabilidade é de 0.56) do que num país sem recursos (a probabilidade é de 0.12). Também ROSS (2002:4-12) esclarece que os recursos naturais nunca são a única fonte do conflito, na medida em que os conflitos são provocados por um conjunto defactores. Caros colegas, a Colômbia é um produtor ilícito de cocaína, opium e cannabis e o maior cultivador mundial de cocaína (144,450 hectares em 2002). O país fornece cerca de 90% da cocaína ao mercado e uma boa parte aos mercados internacionais de drogas. Já segundo o site www.terravista.pt/AguaAlto/5276/guerrilh.htm, o narcotráfico tem uma influência contundente na conjuntura das guerrilhas. O site indica que, mesmo com o desmantelamento dos cartéis de Cali e Medellin, a produção e o tráfico de cocaína “ainda representam o maior embaraço para a normalização das relações entre os Estados Unidos e a Colômbia”. De resto, existem 100 mil camponeses que sobrevivem com o plantio de cocaina e a droga corresponde a 13% do PIB nacional. Isto mostra claramente que os factores de pobreza, clivagens étnicas ou religiosas, governos instáveis, podem traduzir maiores condições para os rebeldes insentivarem suas acções fase as contigencias de cada país. Porém, condições dessa natureza, aumentam o perigo de eclosão de guerra civil. O autor esclarece ainda que a dependência dos recursos naturais torna o conflito inevitável, embora melhores políticas reduzam a probabilidade de os recursos gerarem conflito e ajudem a canalizar a riqueza para a educação, saúde e redução da pobreza. Quanto aos incentivos para os movimentos secessionistas, ROSS (2002:15-17) explica que a abundância de um recurso natural incentiva efectivamente as populações, embora esse tipo de insurreição tenha a priori um conjunto de características: 1. antes do recurso ser explorado, a população já tem uma identidade distinta (étnica, religiosa ou linguística) que a mantém afastada da maioria da população; 2. a crença comum de que o poder central se está a apropriar injustamente da riqueza e de que essa região seria mais rica se fosse um estado independente e 3. muitas vezes, essa população arcou com os custos do processo de extracção, através da apropriação de terras, dos danos ambientais e da imigração de força de trabalho para a região. Os rebeldes têm também normalmente uma agenda política, ainda que não convencional. ARMENGOL (2003:50-59) refere o binómio autonomiaindependência como uma das causas mais comuns da guerra, a qual implica a existência de grupos minoritários (ou maioritários nalguns casos) que reclamam o poder político a partir de afirmações identitárias que não foram satisfeitas. HIRSHLEIFER (2001) analisa a rebelião como o uso de recursos para explorar os outros com o objectivo de obter ganhos económicos. O autor sublinha a importância dos mal-entendidos, na medida em que cada lado pode sobrestimar os seus objectivos militares, o que fará com que novas guerras comecem e as guerras em curso persistam. No entanto, a este nível, sustentam COLLIER et al.(2003:89-99), deparamo-nos com um paradoxo, pois verificamos que, historicamente, a rebelião não acontece nem em situações de injustiça, nem em casos extremos de abuso de poder. As rebeliões parecem estar associadas ao desejo de apropriação de bens. Desta perspectiva, os Estados com maior fluxo de ajuda são atractivos para dominar, apesar de reunirem menos condições propícias à rebelião. Por vezes, a secessão não é suficiente, pois certos recursos lucrativos requerem o domínio do aparelho do Estado. O caso mais óbvio é quando esse recurso é a ajuda externa. Para estes países, a ajuda é uma parte substancial do orçamento governamental, afirmam COLLIER et al. (2003:63-69) pelo que, indirectamente, financia muitos postos de emprego do sector público e contratos disputados politicamente. No entanto, a ajuda externa é dirigida ao Governo legitimamente reconhecido, pelo que o grupo rebelde só receberá toda a ajuda se substituir a este ou parte dela se com ele fizer um “power sharing agreement”. Assim, caros colegas do ISEDEF, um grande fluxo de ajuda monetária ou de outra natureza, torna um Estado mais atractivo para ser “capturado” ou dominado pelas forças rebeldes, aumentando o risco de rebelião, a não ser que as suas forças armadas são tão potencias e dissuasivas em termos de conter os rebeldes actuais e futuros, (…)! COLLIER e HOEFFLER (2003), têm uma opinião contrária, pois sustentam que a ajuda não parece aumentar o risco de rebelião. Afecta o risco de conflito positivamente, na medida em que influencia o crescimento. Afirmam que “há um risco considerável de que o conflito recomece e a ajuda poderá directamente reduzir esse risco para lá dos efeitos no crescimento e na redução da pobreza do país em causa. A estas causas, SMITH (2003:12-13) adiciona o desrespeito pelos Direitos Humanos (DH). Quando um Estado recorre à violência, a oposição opta, numa primeira fase, pelo silêncio. No entanto, sustenta o autor, se as condições de desrespeito pelos DH se agravam, a oposição não vê outra alternativa que não o recurso à violência. Notese, no entanto, que esta ideia vai contra a teoria de COLLIER e HOEFFLER,(2002), segundo a qual a rebelião por injustiça tem pouca expressão na justificação da rebelião. Por último, acrescentaríamos a esta lista a causa histórica relacionada com o papel dos colonizadores no passado dos países em guerra civil. A divisão territorial feita “com régua” poderá não ter ponderado o factor cultura desses povos. COELHO (2003:176-181) refere o caso dos “conflitos intestinamente desenvolvidos no seio dos movimentos nacionalistas” como um dos factores que explica como países saídos das guerras coloniais tiveram potencial de violência para as guerras civis. Recorrendo ao exemplo das ex-colónias portuguesas, o autor explica que Portugal tomou medidas administrativas e para-militares, no sentido de integrar homens das aldeias em movimentações de autodefesa, de perseguição e de detecção de combatentes nacionalistas, de que resultaram as sanzalas protegidas em Angola, os aldeamentos em Moçambique ou as tabancas na Guiné-Bissau,“verdadeiros espaços concentracionários de produção de violência”. Além disso, as autoridades coloniais transferiram para esses aldeamentos um mecanismo de autodefesa, constituído por milícias recrutadas localmente e treinadas apressadamente. O resultado foi a competição sistemática e violenta entre esses grupos e as populações pelo acesso aos escassos recursos. Por detrás disso, estava o “crescimento de uma nova forma de violência, surda ainda, paralela à da guerra que entretanto alastrava, mas já generalizada no território”. 4. O mapa das guerras civis no tempo e no espaço As características do estado de guerra alteraram-se nos últimos 50 anos, passando as guerras internacionais a ser raras e as guerras civis mais comuns, principalmente no pós-Guerra Fria em que o aumento da eficácia das normas e instituições internacionais nos processos de manutenção e construção da paz não foi suficiente para prevenir os conflitos internos. ERIKSSON, WALLENSTEEN & SOLLENBERG (2003:593-586) indicam que, de 1946 a 2002, ocorreram 226 conflitos armados, dos quais 116 ocorreram a partir de 1989 em 79 territórios no mundo inteiro. MUSCAT (2002:6) especifica que, dos 101 conflitos ocorridos entre 1989 e 1996, 95 eram internos. Recuperando as distinções feitas entre vários níveis de violência, as estatísticas indicam que, em 1997, decorriam 17 conflitos de alta intensidade (Congo – Ex-Zaire, Afeganistão, Algéria, República do Congo – Brazzaville -, Ruanda, Sudão, Sri Lanka, Turquia, Colômbia, Albânia, Índia-Paquistão, Burma, Burundi, Iraque, Índia - Assam e Bihar - e Tajaquistão), 70 conflitos de baixa intensidade e 74 conflitos políticos violentos. Desses 161 conflitos, apenas 11 não eram internos. MUSCAT (2002:6-10) alerta ainda para o facto do número de países envolvidos (110) ser inferior ao número de conflitos, devido ao facto de alguns países como a Etiópia, a Índia e a China, terem vários conflitos internos. Já entre 1997 e 2001, segundo SMITH (2003:12-13), decorreram guerras civis na América Latina (México, Colômbia e Perú); em África (Algéria, Líbia, Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, Guiné Conacri, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Ghana, Nigéria, Niger, Chade, República Centro-Africana, Sudão, Etiópia, Uganda, Somália, Ruanda, República Democrática do Congo (RDC), Congo, Angola e Burundi), na Europa de Leste (Macedónia, Jugoslávia, Rússia, Cazaquistão, e Tazaquistão), no Próximo Oriente (Albânia, Egipto, Israel, Turquia, Líbano, e Iraque), no Médio Oriente (Afeganistão e Paquistão) e na Ásia (Índia, Nepal, Bangladesh, Burma, Camboja, Filipinas e Indonésia). Esse mapa indica-nos também que, das 73 guerras ocorridas entre 1997 e 2001, 47 eram guerras civis. COLLIER et al.