segunda-feira, 3 de agosto de 2020

MANUAL 3 DA CADEIRA DE HISTÓRIA E SISTEMAS DE PSICOLOGIA, PARA O CURSO DE PSICOLOGIA ESCOLAR, 1º ANO. ANO LECTIVO 2020/2021- ISEDEF. DOCENTE: SILVA ANLI; site:dr-anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIÃO CIENTÍFICA”; email:dr.anly1962@gmail.com CONTINUAÇÃO DO MANUAL 2 Hume apoiou a noção lockeana da combinação de ideias simples em idéias complexas, e desenvolveu e tornou mais explícita a teoria da associação. Concordou com Berkeley que o mundo material não existe para o indivíduo até ser percebido, e levou a ideia um pouco mais longe: aboliu a mente como substância, dizendo que ela, tal como a matéria, é uma qualidade secundária. A mente só é observável por meio da percepção e não passa do fluxo de ideias, sensações e lembranças. Estabeleceu uma distinção entre duas espécies de conteúdo mental: impressões e ideias. As impressões são os elementos básicos da vida mental, assemelhando-se à sensação e à percepção na terminologia de hoje. As ideias são as experiências mentais que temos na ausência de objectos estimulantes; seu equivalente moderno é a imagem. Hume não definiu impressões e ideias em termos fisiológicos, nem com referência a quaisquer estímulos externos. Ele teve o cuidado de não atribuir causas últimas às impressões. Esses conteúdos mentais diferem das ideias, não na sua fonte ou ponto de origem, mas em termos de sua força relativa. As impressões são fortes e vívidas, ao passo que as ideias são cópias fracas de impressões. Esses dois tipos de conteúdo mental podem ser simples ou complexos, e uma ideia simples se assemelha à sua impressão simples. As ideias complexas não se assemelham necessariamente a quaisquer ideias simples, visto advirem de uma combinação de várias ideias simples em algum novo padrão, que se compõe a partir dessas ideias simples por associação. Foram propostas duas leis de associação: a semelhança ou similaridade, e a contiguidade no tempo e no espaço. Quanto mais semelhantes e contíguas duas ideias, tanto mais prontamente elas se associam. A obra de Hume está situada no referencial mecanicista e dá continuidade ao desenvolvimento do empirismo e do associacionismo. Ele alegava que, assim como os astrónomos determinaram as leis e forças do universo físico a partir das quais funcionam os corpos celestes, também era possível determinar as leis do universo mental. Acreditava que as leis da associação de ideias eram a contraparte mental da lei da gravidade na física, que eram princípios universais do funcionamento da mente. Mais uma vez, vemos a noção de que ideias complexas são construídas mecanicamente, através de um amálgama de ideias simples. David Hartley (1705-1757) David Hartley, filho de um ministro religioso, preparava-se para uma carreira eclesiástica, mas voltou-se para a medicina por causa de dificuldades doutrinais. Levou uma vida calma e rotineira como médico e tornou-se filósofo autodidata. Em 1749, publicou Observations on Man, His Frame, His Duty, and Hís Expectations (Observações sobre o Homem, sua Constituição, seu Dever e suas Expectativas). Essa foi sua obra mais importante, considerada por muitos a primeira exposição sistemática da associação. Hartley é digno de nota não tanto pela originalidade de suas ideias sobre a associação quanto pela clareza e precisão com que organizou e apresentou o trabalho anterior de outros. O conceito de associação de ideias, naturalmente, não começou com Hartley, mas ele serviu ao significativo propósito de reunir as tendências anteriores de pensamento, sendo com frequência reconhecido como o fundador formal do associacionismo enquanto doutrina. A lei fundamental de associação de Hartley é a contigüidade, com a qual ele tentou explicar os processos da memória, do raciocínio, da emoção, bem como da acção voluntária involuntária. As ideias ou sensações que ocorrem juntas, de modo simultâneo ou sucessivo, se associam de tal maneira que a ocorrência de uma resulta na ocorrência da outra. Hartle também acreditava que a repetição era tão necessária quanto a contiguidade para a formação de associações. Ele concordava com Locke que todas as ideias e todo o conhecimento são derivados experiência sensorial, que não há associações inatas nem conhecimentos presentes ao nascimento. À medida que a criança cresce e acumula uma variedade de experiências sensoriais vão se estabelecendo conexões ou cadeias de associação de complexidade crescente. Assim, a pessoa alcança a idade adulta desenvolvem-se sistemas superiores de pensamento. A vida mental de ordem superior pode ser analisada ou reduzida aos elementos atómicos dos quais se formou mediante a combinação mental de associações. Hartley foi primeiro a aplicar a doutrina da associação para explicar todos os tipos de atividade mental. Assim, como outros antes dele, Hartley considerava o mundo mental em termos mecanicistas. Num aspecto, ele foi além dos objectivos dos outros empiristas e associacionistas. Apenas explicou processos psicológicos em termos mecânicos como ainda tentou explicar processos fisiológicos, que estavam em sua base, a partir desse mesmo referencial. Portanto, isso foi possivel devido aos seus estudos de medicina, que poucos de predecessores ou colegas filósofos tinham tido. Newton afirmara que os impulsos do mundo físico têm natureza vibratória. Empregou esse princípio para explicar a operação do cérebro e do sistema nervoso, e ter dito que as suas ideias “prefiguram alguns aspectos da neurofisiologia contemporânea” (Smith, 1987, p. 123). As vibrações nos nervos — que Hartley considerava sólidos, em vez de ocos, como Descartes pensara — transmitem impulsos de uma para outra parte do corpo. Essas vibrações produzem no cérebro vibrações menos intensas que Hartley considerava os equivalentes fisiológicos das ideias. A importância dessa noção para a psicologia é o facto de ser mais uma tentativa de usar o conhecimento do universo mecânico como modelo para a compreensão da natureza humana. James Mill (1773-1836). James Mill foi educado na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e foi ministro da Igreja por um curto período de tempo. Quando descobriu que ninguém conseguia entender seus sermões, deixou a Igreja da Escócia para ganhar a vida como escritor. Seus livros foram muitos e variados, e sua mais famosa obra literária é History of British (História das Índias Britânicas), que levou onze anos para terminar. Sua contribuição mais importante para a psicologia é Analysis of tbe Phenomena of the Hwnan Mmd (Análise dos Fenómenos da Mente Humana) (1829). Mill aplicou a doutrina mecanicista à mente humana com uma precisão e abrangência raras. Seu objectivo era destruir a ideia de actividades psiquicas ou subjectivas e demonstrar que a mente não passa de uma máquina. Mill acreditava que os outros empiristas, ao alegarem que a mente é semelhante a uma máquina em suas operações, não tinham ido longe o bastante. A mente é uma máquina — ela funciona do mesmo modo mecânico que um relógio — e é posta em acção por forças físicas externas, sendo dirigida por forças físicas internas. Segundo James Mill, a mente é uma entidade passiva que sofre a acção de estímulos externos. A pessoa responde a esses estímulos de modo automático e é incapaz de agir com espontaneidade. Como se vê, Mill não deu espaço algum para o livre-arbítrio. Esse ponto de vista persiste hoje nas formas de psicologia derivadas da tradição mecanicista, principalmente o comportamentalismo de B. F. Skinner. Como sugere o titulo de sua principal obra, Mill acreditava que a mente deveria ser estudada através da análise, pela redução a seus componentes elementares. Trata-se, como vimos, de uma das bases do mecanicismo. Para entender fenómenos complexos, quer no mundo mental quer no