(2003:93-108) indicam mesmo que, em 2001, todos os conflitos eram guerra civis à excepção de um (o Afeganistão). Em 2002, o número de guerras diminuiu de 11 para 5 (Burundi, Colômbia, Caxemira, Nepal e Sudão), segundo ERIKSSON, WALLENSTEIN & SOLLENBERG (2003:593), uma vez que terminaram as guerras no Afeganistão, na RDC e no Sri Lanka, e uma vez que as guerras na Argélia, em Angola, na Rússia, no Ruanda e no Iraque, implicaram menos de 1000 mortes em combate. Ainda em 2002, rebentou um novo conflito na Costa do Marfim. MUSCAT (2002:6-11) explica que estas listas variam de ano para ano, uma vez que alguns conflitos se resolvem, enquanto outros eclodem ou evoluem de uma situação de baixa intensidade ou conflito político violento para um cenário de maior gravidade. Quanto aos conflitos internos especificamente, uma vez que estes são feitos com tecnologia barata, as lutas podem durar anos sem que uma das partes ganhe vantagem decisiva sobre a outra, por exemplo, os conflitos no enclave de Cabinda e no Congo-Brazaville. Os autores acrescentam que, à semelhança dos anos anteriores, também em 2002 a maioria dos conflitos eram internos. A fórmula que melhor ilustra o mapa das guerras civis é a incidência global da guerra civil, que, segundo COLLIER et al. (2003:94), é determinada pelo risco médio de que ocorra uma rebelião em dada altura e pela duração média de uma guerra em curso. Se estes dois factores se mantiverem constantes durante um longo período, a incidência global da guerra terá atingido um nível de autosustentabilidade: o número de guerras a iniciar será balançado pelo número de guerras a terminar, sendo constante o stock de guerras civis activas. No entanto, o declínio global do risco de rebelião e a longa duração do conflito mudaram a incidência global de guerra civil auto-sustentável. Assim, enquanto a incidência global aumentou nos últimos 40 anos, a incidência auto-sustentável diminuiu um pouco, devido a dois factores, o aumento do número de países pobres independentes e a extensão do desenvolvimento económico que tem tornado o mundo um lugar mais seguro. Olhando historicamente a evolução das guerras, constata-se que, na década de 50, a possibilidade de eclosão da guerra civil diminuiu pelo facto de muitos PED serem ainda colónias, adicionando a isso o facto de os países tenderem a estar em paz no seu primeiro ano de independência. Da década de 50 para a de 70, houve um aumento da incidência do conflito que se poderá explicar pela existência de um maior número de países pobres independentes. Além disso, até aos finais dos anos 80, os conflitos tiveram menor tendência para terminar, atingindo o seu auge em 1990. A partir daí, ao longo da primeira metade da década, a paz generalizou-se. É o caso da América Latina que viveu a década de 80 fortemente marcada por conflitos, mas que mostrou depois um notável desenvolvimento desde o fim da Guerra Fria. Também na Ásia, ( ERIKSSON, WALLENSTEIN & SOLLENBERG 2003: 594). HEGRE (2003:243), explica que a incidência da guerra é a melhor forma de medir o alcance da guerra civil como um problema global, devido à falta de medidas correctas que indiquem o número de pessoas mortas em conflito todos os anos e a quantidade de destruição física. COLLIER et al. (2003:95), explica que operiodo de 1950-2001 foi marcado por uma elevada incidência de guerras civis e, na África Subsariana, registou-se um aumento dos conflitos. Durante a década de 80, a África tinha uma incidência média inferior, embora hoje seja a única região que não viu um decréscimo da mesma. Já no final da década de 90, estavam em curso tantas guerras, como antes do final da guerra fria, segundo SMITH (2003:8-17). Segundo o modelo de COLLIER e HOEFFLER (2002)33, a tendência para a guerra não melhorou nem piorou muito ao longo dos tempos. Apesar do fim da Guerra Fria ter trazido algum tempo de paz e de ter implicado um corte no financiamento de várias guerras potenciais, a queda da URSS deixou rebentar algumas guerras civis que antes tinham sido reprimidas. “As oportunidades de paz eram muito mais baixas nas décadas de 80 e 90 do que anteriormente” afirmam COLLIER, HOEFFLER & SODERBOM (2004:268-275). Este fenómeno é explicado por um modelo de COLLIER & HOEFFLER (1998:571-572)34, que recorre a um conjunto de variáveis explicativas da guerra, entre as quais o rendimento económico do país. O modelo diz que, quanto maior for o rendimento do país, mais curta é a guerra civil, pois a guerra é mais dispendiosa em países com níveis de rendimento elevado. Pelo contrário, os países pobres recorrem ao armamento convencional, o que os dissuade de terminar a guerra. Assim, se compararmos a década de 60 com a de 90, dizem COLLIER E HOEFFLER (2002), verificamos que, na primeira, os países independentes tinham um rendimento maior que nos anos 90, o que reduzia o risco de rebelião. Por exemplo, se virmos essa evolução ao nível de um conjunto de países previamente seleccionado pela Organizaçao da Cooperacao e Desenvolvimento Economico ( OCDE) em cada região do mundo em desenvolvimento, constatamos que a média global aponta para o crescimento do PIB pc, excepto na Oceânia, como nos indica o gráfico 1. Gráfico 1 – Comparação Gráfico 1 – Comparação do PIBpc nos anos 60 e 90 Porém, se nos debruçarmos sobre os países da OCDE (com informação disponível sobre o PIBpc nos dois espaços temporais), confirmamos que existe um conjunto de países cujo PIBpc em 1990 era inferior ao PIBpc em 1960. É o caso do Sahel, do Zaire, do Sudão, de Moçambique, do Ghana, de Madagáscar e da Zâmbia, como podemos verificar no gráfico 2. Note-se que a tabela 1, que está na base dos dois gráficos apenas contém informação relativa a alguns países por região. No caso da África Sub-sahariana, estão incluídos os países referidos no gráfico 2. O aumento da duração da guerra é ainda explicado pelo facto da rebelião se ter tornado uma forma de vida para os rebeldes. Se lutar é tão lucrativo, os rebeldes têm poucos incentivos para fazer a paz. Por último, caros colegas do ISEDEF, a incidência da guerra civil muda também consoante as regiões, o que se explica pelo facto de determinadas regiões partilharem características comuns que afectam o risco de conflito. Além disso, as guerras civis provocam o efeito de dominó nos países vizinhos. Assim, se um país tem um elevado número de conflitos, este facto aumentará também o risco nos países que ainda se encontrem em situação de paz. 5. As consequências da guerra civil Caros cokegas do ISEDEF, os perpretores da guerra civil utilizam o argumento de que a guerra é o catalisador necessário para o progresso social, na medida em que o líder rebelde pode achar que os terríveis custos da guerra são um mal necessário para se conseguirem melhorias futuras. Esta ideia está na base de teoria da “guerra como parteira do desenvolvimento”, na medida em que as perdas podem ser a mote para o desenvolvimento. Como assevera AGERBACK (1996:29), “(...) a experiência no Zimbabwe, Nicarágua, Eritréia e África do Sul mostra que o conflito também pode criar novas estruturas sociais e formas de trabalho, e a solução política que ele traz pode trazer novas possibilidades para o desenvolvimento”. Todavia, de forma geral, a guerra provoca a catástrofe económica e social, por dois grandes motivos: em primeiro lugar, a destruição dos recursos do inimigo para subjugá-lo politicamente é o objectivo estratégico destas guerras, como aponta ARMIÑO (1997:15-18); em segundo lugar, os recursos deixam de ser canalizados para as actividades produtivas para passarem a ser usados na violência, como afirmam COLLIER et al. (2003:12-17). A este propósito, COLLIER et al. (2003) sublinham que esta condição faz acreditar que a implementação de medidas para reduzir o fluxos de fundos poderia levar os rebeldes a sentarem-se à mesa de negociações,( COLLIER et al.. (2003:19). Este ponto visa analisar os resultados da guerra civil, destacando três principais tipos de consequências para o país, para a região e para as populações: as consequências económicas, sociais e psicológicas. 