físico, sejam eles ideias ou relógios, é necessário decompô-las até chegar aos seus componentes indivisíveis. Mill escreveu que um ‘conhecimento diferencial dos elementos é indispensável para uma compreensão precisa daquilo que é composto a partir deles” (Mill, 1829, Vol. 1, p. 1). Ele sugeriu que as sensações e as ideias são os únicos tipos de elementos mentais que existem. Para a tradição empirista-associacíonista até então aceita, todo o conhecimento começa com as sensações, das quais são derivados, através do processo da associação, os complexos de ideias de ordem superior. Para Mill, a associação é uma questão de contiguidade ou concomitância e pode ser tanto simultânea como sucessiva. Mill acreditava que a mente não tem função criativa, pois a associação é um processe passivo. Em outras palavras, sensações ocorridas juntas numa certa ordem se reproduzir mecanicamente como ideias, e essas ideias acontecem na mesma ordem de suas sensaçóes correspondentes. A associação é tratada em termos mecânicos, e as ideias resultantes são apenas a continuação ou soma dos elementos individuais. John Stuart Mill (1806-1873). James Mili aceitou o argumento de Locke de que a mente humana, ao nascer, é como papel em branco, uma folha vazia que a experiência vai preencher. Quando seu filho John Stuart Mill nasceu, Mill resolveu que determinaria as experiências que iriam preencher a mente do menino, e empreendeu o que pode ser considerado o mais rigoroso exemplo de educação particular. Todos os dias, por até cinco horas, ele ensinava ao filho grego, latin álgebra, geometria, lógica, história e economia política, questionando-o repetidas vezes até que ele desse as respostas correctas. Aos três anos de idade, John Stuart Mill lia Platão no original em grego. Aos onze escreveu seu primeiro artigo académico e, aos doze, já dominava o currículo universitário padrão da época. Aos dezoito, ele descreveu a si mesmo como uma “máquina lógica” e, ai vinte e um, sofreu um grave colapso mental, com intensas sensações de depressão. Foram necessários vários anos para que recuperasse seu senso de valor pessoal. John Stuart Mill acreditava que a mente tinha um papel activo na associação de ideias. Foi funcionário da Companhia das Índias Orientais durante muitos anos, incumbido da correspondência rotineira sobre a administração inglesa da Índia. Aos vinte e quatro anos, apaixonou-se por uma bela e inteligente mulher casada, Harriet Taylor, que teria profunda influência sobre a sua obra. Quando o marido da senhora Taylor morreu, quase vinte anos depois, Mill a desposou, tendo mais tarde escrito um ensaio intitulado The Subjection o! Women (A Sujeição das Mulheres), inspirado pelas experiências conjugais de sua esposa com o primeiro marido. Mili espantava-se com o facto de as mulheres não terem direitos financeiros nem de propriedade, e comparava a situação feminina com a de outros grupos desprivilegiados. Condenava a ideia de que a esposa devesse se submeter sexualmente ao marido a pedido dele, mesmo contra a sua vontade, e de que o divórcio com base na incompatibilidade não fosse permitido. Ele sugeriu que o casamento deveria ser mais uma parceria entre iguais do que um relacionamento entre senhor e escrava (Rose, 1983). Sigmund Freud mais tarde traduziu o ensaio para o alemão e, em cartas à sua noiva, depreciou a noção da igualdade entre os sexos proposta por Mill. Freud escreveu: A posição da mulher não pode ser senão o que é: urna queridinha adorada na juventude e uma esposa amada na maturidade” (Freud, 1964, pp. 75-76). Graças aos seus escritos sobre uma variedade de tópicos, John Stuart Mill tomou-se uma figura conhecida e um influente colaborador daquilo que logo se tomaria a nova ciência da psicologia. Manifestou-se contra a posição mecanicista e atomista do pai, James Mill, que considerara a mente uma entidade inteiramente passiva, algo que apenas sofria a ação de estímulos externos. Para John Stuart Mili, a mente tinha um papel activo na associação de ideias. As ideias complexas, sugeriu ele, não são apenas uma soma decorrente da associação de ideias simples; elas são mais do que a soma das partes individuais (as ideias simples) porque assumem novas qualidades que não estavam presentes nos seus componentes mais simples. Por exemplo, a mistura de pigmentos azuis, vermelhos e verdes na proporção correcta produz o branco, que é uma qualidade inteiramente nova. Do ponto de vista dessa síntese criativa, a combinação de elementos mentais sempre gera alguma coisa nova. John Stuart Miii teve o seu pensamento influenciado pelas descobertas da ciência química, que lhe forneceu um modelo ou contexto diferente do da física, que moldara tão fortemente as idéeas de seu pai e dos primeiros empiristas e associacionistas. Os pesquisadores na área da química estavam demonstrando o conceito de síntese, segundo o qual os compostos químicos exibem atributos não identificados em suas partes ou elementos componentes. A combinação adequada de hidrogênio e oxigênio produz a água, que tem propriedades que não estão presentes em nenhum dos elementos que a compõem. Do mesmo modo, as ideias complexas surgem de combinações de ideias simples e possuem características não encontradas nesses elementos. Mill denominou sua abordagem associacionista de química mental. A segunda contribuição importante de Mill para a psicologia é o seu persuasivo argumento de que é possível ter uma ciência da psicologia. Mill fez essa afirmação numa época em que outros filósofos, notadamente Auguste Comte, negavam a possibilidade de estudar a mente em termos científicos. John Stuart Mill também propôs um campo de estudo, denominado etologia, dedicado à consideração dos factores que influenciam o desenvolvimento da personalidade humana. Contribuições do Empirismo à Psicologia Com o desenvolvimento do empirismo, os filósofos se afastaram das abordagens anteriores do conhecimento. Embora permanecessem tratando basicamente dos mesmos problemas, a sua abordagem se tomara atomista, mecanicista e positivista. Recapitulemos as ênfases do empirismo:  o papel essencial dos processos da sensação;  a análise da experiência consciente em seus elementos;  a síntese de elementos para formar experiências mentais mais complexas por meio do processo da associação;  e a concentração nos processos conscientes. O principal papel desempenhado pelo empirismo na formação da nova psicologia científica estava prestes a tornar-se evidente, e veremos que os interesses dos empiristas constituem o objecto de estudo básico da psicologia. Perto da metade do século XIX, a filosofia tinha feito tudo o que podia. A justificativa teórica de uma ciência natural do homem fora estabelecida. O que era necessário para traduzi a teoria em prática era urna abordagem experimental do objecto de estudo. E isso logo iria desenvolver sob a influência da fisiologia experimental, que forneceu os tipos de experimentação que completaram as bases para a nova psicologia. Os Métodos da Psicofisica Tudo começou com uma diferença de cinco décimos de segundo nas observações feitas por dois astrônomos. Era o ano de 1795. O astrônomo real da Inglaterra, Nevil Maskelyne percebeu que as observações feitas pelo seu assistente do tempo que uma estrela levava para passar de um ponto a outro sempre registravam um intervalo menor. Maskelyn advertiu o homem por seus repetidos erros e o alertou para que fosse mais cuidadoso. ( assistente tentou, mas as diferenças persistiram. Com o passar do tempo, elas aumentaram e cinco meses mais tarde, suas observações apresentavam uma diferença de oito décimos de segundo com relação à do astrônomo real. Por isso, o assistente foi dispensado e passou o apinhado local conhecido como a obscuridade. Nos vinte anos seguintes, o incidente foi ignorado até ser investigado por Friedri Wilhelm Bessel, astrônomo alemão há muito interessado por erros de medida. Ele suspeitou que os erros cometidos pelo assistente de Maskelyne fossem causados por diferenças individuais, por factores pessoais sobre as quais não se tem controle. Se essa suposição estives correta, raciocinou Bessel, as variações de observação seriam comuns na experiência de todos astrônomos. Ele testou sua hipótese e descobriu que ela estava correta. Os desacordos eu corriqueiros, mesmo entre os astrônomos mais experientes. Essa descoberta é importante por ter apontado para duas conclusões inexoráveis. Primeiro lugar, que a astronomia teria de levar em conta a natureza do observador humano, porque suas características pessoais podiam influenciar as observações relatadas. Em segundo, se o papel do observador humano tinha de ser considerado na astronomia, por certo seria necessário levá-lo em conta em todas as outras ciências que se apoiassem na observação. Filósofos como Locke e Berkeley discutiram a natureza subjectiva da percepção, afírman do que nem sempre há, ou nem sequer é freqüente haver, uma correspondência exacta entre a natureza de um objecto e a percepção que uma pessoa tem dele. Com a obra de Bessel, temos dados de uma ciência rigorosa, a astronomia, para ilustrar essa mesma opinião. Como consequência, esse evento obrigou a comunidade científica a focalizar o papel do observador humano e a natureza da observação para entender devidamente os resultados dos seus experimentos e as conclusões que tiravam sobre a natureza do mundo físico. Os cientistas passaram a investigar os processos psicológicos da sensação e da percepção estudando os órgãos dos sentidos e os mecanismos fisiológicos mediante os quais recebemos informações acerca do mundo. Assim que os primeiros fisiologistas começaram a estudar a sensação, a psicologia estava a um passo curto e inevitável do seu surgimento. Primeiros Avanços da Fisiologia A pesquisa fisiológica que estimulou e orientou directamente a nova psicologia foi um produto do final do século XIX. Como ocorre com todos os empreendimentos, ela teve seus antecedentes, e é instrutivo considerar esses primeiros trabalhos. A fisiologia tornou-se uma disciplina de orientação experimental na década de 1830, principalmente sob a influência do fisiologista alemão Johannes Müller (1801-1858), que defendeu a aplicação do método experimental à fisiologia. Müller tinha a prestigiosa posição de professor de anatomia e fisiologia na Universidade de Berlim, sendo um cientista fenomenalmente produtivo: publicava, em média, um artigo acadêmico a cada sete semanas, ritmo que manteve por trinta e oito anos. Uma de suas publicações mais influentes foi o Handbuch der Physiologie des Menschen (Manual de Fisiologia Humana), que resumiu a pesquisa fisiológica do período e sistematizou um vasto corpo de conhecimentos. Volumes do Handbuch publica dos entre 1833 e 1840 citavam muitos trabalhos novos, indicando a enorme expansão da pesquisa em fisiologia experimental. A necessidade de uma obra como essa reflectiu-se na rápida tradução para o inglês do primeiro volume, em 1838, e do segundo, em 1842. Müller também é importante para a fisiologia e para a psicologia por causa de sua teoria das energias específicas dos nervos. Ele propôs que a excitação ou estimulação de um dado nervo sempre produz uma sensação característica, já que cada nervo sensorial tem sua própria energia específica. Essa ideia levou a muitas pesquisas que buscavam localizar funções no sistema nervoso e delimitar mecanismos receptores sensoriais na periferia do organismo. Vários dos primeiros fisiologistas deram substanciais contribuições ao estudo das funções cerebrais. Seu trabalho é significativo para a psicologia por causa de suas descobertas de áreas especializadas do cérebro e por haverem desenvolvido métodos de pesquisa mais tarde amplamente usados pela psicologia fisiológica. Um pioneiro na investigação do comportamento reflexo foi Marshall Hall (1790-1857), um médico escocês que trabalhava em Londres. Hall observou que animais decapitados continuavam a se movimentar por algum tempo quando submetidos a formas apropriadas de estímulo. Ele concluiu que os vários níveis de comportamento dependem de partes distintas do cérebro e do sistema nervoso. Hall postulou especificamente que:  o movimento voluntário depende do cérebro;  o movimento reflexo, da medula espinhal;  o movimento involuntário, do estímulo directo da musculatura,  e o movimento respiratório, da medula. Pierre Flourens (1794-1867), professor de história natural do Colégio da Francea, em Paris, destruiu sistematicamente várias partes do cérebro e da medula espinhal e observou as consequências, concluindo que:  o cérebro controla os processos mentais superiores;  partes do mesencéfalo controlam os reflexos visuais e auditivos;  o cerebelo controla a coordenação,  e o bulbo raquidiano controla as batidas do coração, a respiração e outras funções vitais. Embora ainda sejam válidas de modo geral, as descobertas de Hall e Flourens têm, para nossos propósitos, importância secundária diante da introdução por esses pesquisadores do método de extirpação. Nessa técnica, o pesquisador tenta determinar a função de uma dada parte do cérebro removendo-a ou destruindo-a e observando as modificações resultantes no comportamento do animal. Na metade do século XIX houve a introdução de duas abordagens experimentais para o estudo do cérebro:  o método clínico.  e o uso de estímulos elétricos. O método clínico foi desenvolvido em 1861 por Paul Broca (1824-1880), cirurgião de um hospício perto de Paris. Ele fez a autópsia de um homem que durante muitos anos fora incapaz de falar inteligivelmente. O. exame revelou uma lesão na terceira convolução frontal do córtex cerebral. Broca denominou essa secção do cérebro centro da fala, mais tarde chamada, apropriadamente, área de Broca. O método clínico é um útil suplemento da extirpação, visto ser dificil conseguir sujeitos humanos que aceitem a extirpação de partes do seu cérebro. Como uma espécie de extirpação póstuma, esse método oferece a oportunidade de examinar a área danificada do cérebro, a área que se supõe ser responsável por uma condição comportamental existente antes da morte do paciente. O uso de estímulos elétricos para estudar o cérebro foi introduzido por Gustav Fritsch e Eduard Hitzig em 1870, e consiste em explorar o córtex cerebral com correntes elétricas fracas. Os dois pesquisadores descobriram que a estimulação de certas áreas corticais produzia respostas motoras. Com o desenvolvimento de equipamentos eletrónicos mais sofisticados e precisos, esse método tomou-se, provavelmente, a técnica mais produtiva no estudo de funções cerebrais. Os físiologistas estavam aprendendo muito sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro humano. Além disso, estavam sendo realizadas inúmeras pesquisas acerca da estrutura do sistema nervoso e da natureza da actividade neural. Caros estudantes do 1º ano, CURSO DE PSICOLOGIA ESCOLAR-ISEDEF, como observamos, havia duas teorias anteriores sobre o modo de transmissão da actividade nervosa no corpo: a teoria dos tubos nervosos adoptada por Descartes e a teoria das vibrações de Hartley. Perto do final do século XVIII, o pesquisador italiano Luigi Galvani (1737-1798), sugerira que a natureza dos impulsos nervosos era eléctrica e seu sobrinho, Giovanni Aldini, deu prosseguimento às suas pesquisas. Aldini “misturava a pesquisa séria com o exibicionismo. Uma das mais tenebrosas exibições de Aldini, destinada a enfatizar a eficácia da estimulação elétrica na obtenção de movimentos musculares espasmódicos, envolveu o uso das cabeças recém-cortadas de dois criminosos” (Boakes, 1984, p. 96). As