5.1– As Consequências Económicas Uma guerra provoca inevitavelmente consequências negativas para a economia nacional, primeiramente devido à perda de recursos humanos (por morte ou doença) e de recursos materiais ou desvio no seu uso (do sector civil para o militar). ARMIÑO (1997:22) afirma que o desvio de recursos públicos para fins militares faz com que estes deixem de estar disponíveis para o investimento no desenvolvimento económico e social. Esta é também a posição de COLLIER & HOEFFLER (1998:169) que apontam a diversão dos gastos públicos em actividades que potenciam output para a acção militar. Esse tipo de consequências é normalmente medido pela contabilidade das despesas militares ocorridas durante a guerra. Segundo COLLIER et al. (2003:14-74), os países com um PIBpc inferior a 3.000 USD tendem a gastar 2.8% do PIB em despesas militares em tempo de paz. Quando se inicia uma guerra, esse valor aumenta para 5%, fazendo descer as despesas públicas afectas a sectores como a saúde e as infra-estruturas e agravando o rendimento e os níveis dos indicadores sociais. O afastamento dos recursos produtivos é acompanhado pela redução da mão de obra produtiva devido ao êxodo da população, e por uma perturbação da circulação comercial devido à falta de segurança e à existência de minas antipessoais no país em guerra, segundo ARMIÑO (1997:22-26). As consequências económicas da guerra são também medidas pelos danos provocados nos recursos e pelo seu afastamento das actividades produtivas, que fazem parte da estratégia dos rebeldes, como afirmam COLLIER et al. (2003:14-25). Exemplo disso é a destruição de infra-estruturas como pontes aeroportos, portos, telecomunicações, escolas, unidades de saúde. O medo provocado pela violência é também incluído na lista de consequências económicas do relatório de COLLIER et al. (2003:15), considerando que as populações assustadas fogem das suas casas e abandonam os seus bens, deixando-os à mercê do comportamento oportunista de criminosos. No caso das populações rurais, regista-se ainda o abandono da produção agrícola. Aliás, a deslocação das populações não é apenas uma consequência da guerra, mas também, segundo ARMIÑO (1997:21), uma perniciosa táctica orientada para o controlo da população potencialmente hostil, que, forçada a assentar em aldeias protegidas ou em áreas de segurança, deixa de poder apoiar o inimigo. O Produto Interno Bruto (PIB) é talvez o indicador económico mais afectado pela guerra. Segundo um estudo de COLLIER & HOEFFLER (1998:181-182), durante a guerra, o PIB per capita declina numa taxa anual de 2.2%, devido à diminuição da produção e à perda gradual do stock de capital por destruição do capital ou pela substituição do mesmo no exterior. Porém, estes efeitos diferem de sector para sector, sendo que o sector intensivo em capital e transacções (transporte, distribuição e finanças) se contrai mais rapidamente do que o PIB no seu todo, enquanto que o sector com características opostas (agricultura de subsistência) se expande em relação ao PIB. Os efeitos adversos da guerra na economia continuam a registar-se no pósguerra, pois, segundo COLLIER & HOEFFLER (1998:181-182), a restauração da paz não recria as características da economia anteriores à guerra. Assim, o stock de capital é mais baixo do que antes da guerra e o seu declínio pode mesmo continuar no pós-guerra. De facto, o leque de consequências económicas da guerra civil estende-se para além do seu fim. Como afirmam COLLIER et al. (2003:20), “a verdade é que muitos dos efeitos económicos adversos da guerra persistem. Segundo COLLIER & HOEFFLER (1998:181-182), uma guerra civil que dure apenas 1 ano poderá provocar uma perda no crescimento de 2.1% por ano nos primeiros 5 anos do pós-guerra, valor que não seria muito diferente se a guerra tivesse continuado. Por sua vez, quando a guerra é muito longa, o stock de capital ajusta-se a um nível abaixo do desejado nas condições do pós-guerra. Nesse caso, o repatriamento do capital permite que a economia cresça mais rapidamente do que na fase anterior à guerra. Assim, concluem os autores, empiricamente, o dividendo da paz nas guerras prolongadas é maior. Por isso, as elevadas despesas militares no pós-guerra, são justificadas como dividendo da paz consistente. Segundo estudos econométricos referidos por COLLIER et al. (2003:17), após uma guerra civil de 7 anos, os rendimentos terão diminuído 15% e a incidência de pobreza absoluta terá aumentado 30%, indicando que os custos da guerra se devem mais aos danos provocados pela violência do que ao desperdício de recursos (não canalizados para áreas como saúde, educação, etc.) Caros colegas do ISEDEF, esta pode ser uma pista importante no estudo da temática desta discussao, já que nos mostra que a destruição de recursos é mais gravosa do que a sua utilização em recursos militares. Desta forma, mesmo que se coloque a possibilidade da ajuda desvincular o Governo da sua obrigação de investir em sectores básicos, aumentando as despesas militares, essa perturbação do sistema não alterará, em princípio, a premissa anterior. Caros colegas, os elevados gastos militares, acompanhados do empobrecimento do país, forçam frequentemente o recurso à dívida externa, que é facilitada após a adesão ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BM). O problema é que, tendencialmente, o país continua a endividar-se, já que a interrupção desse recurso poderá incorrer no risco de ver paralisada toda a actividade económica e similares dum país. A guerra provoca também a fuga do capital, pois, mesmo após terminado o conflito, as pessoas preferem manter os seus recursos no estrangeiro. O repatriamento requer mais do que paz. Este problema coloca-se também ao nível da fuga de capital humano (com capacidade financeira) que parte para os países industrializados durante e também após a guerra. ARMIÑO (1997:22-25) acrescenta ainda a ausência de investimento estrangeiro devido à insegurança como mais uma das consequências da guerra. Além disso, um país desregrado e em guerra é um local atractivo para o contrabando de produtos ilegais como, por exemplo, as armas ou o comércio ilegal. Sobre este assunto, ver referência ao estudo de MASI & LORIE (1989) sobre a elasticidade das despesas militares durante a implementação de programas apoiados pelo FMI e as alterações dos gastos militares e influência da ajuda no orçamento estatal dos receptores. Ainda sobre este assunto, ver ARMIÑO (1997: 4) o autor utiliza o exemplo específico de Moçambique que, após ter aderido ao FMI e ao BM em 1984, recorreu cada vez mais aos empréstimos externos, convertendo-se no país mais endividado em relação ao tamanho da sua economia. A dívida externa de Moçambique em 1993 era de 5.300 milhões de USD, ou seja, 376% do seu PNB. COLLIER et al. (2003:21-28), afirmam que, o comercio ilegal de diamantes em alguns países, contribui bastante para a guerra civil, como o local apropriado para explorar estas fontes de rendimento. Por último, importa destacar que essas consequências ultrapassam fronteiras, pelo efeito de dominó que as guerras provocam nos países vizinhos. Com isso, dizem COLLIER et al. (2003:34-39), influenciam o orçamento militar global da região, os custos de transporte e deslocação, o afastamento do investimento externo na região, o aumento do comércio regional de armas e ainda o aumento do risco de guerra nos países vizinhos. Também ARMENGOL et al. (2003:49-55) sustentam a ideia de que, apesar do seu carácter interno, a maioria dos conflitos actuais tem uma importante dimensão e influência regional e internacional, devido ao fluxo de refugiados, ao comércio de armas, aos interesses económicos e políticos dos países vizinhos e também porque os grupos armados opositores dos Governos buscam apoio nos países vizinhos ou têm lá as suas bases de varia ordm. 5.2 – As Consequências Sociais As principais consequências sociais da guerra civil são as baixas, que, na guerra civil moderna, são principalmente as populações civis. Segundo COLLIER et al. (2003:17-22), o maior impacto passou do pessoal militar para as populações civis. CAIRNS (1997:45), indica que, no início do século XX, 90% das vítimas eram militares, enquanto que, na década de 90, quase 90% das vítimas passaram a ser civis. SMITH (2003:38) acrescenta que 75% das pessoas mortas nas guerras dos nossos dias são civis. Não sendo possível saber qual o número exacto de mortes provocadas pela guerra, estima-se que, só entre 1997 e 2002, tenham morrido mais de três milhões de pessoas. Como indica SMITH (2003:38), este número representa menos dois milhões e meio de mortes comparativamente às estimativas do que terá ocorrido na primeira metade da década de 90. Segundo REYNAL-QUEROL (2003:17) as estatísticas dos civis mortos em guerra são mais incertas do que as dos combatentes, na medida em que não existe nenhuma organização a fazer essa contagem, ao contrário das forças militares e dos grupos de guerrilha que conhecem o número de homens em combate excluem aqueles que, sem perder a vida, foram vítimas de atrocidades inimagináveis, foram atingidos por minas anti-pessoais ou viram-se forçados deslocar-se para outra região do país ou para países vizinhos. A título exemplificativo, SMITH (2003:40-41) refere que, em Timor Leste, cerca de 2000 civis foram assassinados pelas milícias instigadas pela Indonésia em 1999, antes de ser aceite a independência do país, e que 2/3 foram forçados a abandonar as suas casas. No Ruanda, os extremistas do Governo Hutu prepararam um massacre contra a minoria Tutsi e contra os opositores do regime entre Abril e Junho de 1994, tendo sido mortas pelas milícias e por forças militares treinadas, num período de seis semanas, 800.000 pessoas. Daqueles que sobreviveram ao genocídio, praticamente todas as mulheres com mais de 12 anos foram violadas. Finalmente, no Perú, entre 1980 e 1999, morreram mais de 30.000 pessoas devido à guerra, sendo mais de 80% civis. Neste caso, o Governo foi responsável por pouco mais de metade dos casos de tortura, desaparecimento, execução e assassinato, e as forças rebeldes pelo restante. Como já foi dito, a guerra civil pode ser um catalisador do progresso social, permitindo pôr fim a uma situação de injustiça social e de estagnação política e económica. Nestes casos, os rebeldes podem argumentar que os terríveis custos da guerra são um mal necessário para se conseguirem melhorias futuras. No entanto, a realidade mostra-nos que, independentemente desses eventuais benefícios futuros, a guerra deixa sempre um legado de pobreza e miséria que tem como principais vítimas as populações do país. O aumento das taxas de mortalidade e de morbididade pode ser explicado, de acordo com as referências de COLLIER et al.(2003), pelas doenças infecciosas nos campos de refugiados, bem como pelos efeitos psicológicos nas vítimas. As doenças terão sido, algumas vezes, usadas como arma de guerra. O recurso à violação das mulheres pelos soldados infectados com o HIV/Sida é apontado como um instrumento sistemático do estado de guerra. Segundo COLLIER et al. (2003:28), o contágio é também feito de mães para filhos, já que, devido à falta de alimentos, as mães não têm outra alternativa senão dar de mamar aos filhos, o que aumenta o risco de infecção da nova geração. Porém, o efeito da mortalidade depende também da duração do conflito, afirmam COLLIER et al. (2003:23). Por exemplo, numa guerra de 5 anos, a mortalidade infantil aumenta 13%. Uma vez que este efeito é persistente, a mortalidade mantém-se 11% mais elevada do que o habitual nos primeiros 5 anos do pósguerra. Acrescente-se ainda que os efeitos da guerra civil na saúde são particularmente persistentes devido ao facto de as mudanças nas condições de vida tornarem a saúde mais difícil, por um lado, e ao facto de o Governo ter menos verbas para despender na saúde pública, por outro lado. Além do flagelo das doenças, existe também o problema associado à fome e à perda de segurança alimentar, pois a guerra afecta o acesso aos alimentos em várias frentes, designadamente na diminuição dos recursos, no corte do abastecimento comercial e na criação de obstáculos à distribuição da ajuda humanitária, como afirma ARMIÑO (1997:23). Em muitos casos, a fome é mesmo utilizada como arma de guerra, escondendo um duplo objectivo: debilitar o inimigo, destruindo a sua produção e provisões alimentares e, em simultâneo, criar na população uma dependência alimentar que a obrigue a dar apoio a um determinado grupo armado. As minas são um outro flagelo, visto que provocam no presente danos terríveis, apesar de terem sido activadas em guerra passadas. Anualmente, são atingidas cerca de 20.000 pessoas por minas anti-pessoais. Será também importante fazer referência à ruptura das instituições, consequência apontada por ARMIÑO (1997:23), que se manifesta no questionamento da autoridade do Estado, no desmoronamento da lei e da ordem pública, no aumento da delinquência e da corrupção. Mesmo no pós-guerra, mantém-se muitas vezes uma forte instabilidade política, devido à escassa legitimidade do Governo, questionado internamente pelas facções inimigas e externamente quando ainda não foi ratificado em eleições,(ARMIÑO (1997:21-27). ARMIÑO (1997:21-31) exemplifica com o caso do Sudão e da Etiópia onde se recorreu à táctica da terra queimada e às bombas incendiárias para destruir os cultivos. Em Angola, por sua vez, foram semeadas minas e em Moçambique foram feitas incursões destruidoras e mortíferas, reconhecido como novo Estado soberano. Segundo ARMIÑO (1997:25), essa instabilidade é tão mais significativa quando a guerra termina com um processo de paz e não com a vitória de uma das partes. ARMIÑO (1997:23) refere ainda a questão da alteração das relações de género, sendo as mulheres as mais prejudicadas, na medida em que, com a partida dos homens para a guerra, estas defrontam-se com uma sobrecarga no trabalho para o sustento familiar. Note-se que, apesar disso, não lhes é normalmente reconhecido o pleno controlo sobre os recursos, designadamente sobre o uso da terra e negociação de créditos. Por último, uma das mais complexas consequências da guerra é a questão dos deslocados internos e dos refugiados. De acordo com a Office for the Co-ordination of Humanitarian Affairs ( OCHA), os deslocados internos são “pessoas ou grupos de pessoas que foram forçados ou obrigados a fugir ou a abandonar as suas casas ou lugares de residência habitual, em particular em resultado de ou de modo a evitar os efeitos do conflito armado, situações de violência generalizada, violações dos DH ou catástrofes naturais ou provocadas pelo Homem, e que não atravessaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida”. Segundo a OCHA, existem no mundo pelo menos 25 milhões de deslocados internos espalhados por mais de 52 países, forçados a deslocar-se das suas zonas de origem devido à violência e perseguição. Quanto à figura do refugiado, por sua vez, é aquele que “(...) por medo de ser perseguido por razões de raça, religião, nacionalidade, pertença a um grupo social particular, ou com opinião política, se encontra fora do seu país de origem, e é incapaz, devido a esse medo, ou não quer colocar-se sob protecção nesse país”, de acordo com o art.