pesquisas prosseguiram com tanta rapidez e com resultados tão convincentes que, na metade do século XIX, a natureza eléctrica dos impulsos nervosos já era aceita como facto. Acreditava-se que o sistema nervoso era essencialmente um condutor de impulsos elétricos e que o sistema nervoso central funcionava como uma estação distribuidora, enviando os impulsos para as fibras nervosas sensoriais ou motoras. Embora essa posição fosse um avanço diante das teorias de Descartes e de Hartley, em termos conceituais não havia muita diferença entre elas. Tanto o ponto de vista novo como antigos tinham natureza reflexa. Todos sugeriam que alguma coisa vinda do mundo exteterior (um estímulo) entrava em contacto com um órgão dos sentidos e excitava um impulso nervoso que ia até o lugar apropriado no cérebro ou no sistema nervoso central. Ali, em resposta impulso, era gerado um novo impulso, transmitido, através dos nervos motores, para produzir alguma resposta da parte do organismo. No decorrer do século XIX, a estrutura anatómica do sistema nervoso também estava sendo definida. Veio-se a compreender que as fibras nervosas se compunham, na realidade, de estruturas separadas chamadas neurónios, que de alguma maneira se uniam ou entravam em contacto em pontos denominados sinapses. Essas descobertas eram compatíveis com uma imagem mecanicista e materialista dos seres humanos. Pensava-se que o sistema nervoso, assim como a mente, era formado por estruturas atomísticas que se combinavam para gerar o produto mais complexo. Assim, o espírito do mecanismo dominava tanto a fisiologia como a filosofia do século XIX. Em nenhum lugar isso era mais pronunciado do que na Alemanha. Na década de 1840, um grupo de cientistas, muitos deles ex-alunos de Johannes Müiler, formou a Sociedade Física de Berlim. Esses cientistas, jovens na casa dos vinte anos, se comprometeram com a seguinte proposição:  todos os fenómenos, incluindo os pertinentes à matéria viva, podem ser explicados em termos físicos. O que eles esperavam fazer era relacionar ou ligar a fisiologia e a física. Seu objectivo era uma fisiologia que seguisse o espírito do mecanismo. Num gesto dramático, quatro dos jovens cientistas (incluindo Hermann von Helniholtz, a quem vamos conhecer logo) fizeram um juramento solene, assinando-o com o próprio sangue — de acordo com a lenda. O juramento afirmava que as únicas forças activas no organismo são as forças físico-químicas comuns. E assim foram encontrados os caminhos para formar o núcleo da fisiologia do século XIX:  o materialismo;  o mecanicismo;  o empirismo;  a experimentação e a medição. Os primeiros desenvolvimentos da fisiologia indicam os tipos de técnicas de pesquisa e as descobertas que sustentavam uma abordagem científica da investigação psicológica da mente. Como sugerimos, a direcção da pesquisa fisiológica influenciou a psicologia recém surgida. A questão principal é que, enquanto os filósofos preparavam o caminho para uma abordagem experimental da mente, os fisiologistas investigavam experimentalmente os mecanismos fisiológicos que estão na base dos fenómenos mentais. O próximo passo era aplicar o método experimental à própria mente. Os empiristas britânicos tinham afirmado que a sensação é a única fonte do conhecimento.O astrónomo Bessel tinha demonstrado a importância da sensação e da percepção na ciência. Os fisiologistas estavam definindo a estrutura e a função dos sentidos. Tinha chegado o momento de fazer experimentos e quantificar esse acesso para a mente, a vivência subjectiva e mentalista da sensação. Havia técnicas para investigar o corpo; a partir de então essas técnicas são desenvolvidas para explorar a mente. A psicologia experimental estava pronta para começar. Os Primórdios da Psicologia Experimental Quatro cientistas são responsáveis directos pelas primeiras aplicações do método experimental ao objecto de estudo da psicologia: Hermann von Helmholtz, Ernst Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. Os quatro eram alemães, conheciam fisiologia e estavam a par dos impressionantes desenvolvimentos da fisiologia e da ciência havidos na metade do século XIX. Por que a Alemanha? O pensamento científico progredia na maioria dos países da Europa Ocidental no século XIX, especialmente na Inglaterra, na França e na Alemanha. Nenhum país monopolizava o entusiasmo, a determinação ou o optimismo com que os instrumentos da ciência eram encarados e usados. Por que, então, a psicologia experimental começou na Alemanha, e não na Inglaterra ou na França? Havia alguma característica peculiar que fazia da ciência alemã um terreno mais propício à fecundação da nova psicologia? Embora as generalizações sejam suspeitas e se encontrem freqüentes exceções à regra, é possível sugerir que a época favoreceu a Alemanha como lugar de origem da nova psicologia. Durante um século, a história intelectual alemã preparara o caminho para uma ciência psicológica experimental. Ali, a fisiologia experimental estava firmemente estabelecida e era reconhecida num grau ainda não alcançado na França e na Inglaterra. O chamado temperamento alemão ajustava-se bem à descrição e classificação taxonómicas, cuidadosas e minuciosas, e necessárias ao trabalho em biologia, zoologia e fisiologia. A abordagem dedutiva e matemática da ciência era privilegiada na França e na Inglaterra, enquanto a Alemanha, com a sua ênfase na colecta conscienciosa e detalhada de factos observáveis, tinha adoptado uma abordagem classificatória ou indutiva. Como a ciência biológica e fisiológica não se presta a grandes generalizações a partir das quais os factos possam ser deduzidos, a biologia só foi aceita muito lentamente nas comunidades científicas da Inglaterra e da França. A Alemanha, no entanto, que se interessava pela descrição e pela categorização e acreditava nesses métodos, acolheu a biologia na sua família de ciências. Além disso, a ciência tinha para os alemães uma acepção bem ampla. Na França e na Inglaterra, a ciência era algo limitado à física e à química, que podiam ser abordadas quantitativamente. Na Alemanha, em contrapartida, a ciência incluía áreas como fonética, lingüística, história, arqueologia, estética, lógica e crítica literária. Os estudiosos franceses e ingleses eram cépticos quanto à aplicação da ciência a algo tão complexo como a mente humana. Isso não ocorria com os alemães, que partiram bem à frente, sem a restrição dos preconceitos, usando o instrumental da ciência para examinar e medir as facetas da vida mental. A Alemanha também oferecia maiores oportunidades de aprendizagem e prática das novas técnicas científicas — e, nisso, vemos a influência do factor contextual das condições econômicas vigentes. Por causa de sua situação política, a Alemanha tinha um grande número de universidades. Antes de 1870, ano em que a Alemanha se tornou uma nação unificada com um governo central, o país consistia em uma frouxa confederação de reis, ducados e cidades- Estados autónomos. Cada um desses distritos ou províncias tinha estabelecido sua própria bem- financiada universidade. Cada uma delas tinha um corpo docente extremamente bem pago e os mais avançados equipamentos científicos de laboratório. Em contraste, a Inglaterra contava, na época, com apenas duas universidades, Oxford e Cambridge, e nenhuma facilitava, encorajava ou apoiava a pesquisa científica em qualquer disciplina. Na realidade, elas se opunham ao acréscimo de novos campos de estudo ao currículo. Em 1877, Cambridge vetou um pedido de ensino de psicologia experimental, porque isso iria “insultar a religião ao pôr a alma humana num par de pratos de balança” (Hearnshaw, 1987, p. 125). A psicologia experimental só seria ensinada em Cambridge vinte anos depois, e só foi oferecida em Oxford em 1936. A