º1 da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados. Para que se tenha noção da proporção deste flagelo, no final do século XX, havia 14 milhões de refugiados em resultado da guerra e da perseguição, dos quais 6 milhões viviam em situação de ostracismo, em que nem eram reconhecidos como refugiados, nem podiam regressar a casa, segundo SMITH (2003:42). O ACNUR (2000:293) diz que os conflitos armados se tornaram a principal causa dos fluxos de refugiados e considera mesmo que “os movimentos de refugiados não são mais efeitos colaterais de um conflito, sendo, em muitos casos, decisivos como objectivo e táctica da guerra usada pelos rebeldes e governantes”. 5.3 – As Consequências Psicológicas A maioria dos conflitos modernos são endémicos, ou seja, prolongam-se por períodos de tempo tão vastos que as populações não passam pela situação do pósguerra ou pós-crise. Face a este cenário, COLLIER et al. (2003:30) sublinham que as consequências a nível psicológico são dramáticas para as populações, na medida em que os sobreviventes da guerra perdem família, amigos, a vivência e, por vezes, a própria identidade. Passam a viver em campos de refugiados e continuam a ser vítimas da violência e de violação, o que provoca o aumento da taxa de suicídio feminino. MUSCAT (2002:8) manifesta a sua preocupação com o facto do conflito alargado e a vitimização puderem produzir uma cultura de impunidade criminosa e de violência, associada, por vezes, ao problema dos soldados desmobilizados e desempregados. Além disso, AGERBACK (1996:28) acrescenta que é difícil recuperar a confiança e a coesão social necessárias à recuperação pós-guerra quando grande parte da população foi afectada pelo trauma. ACNUR (2000:290) explica que muitos Estados adoptaram legislação que possibilita a entrada no país de imigrantes por três vias: (1) reagrupamento familiar; (2) emprego, educação ou acção investimento; (3) ajuda humanitária. Porém, as fronteiras entre estas três categorias são difíceis de estabelecer, na medida em que elas se interligam. Por exemplo, uma mulher, membro de uma minoria perseguida, deixa a sua terra e procura asilo num país rico onde as oportunidades de alcançar auto-suficiência são melhores. Coloca-se a questão sobre se ela deve ser considerada um imigrante económico, apesar de entrar no país por motivos humanitários, (ACNUR, 2000:293). Face a tudo isto, diz MUSCAT (2002:8-18), os programas de reconstrução pósconflito passaram a incluir a criação ou o fortalecimento dos serviços de saúde mental, bem como a implementação de projectos que tentem incentivar o convívio de diferentes comunidades étnicas e até mesmo reconciliá-las. Já SUMMERFIELD (1996:88) considera ser imprescindível ter sempre uma resposta de gestão de crise que deve, em princípio, passar pela criação e apoio a estruturas que ajudem as populações a sobreviver, sendo, neste prisma, fundamental a intervenção das ONGs. 6. Os actores da guerra e as relações entre Governo e forças rebeldes: pós-conflito e o papel da economia Caros colegas do ISEDEF, a presença de rebeldes armados mina a legitimidade e a soberania do Governo. Além disso, a paz só pode ser assegurada mediante a estabilização económica do país, já que esta é a questão-chave de um país em guerra civil, juntamente com a confiança entre ambas as partes. Face a estas duas condicionantes, impõe-se a necessidade de uma solução nacional (e eventualmente externa), que evite as clivagens e que dificulte a rebelião, nomeadamente uma aposta forte no desenvolvimento económico. Alcançar esse objectivo não é tarefa fácil, mas também não é impossível, segundo COLLIER et al. (2003:122-143). Esse passo implica, sobretudo, uma agenda prática para o desenvolvimento económico e uma regulamentação eficaz dos mercados, no âmbito de uma acção global. Quando o país cresce rapidamente, está já a reduzir o risco do conflito por melhorar a sua performance económica. Deve também ser dada maior atenção à reforma das instituições políticas democráticas, que podem garantir estabilidade quando um país atinge níveis médios de rendimento. Além destas, outras políticas são importantes para a reconstrução da paz, tal como o desarmamento, a desmobilização e a reintegração dos rebeldes. COLLETA (1997:4) acrescenta que é útil associar o programa de reforma macro-económica do país, principalmente a nível das despesas públicas, a um programa de reintegração. O autor explica que o reinvestimento de algumas poupanças da área militar para o desenvolvimento de uma força de defesa disciplinada e profissional, pode produzir um dividendo da paz, aumentando a segurança, fomentando a confiança e reduzindo o medo público. O que acontece por vezes, segundo COLLIER et al. (2003:161-169), é que, apesar da manutenção do exército ser cara, os governos hesitam muitas vezes em desmobilizar os combatentes, pois os soldados desmobilizados sem acesso à terra fazem aumentar substancialmente as taxas de criminalidade local. Assim, há que desenvolver esforços no sentido de garantir que estes voltem à actividade económica normal. O timing para o desarmamento e desmobilização é fundamental, pois a sua logística tem que começar imediatamente após o acordo de paz. No entanto, a reintegração é um processo complexo e longo, dificultado pelo facto de se tratar de grupos com diferentes passados, experiências, expectativas e capacidades. É fundamental ponderar também os aspectos psicológicos, na medida em que a maioria dos ex-combatentes passou por uma experiência traumática. Posto isto, COLLIER et al. (2003:160-173) consideram que o sucesso da reintegração depende essencialmente do (1) apoio que os ex-combatentes recebem da família e da comunidade (pelo que há que fortalecer a capacidade de absorção das comunidades), (2) da informação dada às forças armadas e à sociedade (para evitar rumores ou expectativas irrealistas), (3) da necessidade de informação sobre a situação socioeconómica dos ex-combatentes, nomeadamente as suas origens geográficas, a situação familiar, educação, ocupações anteriores. Uma medida específica proposta por COLLIER et al. (2003:149) é a integração das forças rebeldes no exército nacional. Essa solução garantirá emprego aos rebeldes e reduzirá os seus incentivos particulares para continuar a rebelião, embora esse tipo de medida seja mais comum quando há negociação do que quando há vitória. Em Angola, por exemplo, a tentativa de reintegrar os rebeldes no âmbito dos acordos de Lusaka em 1994 falhou, o que levou ao ressurgimento da violência em 1996. COLLETA (1997:1-21), por sua vez, sublinha que é fundamental dar inputs à reabilitação das infra-estruturas sociais na ajuda aos ex-combatentes, particularmente aos mais vulneráveis, e respectivas famílias, e destaca três elementos essenciais dos programas de desmobilização e reintegração: (1) a desmobilização deve focar o desarmamento, orientação e realocação para uma comunidade da escolha do ex-combatente; (2) a fase de reinserção, marcada pelo aprovisionamento de uma rede de segurança transitória de dinheiro e pagamentos em espécie ao longo de um período de vários meses, e (3) assistência à reintegração social e económica na forma de acesso aos bens de produção (particularmente a terra e o capital), à formação e emprego e à informação e serviços de aconselhamento. COLETA (1997:1-8) explica que a reinserção e a reintegração não são fases distintas após a desmobilização, pois fazem parte de um processo de transição da vida militar para a vida civil, sem que haja um início ou um fim claro, e distingue um conjunto de acções para um programa bem sucedido: (1) a classificação dos ex-combatentes de acordo com características, necessidades e modo de subsistência desejado; (2) a oferta de um pacote de ajuda básica transitória; (3) a distribuição da ajuda simples, com custos minimizados e com benefícios maximizados; (4) o aconselhamento, informação, formação, emprego e apoio social, em simultâneo com a sensibilização da comunidade e aproveitamento do capital social existente; (5) uma coordenação central, com implementação descentralizada; (6) uma articulação com os esforços de desenvolvimento, através de uma restruturação dos portfólios existentes. 