única maneira de praticar ciência na Inglaterra era ser um cavalheiro-cientista, com renda própria, como Charles Darwin ou Francis Galton. A situação era semelhante na França e, nos Estados Unidos, só em 1876 passou a haver universidades dedicadas à pesquisa, com a fundação da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland. Logo, havia mais oportunidades de pesquisa científica na Alemanha do que em qualquer outro lugar. Em termos pragmáticos, era possível viver como cientista pesquisador na Alemanha, mas não na França, na Inglaterra ou nos Estados Unidos. No início do século XIX, uma onda de reformas educacionais varreu as universidades alemãs. Desenvolvia-se um novo tipo de instituição, desconhecido em outros lugares e voltada para os princípios da liberdade acadêmica e da pesquisa, envolvendo professores e alunos. Os membros do corpo docente podiam ensinar o que quisessem, sem interferência exterior, e pesquisar o que preferissem. Os alunos podiam escolher os cursos e não tinham um currículo rígido como estorvo. Essa liberdade também se estendia à consideração de novas ciências como a psicologia. Esse sentido de universidade propiciava o ambiente ideal para o florescimento da investigação científica. Os professores podiam não só fazer palestras, mas também orientar alunos em pesquisas experimentais, em laboratórios bem equipados. Em nenhum outro pais uma tal abordagem científica era promovida nessa época. O clima de reforma nas universidades germânicas também encorajou o seu desenvolvimento, o que se traduzia na oferta de mais cargos aos interessados em carreiras científicas académicas. As oportunidades de alguém se tornar um professor bem pago e respeitado eram bem maiores na Alemanha, embora permanecesse difícil chegar ao topo. O cientista universitário promissor tinha de produzir pesquisas, julgadas relevantes por especialistas no campo, pesquisas que iam além da dissertação típica de doutorado. Isso significou que a maioria das pessoas aceitas para docência universitária eram profissionais extremamente capazes. Quando esses cientistas ingressavam na comunidade universitária, era imensa a pressão feita sobre eles para que dessem contribuições ainda maiores. Embora a competição fosse intensa e as exigências grandes, o ganho que se obtinha compensava em muito o esforço. Somente os melhores tinham sucesso na ciência alemã do século XIX; o resultado foi uma série de grandes avanços em todas as ciências, incluindo a nova psicologia. Não foi uma coincidência o facto de as pessoas directamente responsáveis pelo surgimento da psicologia científica serem professores universitários alemães. Hermann von Heimholtz (1821 -1894). Helmholtz, prolífico pesquisador no campo da física e da fisiologia, foi um dos maiores cientistas do século XIX. A psicologia estava em terceiro lugar entre as áreas de suas contrbuições científicas; contudo, o seu trabalho, ao lado do de Fechner e Wundt, foi decisivo para a fundação da nova psicologia. A Vida de Helmholtz Nascido em Potsdain, Alemanha, onde seu pai era professor no Gymnasiwn (na Europa, um liceu preparatório para a universidade), Helniholtz de início foi educado em casa por causa de sua saúde delicada. Aos dezessete anos, ingressou num instituto médico de Berlim em que não se cobravam anuidades de quem se dispusesse a ser cirurgião do exército depois da graduação. Helmholtz serviu por sete anos, período durante o qual prosseguiu com seus estudos de matemática e física e publicou vários artigos. Apresentou uma tese sobre a indestrutibilidade da energia, na qual formulou matematicamente a lei da conservação da energia. Quando deixou o exército, aceitou o cargo de professor-associado de fisiologia da Universida de Knigsberg. Nos trinta anos seguintes, exerceu funções académicas no campo da fisiologia em universidades de Bonn e Heidelberg e, no da física, em Berlim. Dotado de uma tremenda energia, Helmholtz escrevia acerca de várias áreas diferentes. No curso de seu trabalho sobre a óptica fisiológica, inventou o oftalmoscópio, um aparelho para examinar a retina do olho. Seu trabalho em três volumes nessa área (Handbuch der Physiologischen Optik — Manual de Óptica Fisiolágica), publicado entre 1856 e 1866, foi tão influente e duradouro que veio a ser traduzido para o inglês sessenta anos mais tarde. Publicou-se suas pesquisas sobre problemas acústicos em 1863, na obra Sobre as Sensações Tonais, que resumia suas próprias descobertas e toda a literatura disponível na época. Ele também publicou obras sobre tópicos tão diversos quanto as pós-imagens, a acromatopsia, a escala musical arábico-persa, os movimentos oculares humanos, a formação de geleiras, axiomas geométricos e a febre do feno. Anos mais tarde, contribuiu indirectamente para a invenção da telegrafia sem fio e do rádio. No outono de 1893, quando retornava de uma viagem aos Estados Unidos que incluira uma visita à Exposição Mundial de Chicago, Helinholtz sofreu uma grave queda no navio. Menos de um ano depois, teve um derrame que o deixou semiconsciente e delirante. “Seus pensamentos vagavam confusamente”, escreveu sua esposa, “a vida real e a vida onírica, o tempo e as cenas, tudo flutuava como névoa em seu cérebro — na maior parte do tempo, ele não sabia onde estava... É como se a sua alma estivesse longe, bem distante, num belo mundo ideal, dominado apenas pela ciência e pelas leis eternas” (Koenigsberger, 1965, p. 429). Caros estudantes, vejamos agora OS PROBLEMAS DA PSICOLOGIA SENSORIAL Têm interesse para a psicologia as pesquisas de Helmholtz sobre a velocidade do impulso nervoso, e sobre a visão e a audição. Antes de sua época, pensava-se que o impulso nervoso fosse instantâneo, ou ao menos que viajasse rápido demais para ser medido. Helmholtz forneceu a primeira medida empírica da velocidade de condução ao estimular o nervo motor e o músculo correspondente da perna de uma rã, num experimento feito de modo a ser possível registrar o momento preciso da estimulação e o movimento resultante. Trabalhando com diferentes comprimentos de nervos, ele registrou o intervalo entre a estimulação do nervo próximo ao músculo e a resposta deste último, fazendo o mesmo para a estimulação mais afastada do músculo. Essas medidas lhe deram o tempo requerido para a condução, a modesta velocidade de vinte e sete centímetros por segundo. Helmholtz também realizou experimentos sobre os tempos de reação dos nervos sensoriais de sujeitos humanos, estudando o circuito completo, desde a estimulação de um órgão dos sentidos até a resposta motora resultante. As descobertas revelaram tamanhas diferenças entre os sujeitos, e para o mesmo sujeito em várias experiências, que ele abandonou a pesquisa. A demonstração de Helmholtz de que a velocidade de condução não era instantânea sugeriu que o pensamento e o movimento se seguem um ao outro com um intervalo mensurável, em vez de ocorrerem simultaneamente, como antes se pensava. Helmholtz, no entanto, só se interessava pela medida, e não pelo seu significado psicológico. Mais tarde, as implicações psicológicas de sua pesquisa foram reconhecidas por outros, que tornaram os experimentos com o tempo de reação uma proveitosa linha de investigações na nova psicologia. Sua pesquisa foi uma das primeiras indicações de que era possível fazer experimentos com um processo psicofisiológico e medi-lo. Seu trabalho sobre a visão também teve influência sobre a psicologia. Ele investigou os músculos oculares externos e o mecanismo mediante o qual os músculos oculares internos fazem a acomodação do cristalino. Além disso, ampliou uma teoria da visão cromática, publicada em 1802 por Thomas Young; essa teoria hoje é conhecida como teoria YoungHelmholtz. Não menos importante é a investigação de Helmholtz sobre a audição, isto é, a percepção de tons combinados e individuais, e a natureza da harmonia e da dissonância. Ele também formulou uma teoria da ressonância auditiva. A influência duradoura da sua obra acerca da visão e da audição é evidenciada por sua inclusão em modernos manuais de psicologia. Helniholtz não era psicólogo, nem tinha a psicologia como seu principal interesse, mas contribuiu com um amplo e importante acervo de conhecimentos para a psicologia sensorial, ajudando a fortalecer a abordagem experimental do estudo de problemas psicológicos. Ele considerava a psicologia uma disciplina independente, afim com a metafísica. A psicologia dos sentidos era para ele uma excePção por causa de sua ligação com a fisiologia. Helmholtz não estava voltado para o estabelecimento da psicologia como ciência independente, mas foi tão ampla a sua influência que ele merece ser incluido entre os que deram uma contribuição direta nesse sentido. Ernst Weber (1 795-1878) Ernst Weber, filho de um professor de teologia, nasceu em Wittenberg, Alemanha. Recebeu o seu doutorado na Universidade de Leipzig em 1815, onde também lecionou anatomia e fisiologia de 1817 até a sua aposentadoria, em 1871. Seu principal interesse de pesquisa foi a fisiologia dos órgãos sensoriais, área em que deu notáveis e duradouras contribuições. As pesquisas anteriores sobre os órgãos sensoriais tinham se limitado quase exclusivamente aos sentidos superiores da visão e da audição. O trabalho de Weber consistiu sobretudo em explorar novos campos, principalmente as sensações cutâneas e musculares. Ele merece um destaque especial por ter aplicado os métodos experimentais da fisiologia a problemas de natureza psicológica. Suas principais contribuições à psicologia são o seu trabalho sobre o limiar de dois pontos de discriminação da pele e a diferença apenas perceptível detectada pelos músculos. Seus experimentos sobre o tacto marcaram uma mudança fundamental no status do objecto de estudo da psicologia. Os vínculos com a filosofia foram, se não cortados, ao menos bastante enfraquecidos. Weber uniu a psicologia às ciências naturais e ajudou a abrir caminho para o uso da pesquisa experimental no estudo da mente. O Limiar de Dois Pontos: Uma das duas grandes contribuições de Weber à nova psicologia envolveu sua determinação experimental da precisão com que ocorre a discriminação de dois pontos da pele — a distância entre dois pontos necessária para que o indivíduo possa relatar que teve duas sensações distintas. Sem olhar o aparelho, que se assemelha a um compasso para desenho, os sujeitos são solicitados a contar se sentem um ou dois pontos da pele sendo tocados. Quando os dois pontos estão próximos um do outro, os sujeitos relatam uma clara sensação de que só um ponto foi tocado. Com o aumento da distância entre as duas fontes de estímulo, eles se mostram incertos sobre se sentem uma ou duas sensações. Por fim, é alcançada uma distância: em que os sujeitos relatam dois pontos diferentes de estimulação. Esse procedimento demonstra o limiar de dois pontos, o limiar no qual os dois pontos de estimulação podem ser distinguidos como tais. A pesquisa de Weber assinala a primeira demonstração experimental sistemática do conceito de limiar — o ponto no qual um efeito psicológico começa a ser produzido — sendo uma ideia amplamente usada desde o início psicologia até hoje. Em outras pesquisas, Weber demonstrou que esse limiar de dois pontos varia em diferentes partes do corpo do mesmo sujeito, e de um sujeito para o outro na mesma parte do corpo. Embora sua tentativa de explicar essas descobertas através da hipótese de círculos sensoriais (áreas em que a duplicidade não é percebida) já não tenha muita importância, a técnica experimental permanece significativa. Anos antes, no próprio século XIX o filósofo e educador alemão Johann Friedrich Herbart discutiu o conceito de limiar, tendo-o aplicado à consciência. Ele propós um ponto no qual ide3ias inconscientes se transformam em inconscientes. A Diferença Apenas Perceptível: A segunda grande contribuição de Weber terminou por levar à formulação da primeira lei quantitativa da psicologia. Weber desejava determinar a diferença apenas perceptível, isto é, a menor diferença entre pesos que podia ser detectada. Para fazê-lo, pedia a seus sujeitos que levantassem dois pesos, um peso-padrão e um peso de comparação, e relatassem se um parecia mais pesado do que o outro. Pequenas diferenças entre os pesos resultavam em julgamentos de identidade; grandes diferenças, em julgamentos de disparidade. No decorrer da pesquisa, Weber descobriu que a diferença apenas perceptível entre dois pesos é uma razão constante, do peso-padrão. Em outras palavras:  um peso de 41 gramas era descrito como apenas perceptivelmente diferente de um peso-padrão  de 40 gramas, o mesmo ocorrendo com um peso  de 82 gramas com relação a um peso-padrão  de 80 gramas. Weber passou então a investigar a contribuição das sensações musculares na discriminação entre pesos. Ele descobriu que os sujeitos podiam discriminar com muito maior precisão quando os pesos a ser avaliados eram levantados por eles mesmos do que quando eram colocados em suas mãos pelo pesquisador. O levantamento dos pesos envolvia sensações tácteis e musculares, enquanto a colocação dos pesos só provocava sensações tácteis. Como era possível discriminar diferenças menores entre os pesos quando estes eram levantados (à razão de como foi observado) do que quando eram colocados na mão. Weber concluiu que as sensações musculares internas tinham influência diretca sobre a capacidade de discriminação. A partir dessas experiências, Weber descobriu que a discriminação parece depender não da diferença absoluta entre dois pesos, mas de sua diferença relativa ou razão. Realizou experimentos envolvendo a discriminação visual e descobriu que a razão era menor do que nas experiências com o sentido muscular. Com base nisso, sugeriu que há uma fração constante, ou razão, para a diferença apenas perceptível entre dois estímulos, em cada um dos sentidos. As investigações de Weber mostraram que não há uma correspondência diretca entre um estímulo físico e a nossa percepção dele. Tal como Helmholtz, contudo, Weber preocupava-se com processos fisiológicos e não avaliou a significação do seu trabalho para a psicologia. O que a sua pesquisa revelou foi um modo de investigar o relacionamento entre corpo e mente, entre o estímulo e a sensação resultante. Isso representou, com efeito, um grande avanço, e só faltava que alguém percebesse o seu significado. O trabalho de Weber foi experimental no sentido mais estrito do termo. Em condições bem controladas, ele introduzia sistematicamente variações nos estímulos e registava os efeitos diferenciais na experiência que cada sujeito relatava. Seus experimentos estimularam muitas pesquisas subsequentes, servindo para focalizar a atenção de fisiologistas ulteriotes na validade e importância do experimento como meio de estudo de fenômenos psicológicos. As pesquisas de Weber na medição de limiares viriam a ter fundamental importância para a nova psicologia, e sua demonstração de que as sensações podem ser medidas influenciou virtualmente todos os aspectos da psicologia até os nossos dias. Gustav Theodor Fechner (1801-1887) Fechner foi um pensador de interesses intelectuais notavelmente diversos no decorrer de uma activa carreira de mais de setenta anos. Foi fisiologista por sete anos, físico durante quinze, psicofísico por catorze, esteticista experimental durante onze, filósofo por quarenta e lido por doze. Dentre esses empreendimentos, a obra de psicofísica foi a que lhe conferiu maior fama, embora ele não quisesse ser lembrado pela posteridade como tal. A Vida de Fechner: Fechner nasceu numa aldeia do sudeste