7. O papel da diáspora As diásporas têm um peso significativo no crescimento económico de muitos PED pelas remessas que enviam do estrangeiro, bem como pelas verbas que disponibilizam para o financiamento de variadas actividades, relembra o relatório de COLLIER et al.(2003:162). CHEN (2004:28) indica que a filantropia da diáspora, que envia fundos para os seus países de origem, está a aumentar por entre os grupos hispânicos e asiáticos nos Estados Unidos, atingindo cerca de 70 a 100 mil milhões de USD por ano, quase o dobro da ajuda externa oficial dos países ricos para os pobres. COLLIER et al. (2003:162) chamam a atenção para o perigo efectivo que as diásporas podem representar para os países de origem devido ao facto definanciarem, por vezes, as organizações rebeldes, provocando a eclosão ou o prolongamento da guerra civil. Como vimos, as diásporas não sofrem as consequências da violência e não estão em contacto directo com o inimigo, o que tornará mais fácil esse financiamento. Alguns estudos mostram mesmo que estas tendem a ser mais extremistas que a própria população do seu país. Estatisticamente, as diásporas aumentam também o risco de um retorno à violência, devido à tendência de financiar organizações extremistas. BYMANet al.(2001:41) relembram que foram as comunidades de emigrantes provenientes da Argélia, do Azerbaijão, do Egipto, da Índia, da Indonésia, de Israel, Líbano, Rússia, Sri Lanka, entre vários outros, que apoiaram grupos rebeldes nesses países e instigaram a guerra, apesar de estarem a milhares de quilómetros de casa. Quanto às motivações da diáspora, BYMAN et al. (2001:55) afirmam que estas são consideravelmente diferentes das motivações dos financiadores do Estado. E prosseguem: “os Governos apoiam as insurreições por razões estratégicas; raramente o apoio a uma comunidade étnica ou religiosa é motivo para levar um regime a apoiar um movimento rebelde. As comunidades migrantes, pelo contrário, são fortemente motivadas pelo desejo de apoiar um grupo a que pertencem”, desejo esse que está associado à ideia de terra-mãe, de um passado comum, de uma experiência histórica e de uma língua partilhada. Segundo os autores, as diásporas podem ter o sentimento de culpa por estarem em situação segura enquanto os seus “irmãos” vivem um cenário de luta sangrenta e brutal, sendo o apoio financeiro e político uma forma de compensação da qual os grupos revoltosos se aproveitam. As razões ideológicas e a identificação com determinadas tendências políticas explicam também o apoio das diásporas. Ainda assim, BYMAN et al. (2001:56), COLLIER et al. (2003:74). defendem que “a tendência ideológica de uma insurreição é menos importante para as comunidades de diáspora do que a sua representação numa comunidade com aspirações políticas e militares”. Uma outra explicação para o apoio das diásporas é a coerção por parte dos seus representantes nos países de emigração, através de pressão indirecta. Nestes casos, os rebeldes têm capacidade de influenciar os trabalhadores migrantes a contribuir com parte dos seus salários para o grupo e de levar homens de negócios a fazer donativos. A ajuda financeira das diásporas é o mais comum tipo de apoio, como apontam os autores, devido à sua maior facilidade em passar fronteiras. Menos frequentemente também se verifica a pressão política sobre os Governos vizinhos inimigos para que apoiem os rebeldes, a venda de armamento nos países aliados e o apoio de peritos em determinadas áreas (programadores informáticos, demolidores, peritos militares, etc.). Destaque-se o efeito de ciclo vicioso deste processo, na medida em que as vitórias militares dos rebeldes levam à conquista de maior apoio por parte das diásporas, traduzida na obtenção de mais dinheiro para um continuado processo de rebelião interna, segundo BYMAN et al. (2001:55). Face a este problema, COLLIER et al. (2003:162) consideram que governos, doadores e comunidade em geral, podem exercer alguma influência sobre as diásporas pela forma como as recebem nos países de acolhimento e também pelas condições que impõem à sua aceitação. Estes actores devem reconhecer o potencial das diásporas na reconstrução económica, já que estas têm negócios que constituem potenciais oportunidades de comércio, têm capacidades que estão em falta nos países de origem. Os doadores podem também encorajar as diásporas a ter um papel económico construtivo nos seus países de origem, defendem COLLIER et al. (2003:162), estabelecendo ligações de negócio com as que vivem nos seus países (no caso dos doadores bilaterais) no âmbito de programas de ajuda pós-conflito, (BYMAN (2001:59-60), ou realizando fóruns de negociação e projectos que prevejam um papel explícito para as organizações de diásporas (no caso dos doadores multilaterais). Por fim, também os governos dos países anfitriões devem assumir as suas responsabilidades, assegurando que as organizações de diásporas não financiem a violência. 7 – A Influência dos Governos Hostis e das Potências Regionais Caros colegas do ISEDEF, a viragem para século XXI em África foi marcada por três questões divergentes que giram à volta do conflito, sustenta SHAW (2003:487). Em primeiro lugar, apesar da maioria dos conflitos contemporâneos ocorrerem dentro das fronteiras do país, todos passam pelo menos uma fronteira e alguns passam mesmo várias fronteiras. Em segundo lugar, a abordagem da economia política afirma que existem poderosas forças económicas por detrás das actuais guerras. Em terceiro lugar e em contradição com os pontos anteriores, há a consciência crescente de que os conflitos africanos não são todos iguais, ou seja, têm diferenças e vínculos próprios, apesar de todos eles terem uma dimensão regional. De forma genérica, a figura do Estado tem um papel fundamental no desenhar do conflito, na medida em que o financiamento de governos vizinhos hostis teve um enorme impacto na eficácia de muitas rebeliões desde o final da Guerra Fria, possibilitando o desenvolvimento das actividades militares, políticas e logísticas dos movimentos rebeldes (com vitórias rápidas e fáceis). Em determinados casos, não teve grande importância depois de 1991, segundo BYMAN et al. (2001:9), mas foi fundamental na década de 80. Os autores afirmam mesmo que “os Estados continuam a ser os mais importantes e activos apoiantes dos grupos rebeldes, fazendo-o de forma mais intensa do que as diásporas, os refugiados e outros actores não-estatais”. Quanto ao tipo de Governo que apoia as rebeliões, o apoio mais comum provem dos governos vizinhos, sendo que até os Estados pobres podem contribuir para a rebeliao, (BYMAN et al. (2001::9). Explicando as motivações dos estados apoiantes emergência do movimento e aumentar a sua capacidade de aprovisionamento de armas, treino e dinheiro, pois os requisitos logísticos para fazer uma rebelião são mínimos e modestos. BYMAN et al. (2001:32-33-34-35-36) enumeram um conjunto de razões, que justificam o interesse geoestratégico desses governos em apoiar as guerrilhas. Em primeiro lugar, a desestabilização dos países vizinhos será uma forma menos directa do que a guerra de enfraquecer e debilitar um país inimigo. Em segundo lugar, os Estados usam a rebelião para derrubar o governo rival e conseguir a mudança de regime do país, o que é particularmente difícil, pois depor um governo implica normalmente um aumento exponencial na escala e no âmbito do apoio dado, considerando as