da Alemanha onde seu pai era o ministro. Iniciou os estudos médicos na Universidade de Leipzig em 1817, onde assistiu a palestras de Weber sobre a fisiologia. Fechner permaneceu em Leipzig o resto da vida. Mesmo antes de graduar-se na escola de medicina, seu lado humanístico revelou sinais de rebelião contra o materialismo vigente em seu treinarnento científico. Com o pseudónimo de “Dr. Mises”, escreveu ensaios satíricos zombando da medicina e da ciência, o que continuou a fazer por vinte e cinco anos. Isso sugere um conflito persistente entre os dois lados de sua personalidade — o amor pela ciência e o interesse pela metafísica. Seu primeiro ensaio satírico, “Prova de que a Lua é Feita de Iodo”, atacava o hábito médico de usar o iodo como panacéia. Fechner estava claramente incomodado com a abordagem materialista e esforçava- se por estabelecer o que denominou sua “visão diurna” a de que o universo pode ser considerado da perspectiva da consciência, oposta à “visão nocturna”, a de que o universo, incluindo a consciência, consiste em matéria inerte. Completados os estudos médicos, Fechner iniciou em Leipzig uma segunda carreira em física e matemática. Nesse período, traduziu manuais de física e química do francês para o alemão. Por volta de 1830, tinha traduzido mais de doze volumes, e essa actividade lhe deu algum reconhecimento como físico. Em 1824, começou a dar aulas de física na universidade e a fazer pesquisas por conta própria. Já perto de 1840, passou a se interessar pela sensação e, ao fazer pesquisas sobre as pós-imagens visuais, provocou sérias lesões nos olhos ao observar o sol com óculos de cor. Em 1833, depois de muitos anos de árduo trabalho, Fechner conseguiu a prestigiosa nomeação de professor em Leipzig. Depois disso, caiu numa depressão que durou vários anos. Tinha dificuldades para dormir, não conseguia digerir alimentos (no entanto, não tinha fome, e o seu corpo estava quase em estado de inanição) e era extraordinariamente sensível à luz. Passava a maior parte do tempo numa sala escura, com paredes pintadas de preto, ouvindo o que sua mãe lia para ele por uma estreita abertura da porta. Queixava-se de exaustão crónica e, por algum tempo, perdeu todo o interesse pela vida. Tentou caminhar — a princípio apenas à noite, quando estava escuro, e depois à luz do dia, com os olhos vendados —, esperando combater o tédio e a depressão. Como forma de catarse, compôs alguns enigmas e poemas, incluindo um denominado “Céu de Rato”. Também experimentou urna variedade de terapias medicamentosas, entre as quais laxantes, choque elétrico, tratamentos com vapor e uma espécie de terapia de choque que envolvia a aplicação de substâncias escaldantes à pele — mas nada pôde curá-lo. A doença de Fechner pode ter tido natureza neurótica, hipótese sustentada pela maneira estranha como depois conseguiu a cura. Sua recuperação começou quando uma amiga sonhou que fizera para ele um prato condimentado à base de presunto cru, com molho de vinho do Reno e suco de limão. No dia seguinte, ela preparou a iguaria e a levou a Fechner, insistindo pata que ele comesse. Ele o fez, embora com relutância, e começou a comer quantidades cada vez maiores a cada dia, o que o fez sentir-se um tanto melhor. Sua melhora, no entanto, durou pouco. Cerca de seis meses depois, os sintomas pioraram a ponto de ele temer pela própria sanidade. “Eu tinha a clara sensação”, escreveu ele, “de que a minha mente estaria irremediavelmente perdida se eu não conseguisse conter o dilúvio de pensamentos perturbadores. Com freqüência, os assuntos mais triviais me incomodavam de tal maneira que eu muitas vezes precisava de horas, e até de dias, para me livrar dessas preocupações” (Kuntze, 1892, citado em Balance e Bringmann, 1987, p. 42). Fechner obrigou-se a manter-se ocupado em tarefas mecânicas e rotineiras como forma de terapia ocupacional, mas limitava-se a actividades que não forçassem sua mente ou seus olhos. “Eu fazia fios e bandagens”, ele escreveu, “tingia velas de sebo... enrolava fios e ajudava na cozinha, escolhendo [ lavando lentilhas, fazendo cubinhos de torrada e esmagando o pão de açúcar até conseguir açúcar em pó. Eu também descascava e cortava cenouras e nabos... mil vezes desejei morrer” (Kuntze, 1892, citado em Balance e Bringmann, 1987, p. 43). Aos poucos, muito lentamente, Fecimer voltou a se interessar pelo mundo ao seu redor, e continuou a dieta de presunto cru e temperado em molho de vinho e suco de limão. Então, teve um sonho em que aparecia o número 77. Isto o convenceu de que estaria curado em setenta e sete dias. E assim ocorreu. Sentiu-se tão bem que a sua depressão se transformou em euforia e delírios de grandeza, e chegou a afirmar que Deus o escolhera para resolver todos os enigmas do mundo. A partir dessa experiência, desenvolveu a noção do princípio de prazer que, muitos anos depois, influenciaria a obra de Sigmund Freud. Em 1844, a universidade concedeu a Fechner uma pequena pensão e ele foi oficialmente considerado inválido. Contudo, nenhum dos quarenta e três anos seguintes de sua vida ele passou sem apresentar uma importante contribuição acadêmica, e continuou a ter uma saúde excelente até a morte, aos oitenta e seis anos. O Relacionamento Quantitativo entre Mente e Corpo 22 de outubro de 1850 é uma data importante na história da psicologia. Ainda deitado em sua cama nessa manhã, Fechner repentinamente compreendeu que a lei que governa o vinculo entre a mente e o corpo poderia ser encontrada num relacionamento quantitativo entre uma sensação mental e um estímulo material. Um aumento na intensidade do estímulo, disse Fecimer, não produz o mesmo aumento na intensidade da sensação. Em vez disso, o estimulo é caracterizado por uma série geométrica, enquanto uma série aritmética caracteriza a sensação. Por exemplo, o acréscimo do som de uma sineta ao de outra que já está soando produz um aumento maior na sensação do que a adição de uma sineta a dez outras que já estejam tocando. Logo, os efeitos das intensidades do estímulo não são absolutos e sim relativos à quantidade de sensação que já existe. O que esta simples mas brilhante revelação demonstrou foi que a quantidade de sensação (a qualidade mental) depende da quantidade de estimulo (a qualidade física ou material). Para medir a mudança na sensação, temos de medir a mudança do estímulo. Logo, é possível relacionar quantitativamente os mundos mental e material. Fechner cruzou a barreira entre mente e corpo ao vinculá-los entre si empiricamente. Embora o conceito fosse claro, como traduzi-lo em bases concretas? Seria necessário medir com precisão ambas as intensidades, a subjectiva e a objectiva, a sensação mental e o estímulo fisico? Medir a intensidade física de um estímulo não era difícil, poder-se-ia registar, por exemplo, o nível de brilho ou o peso de vários objectos-estímulo. Mas como se poderia medir a sensação, a experiência consciente que os sujeitos relatam quando reagem a um estimulo? Fechner propôs duas maneiras de medir sensações. Em primeiro lugar, podemos determinar se um estimulo estã presente ou ausente, se é sentido ou não. Em segundo, podemos medir a intensidade do estímulo a partir da qual o sujeito relata a primeira sensação. Este é o limiar absoluto da sensibilidade, o ponto, em termos da intensidade do estímulo, abaixo do qual nenhuma sensação é relatada e acima do qual a pessoa tem uma sensação. Embora útil, o limiar absoluto é limitado porque só determina um valor de uma sensação, o seu nível mais baixo. Para relacionar ambas as intensidades, temos de ser capazes de especificar toda a gama de valores de estímulo e seus valores de sensação resultantes. Para consegui-lo, Fechner propôs o limiar diferencial da sensibilidade, a menor quantidade de mudança de um