assimetrias em termos de recursos humanos e de armamento. Em terceiro lugar, um país pode decidir intervir no país vizinho para assegurar que o movimento opositor nesse país não adopta objectivos ou políticas contrárias aos seus interesses. Em quarto lugar, os Estados podem querer colaborar com os rebeldes que lutam contra o governo no poder, o qual, por sua vez, apoia outras rebeliões. Outras vezes é o Estado inimigo que decide apoiar outros grupos por vingança. Alguns Estados evitam este tipo de política externa mais agressiva com medo de retaliação. Em quinto lugar, o objectivo de segurança interna leva alguns Estados financiadores a usar rebeliões contra os próprios rebeldes do seu país ou contra outros grupos governamentais. Podem também apoiar os rebeldes para controlar os refugiados e deslocados internos no seu próprio país e para dar uma justificação externa às suas frustrações. Em sexto lugar, o prestígio de um regime pode fazer aumentar o apoio a uma rebelião, principalmente se o líder ou o regime tiverem ambições no país vizinho. Por último, BYMAN et al. (2001:39-40) apontam a pilhagem não como um objectivo do apoio a rebeldes, mas como um incentivo à sua continuidade, já que esta pode trazer benefícios materiais aos Estados, particularmente ao pessoal militar e aos políticos directamente ligados às guerrilhas. Segundo BYMAN et al. (2001:10-17), o timing do apoio dos governos hostis é também essencial quando se defronta um inimigo poderoso, uma vez que essa ajuda é mais eficaz na fase inicial ao viabilizar a criação do grupo rebelde e proporcionar a sua longevidade. De outra forma, o movimento rebelde pode ser esmagado mesmo antes de ter hipótese de se organizar e provocar danos mínimos. A influência de governos e potências regionais a nível institucional pode ser extremamente importante. Segundo BRAUER (1998:75), as instituições desempenham um papel fundamental, principalmente num contexto de guerra civil, de terrorismo interno e de corrida às armas, onde “as questões decisivas giram em redor dos incentivos oferecidos a quem os irá utilizar até ao fim, de que forma exactamente e em qual contexto institucional”\. BRAUER (1998:75) analisa o caso da África Austral, região marcadamente distinta pelas desigualdades na dimensão e na força dos seus países, havendo países de dimensão média, de dimensão pequena e dois gigantes, em termos populacionais, Congo (ex-Zaire) e África do Sul. Em termos de desenvolvimento económico, o autor destaca o “gigantismo” da África do Sul, cujo PIB é três vezes maior do que todos os membros juntos da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral62). Segundo BRAUER (1998:77), a situação distinta da África do Sul complica a cooperação e a integração regional, na medida em que é impossível “ver parceiros iguais sentados a uma mesa de negociações, quando o que é objecto de negociação envolve matérias com custos e benefícios económicos”. Esta “característica institucional”, como a designa o autor, não pode ser negligenciada quando se debate a construção e manutenção da paz na África, BRAUER (1998:75). Segundo BRAUER (1998:77), os países de dimensão média da África Austral são Angola, Malawi, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe. Segundo BRAUER (1998:77), os pequenos países são Botswana, Lesotho, Ilhas Maurícias, Namíbia, Seychelles e Swazilândia. A SADC, em inglês Southern African Development Community, é uma organização que engloba os 14 países da África Austral. O autor vai ainda mais longe ao afirmar que “as ameaças à paz, à segurança e ao desenvolvimento, estão em ascensão à medida que emergem os desafios não militares, sob a forma de endividamento a credores estrangeiros, de desequilíbrios fiscais, de grave instabilidade política em vários países e –periodicamente – de secas, com as concomitantes crises de má nutrição e de fome, e dos fluxos migratórios para as tão ansiadas zonas de pastos verdes”. 8 – A influência das grandes potências mundiais A questão da influência das grandes potências mundiais na dinâmica das guerras civis terá atingido o seu auge no contexto da Guerra Fria, numa época em que os EUA, a URSS e os respectivos aliados, apoiavam frequentemente rebeliões no mundo inteiro, como afirmam BYMAN et al. (2001:39). Nessa altura, o enfraquecimento ideológico dos governos inimigos era uma necessidade estratégica, mesmo quando o país em questão estava geograficamente afastado. Assim, dizem BYMAN et al.(2001:17), Moscovo apoiou rebeliões esquerdistas, quer directa, quer indirectamente, na Nicarágua, El Salvador, Somália, Etiópia, África do Sul, etc., enquanto os EUA apoiaram grupos anticomunistas em Angola, Nicarágua, Albânia, Laos, Tibete, entre muitos outros países. É também o caso evidente do Afeganistão. De acordo com a Enciclopédia ENCARTA (2004), a história do país nos últimos 30 anos do século XX é marcada por lutas internas entre as facções esquerdistas, ligadas ao Partido Popular Democrático do Afeganistão (PDPA) e apoiadas pela URSS, e as forças rebeldes lideradas pelas guerrilhas mujahideen e pelos Talibã-Pashtun, apoiados pelos EUA durante e após a guerra com a União Soviética. A resistência ao governo comunista de Kabul cresceu com o financiamento em armamento e dinheiro dos Estados Unidos, da Arábia Saudita, do Irão e da China. Em meados dos anos 80, os EUA gastaram centenas de milhares de dólares por ano na ajuda aos rebeldes afegãos sediados no Paquistão. Os EUA deram também aos mujahideen mísseis Stinger, capazes de derrubar os helicópteros soviéticos, que fizeram com que a guerra tivesse efeitos devastadores, apesar do moderno equipamento de que dispunham as tropas russas, apoiadas pelas forças governamentais afegãs. Mesmo após a retirada das tropas russas, os EUA continuaram a dar armamento aos mujahideen, tal como a URSS continuou a dar alimentos, gasóleo e armamento aos comunistas, alimentando a guerra civil. Um outro exemplo da influência exercida pelas potências mundiais é o caso do apoio dos EUA ao derrube do Presidente Allende e à imposição do regime do ditador chileno, Augusto Pinochet Ugarte64. A oposição ao regime de Allende sentiu-se desde o início do mandato em 1970 até ao dia em que os militares entraram no palácio presidencial e tomaram o poder, tendo Allende sido encontrado morto. Com o colapso da URSS, as potências deixaram de apoiar os movimentos ou governos com base na ideologia marxista, como afirmam BYMAN et al. (2001:39). Isto não significa, porém, que os EUA tenham deixado de apoiar grupos rebeldes por motivos estratégicos, mas sim que Washington “confia” menos nos rebeldes como instrumentos da sua política externa. Esta mudança nas motivações das rivalidades internacionais para o plano local constitui uma grande alteração desde o fim da Guerra Fria, afirmam os autores. Além disso, o desinteresse das superpotências provocou também a diminuição da escala da ajuda, ou seja, os actuais apoiantes estatais dos grupos rebeldes não têm a mesma capacidade de financiamento que os EUA ou a URSS. Se, por exemplo, os EUA deram muitos milhares de milhões de dólares aos mujahedins afegãos, o Paquistão, que foi um dos financiadores mais “generosos” na década de 90, deu, no total, apenas 10 milhões de dólares aos movimentos que quis favorecer. Mesmo assim, insistimos que essa mudança não significa que os grandes poderes actuais, principalmente os EUA, não continuem a exercer influência em determinados contextos de guerra civil por motivos meramente geoestratégicos, caros colegas. Também o caso da RDC (antigo Zaire) é ilustrativo da influência dos governos locais. Neste conflito, marcado por assassinatos ilegais, tortura e estupro de civis cometidos pelas forças de todas as partes envolvidas, morreram mais de 3 milhões de civis por fome e doença desde agosto de 1998. Apesar disso, a OXFAM INTERNACIONAL (OI) & AMNISTIA INTERNACIONAL (AI) (2003:2) afirmam que muitos países continuaram a enviar armas ao antigo Governo zairense, nomeadamente a Bélgica, China, França, Alemanha, Israel, Espanha, Reino Unido e EUA. As duas organizações afirmam também que “já foram usadas no conflito armas leves e equipamento militar, entregues pela Albânia, China, Egipto, Israel, Roménia, Eslováquia, África do Sul e outros países aos governos de Ruanda, Uganda e Zimbabwe”. Segundo a OI & AI (2003:2), a AI encontrou provas do fornecimento militar, em novembro de 2001 em Kisangani, na forma de cartuchos para metralhadoras pesadas (Coreia do Norte, China e Rússia), revólveres russos, fuzis automáticos da África do Sul, armamento antiaéreo chinês e lança granadas automáticos da Rússia, Bulgária e Eslováquia. A esta lista acrescentam-se ainda a Itália, que teráexportado armas, munição e explosivos no valor de quase 10 milhões de dólares, e o Reino Unido, que não proibiu os pilotos britânicos e as empresas aéreas de transporte de carga de fornecer armamento às forças armadas na RDC. Face a este cenário, extensível a muitos outros países, a OI & AI (2003:4) apelam a todos os governos para que controlem e limitem o fluxo e a expansão da produção de armas. As organizações sustentam que “no mínimo, (...) não devem fornecê-las em lugares onde há risco evidente de serem usadas para cometer violações de direitos humanos e das leis humanitárias internacionais”. A este propósito, a OI & AI (2003:4) relembram que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – França, Rússia, China, Reino Unido e EUA – são, por si só, responsáveis por 88% da exportação mundial de armas de guerra ou armas convencionais, as quais “contribuem de maneira regular para que ocorram graves violações dos direitos humanos”.. 9. O papel da comunidade internacional Partimos da premissa de que a comunidade internacional desempenha um papel fundamental nos PED em geral e nos países em guerra civil em particular. Mas será que a comunidade internacional tem o direito de intervir? E em que moldes deve ser feita essa intervenção? Segundo COLLIER et al. (2003:8), esta não só tem o direito moral, como tem o dever prático de intervir no sentido de prevenir e encurtar os conflitos, porque quem toma decisões sobre o início ou o fim da guerra civil ignora os enormes e adversos efeitos de dominó que a guerra provoca. Para definir a agenda de acção internacional, COLLIER et al. (2003:7) consideraram as seguintes premissas relativas à incidência do conflito. Em primeiro lugar, o facto do risco de conflito ser bem mais elevado nos países com rendimento estagnado ou em declínio. Em segundo lugar, a ideia de que se o conflito típico fosse encurtado, também a incidência global do conflito diminuiria significativamente. Por fim, o facto dos países que estão na primeira década do pós-guerra terem um risco de conflito extremamente elevado. Vários tipos de intervenção parecem destacar-se na agenda internacional: a ajuda, as políticas de cooperação, as intervenções militares, as forças de manutenção de paz, a aplicação de sanções económicas e a gestão dos recursos naturais. A ajuda em cenários de guerra associa-se necessariamente à ideia da paz como um “bem público internacional” que poderá motivar e explicar a intervenção da comunidade internacional em contextos de guerra. Desde logo, BRAUER (1998:72) sublinha que “construir e manter a paz no interior e entre os Estados- Nação é, claramente, um problema de acção colectiva”. Quanto às razões deste “bem público”, o autor lembra os benefícios daqueles que têm paz; as vantagens das relações pacíficas entre os países de dada área geográfica; a inexistência de competição ou rivalidade sobre a paz. O autor sublinha ainda que os Estados podem retirar benefícios nacionais particulares da sua contribuição para a paz. É o caso do Canadá e da Noruega que têm estatuto, reconhecimento e admiração internacionais, pelo facto de serem “amantes da paz”. Porém, por vezes, a comunidade internacional demonstra alguma impaciência face às guerras ou permanece inerte como se esse não fosse um problema seu. Além disso, alguns países fazem contribuições para a paz demasiado pequenas comparativamente às contribuições de países vizinhos ou nem sequer contribuem, pois esperam “beneficiar da paz à custa dos outros Estados-Nações”, sem ter custos . É o problema do free-rider, isto é, daqueles que aproveitam a acção dos outros, beneficiando da mesma. O problema, aponta BRAUER (1998:73) é que “se todos os Estados-Nação pensarem de maneira idêntica, a construção da paz não será empreendida; não será de todo proporcionada ou será proporcionada de forma inadequada”. Como vimos, o mundo globalizado é também perigosamente afectado pela guerra, na medida em que a crise económica, as doenças, o terrorismo, os refugiados e o próprio risco de guerra passam as fronteiras do país em conflito. Também ao nível multilateral a cooperação nem sempre é fácil. FREY (1984:144-161) aponta o problema específico das tomadas de decisão ao nível das Organizações Internacionais (OIs) e sublinha que o tipo de votação tem um forte impacto no funcionamento interno e no comportamento externo na Organização. Embora existam várias formas de votação nas OIs (unanimidade, maioria, veto, mecanismo de revelação de preferências) prevalece a regra da maioria, apesar de se provocar decisões lentas e inadequadas, porque os Estados que participam nesses organismos mostram-se relutantes em abdicar da sua soberania. MUSCAT (2002:31-32), por sua vez, explica que os mandatos originais das agências multilaterais são estabelecidos nos acordos assinados pelos países membros fundadores, pelo que a mudança ou a expansão das actividades têm que ser aprovadas unanimemente. O autor refere esta questão a propósito da adequabilidade dos mandatos dessas agências para desenvolver a “reengenharia económica e social” necessária para melhorar a eficácia dos processos de resolução de conflitos. Apesar das dificuldades sentidas e particularmente a partir de meados da década de 90, a comunidade internacional começou a desenvolver esforços no sentido de implementar políticas de cooperação. Neste âmbito, o desenvolvimento económico parece ser um vector fulcral na redução da incidência do conflito, embora devidamente direccionado para contextos de elevado risco de conflito onde os problemas e as prioridades são distintos. Porém, os elementos standard da estratégia de desenvolvimento, designadamente o acesso ao mercado, a reforma política e a ajuda, podem não ser suficientes ou até mesmo adequados para tratar o problema, como sublinham COLLIER et al. (2003:6). Em ambientes pós-guerra mais complexos, as intervenções nãomilitares, podem não conseguir assegurar a paz durante os primeiros anos. Nesses casos, a intervenção militar externa pode ser o único garante político da paz, defendem COLLIER et al. (2003:167). IGNATIEFF (2001)76 defende que se deve “apoiar a intervenção humanitária apenas quando podemos prever sucesso e com consenso em casos de violações graves”. BRITO (2002:208) discorda dessa posição ao afirmar que “é certo que as falhas da comunidade internacional em responder ao genocídio diminuem a credibilidade do sistema, mas a receita minimalista (de Ignatieff) não convence”. E a autora questiona-se: “Devemos abster-nos de intervir para tentar travar um genocídio se os regimes locais não apoiam essa acção?”. Aliás, COLLIER et al. (2003:167) afirma que as únicas intervenções militares que se revelaram eficazes empiricamente foram justamente as que apoiaram os rebeldes (indo contra os governos). Este facto mostra que o apoio militar externo pode mais facilmente derrubar um governo do que um grupo rebelde, que não possui estrategias universais, (…)! Caros colegas do ISEDEF, continuaremos este debates em ocasiões futuras, como cérebros do ISEDEF, nossa intençao é discutir teorias,paradigmas,modelos, correntes,escolas de guerras para melhor escolha do modelo que se pretende da Defesa e Segurança de Mocambique.

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