estímulo que produz uma mudança de sensação. Por exemplo, em quanto é preciso diminuir um peso antes de o sujeito sentir a mudança, antes de ele relatar uma diferença apenas perceptível de sensação? Para medir que peso parece ter um dado objecto (quão pesado o sujeito sente que ele é), não podemos usar a medida física do peso do objecto. Podemos, contudo, usar essa medida física como base de medida da intensidade psicológica da sensação. Em primeiro lugar, medimos em quanto o peso deve ser reduzido antes que o sujeito mal possa discriminar a diferença. Em segundo, modificamos o peso do objecto para esse valor menor e medimos novamente a amplitude do limiar diferencial. Como ambas as mudanças de peso são apenas escassamente perceptíveis, Fechner supôs que elas são subjectivamente iguais. Esse processo pode ser repetido até que o objecto mal seja percebido pelo sujeito. Se cada redução do peso é subjectivamente igual a qualquer outra, o número de vezes que o peso deve ser diminuído, o número de diferenças apenas perceptíveis, pode ser usado como medida objectiva da magnitude subjectiva da sensação. Dessa maneira, estamos medindo os valores de estímulo necessários ao surgimento de uma diferença entre duas sensações. Fechner sugeriu que, para cada modalidade sensorial, há um certo aumento relativo no estímulo que sempre produz uma modificação observável na intensidade da sensação. Assim, a sensação (a mente ou qualidade mental) e o estímulo excitante (o corpo ou qualidade material) podem ser medidos, e o relacionamento entre os dois pode ser enunciado como uma equação, a saber: S K logo R: Em que S é a magnitude da sensação, K é uma constante e R é a magnitude do estímulo. A relação é logarítmica; uma série aumenta aritmeticamente e a outra geometricamente. Fechner disse que essa noção não lhe foi sugerida pela obra de Weber, embora este também estivesse na Universidade de Leipzig, onde os dois se viam freqüentemente, e embora Weber tivesse escrito sobre o assunto uns poucos anos antes. Fechner escreveu que só tomou conhecimento da obra de Weber depois de ter iniciado a série de experimentos destinados a testar sua hipótese. Mais tarde, percebeu que o princípio a que havia dado forma matemática era essencialmente aquilo que o trabalho de Weber tinha demonstrado. Os Métodos da Psicofisica como funcionam? O resultado imediato da descoberta de Fechner foi o desenvolvimento de um programa de pesquisa no campo que ele mais tarde veio a chamar de psicofísica. (A palavra psicofísíca define-se a si mesma: é o relacionamento entre os mundos mental e material.). No curso de sua pesquisa, com seus experimentos sobre o levantamento de pesos, o brilho visual e distâncias tácteis e visuais, Fechner desenvolveu um e sistematizou dois dos três métodos fundamentais da psicofísica, usados ainda hoje:  o método do intermedio  o método dos estímulos constantes  e o método dos limites. Fecimer desenvolveu o método do erro médío (também denominado método de ajuste) em colaboração com A. W. Volkmann, professor de fisiologia da Universidade de HalIe, na Alemanha. O método consiste em fazer os sujeitos ajustarem um estímulo variável até perceberem que ele é igual a um estímulo-padrão constante. Numa série de tentativas, o valor médio da diferença entre o estímulo-padrão e o ajuste do estímulo variável pelos sujeitos representa o erro de observação. O método supõe que o nossos órgãos sensoriais estão sujeitos à variabilidade, o que nos impede de obter uma medida verdadeira. Assim sendo, obtemos um grande número de medidas aproximadas, cuja média representa a melhor aproximação do valor verdadeiro. A técnica é útil para medir o tempo de reacção, a discriminação visual e auditiva e a extensão das ilusões. Numa forma ampliada, ela é fundamental para a maioria das actuais pesquisas psicológicas. Toda vez que calculamos uma média, estamos, essencialmente, usando o método do erro médio. O método dos estímulos constantes, inicialmente denominado método dos casos certos e errados, foi criado por Karl von Vierordt, que era fisiologista, mas foi desenvolvido como instrumento de pesquisa por Fechner. Ele o usou no seu elaborado estudo do levantamento de pesos, que envolveu mais de 67.000 comparações. A técnica envolve dois estímulos constantes, tendo como alvo medir a diferença de estímulo necessária para produzir uma dada proporção de julgamentos correctos. Por exemplo, o sujeito levanta primeiro o peso padrão de 100 gramas e depois levanta um peso de comparação , digamos, 88, 92, 96, 104 ou 108 gramas. Ele deve determinar se o segundo peso é mais pesado, mais leve ou igual ao primeiro. O processo continua até que tenha sido feito um certo número de julgamentos para cada comparação. Para os pesos mais pesados, os sujeitos quase sempre fazem um julgamento de “mais pesado”, e os pesos mais leves quase sempre são julgados como “mais leves”. A partir desses dados, a diferença de estímulo (peso-padrão versus peso de comparação) é determinada para o ponto em que os sujeitos julgam correctamente “mais pesado” 75% do tempo. Algumas variações do procedimento básico tornaram a técnica útil para muitos problemas de medida ligados à determinação de limiares sensoriais. O terceiro método psicofísico de Fechner era originalmente o método das diferenças apenas perceptíveis; mais tarde foi chamado de método dos limites. A técnica, cuja origem remonta a 1700, foi formalizada em 1827 por Charles Delezenne. Weber, como observamos, também investigou diferenças apenas perceptíveis, mas o método foi desenvolvido formalmente por Fechner, em seus trabalhos sobre a visão e as sensações de temperatura. No método dos limites, são apresentados aos sujeitos dois estímulos. Um é aumentado ou diminuído até que os sujeitos relatem que detectaram uma diferença. Fechner recomendava que se iniciasse com o estímulo variável numa intensidade claramente superior à do estímulo- padrão e claramente inferior na vez seguinte. Os dados são obtidos a partir de um certo número de provas e é calculada a média das diferenças apenas perceptíveis para se determinar o limiar diferencial. Uma variação que usa um único estimulo é empregada para determinar o limiar absoluto. Fechner continuou com suas pesquisas psicofísicas por sete anos, publicando parte delas, pela primeira vez, em dois breves ensaios datados de 1858 e 1859. Em 1860, a exposição formal e completa do seu trabalho apareceu em Elemente der Psychophysik (Elementos de Psicofísica), um manual da ciência exacta das “relações funcionalmente dependentes dos mundos material e mental, físico e psicológico” (Fechner, 1860/1966, p. 7). O livro é uma das notáveis contribuições originais ao desenvolvimento da ciência psicológica. Na época, a afirmação de Fechner acerca do relacionamento quantitativo entre a intensidade do estímulo e a sensação foi considerada comparável à descoberta por Galileu das leis da alavanca e da queda dos corpos. No início do século XIX, o filósofo alemão Immanuel Kant insistia que a psicologia nunca poderia tornar-se ciência porque era impossível fazer experimentos com fenómenos e processos psicológicos, ou medi-los. Devido ao trabalho de Fechner, que de facto possibilitou medir a mente, a asserção de Kant já não podia ser levada a sério. Foi principalmente devido à pesquisa psicofísica de Fechner que Wilhelm Wundt concebeu o plano de sua psicologia experimental. Os métodos de Fechner mostraram ser aplicáveis a uma gama de problemas psicológicos muito mais ampla do que ele poderia imaginar, sendo usados ainda hoje na pesquisa psicológica, com apenas umas poucas modificações. Fechner deu à psicologia aquilo que toda disciplina que deseja ser uma ciência tem de possuir, técnicas de medida precisas e elegantes. Embora a obra de Weber precedesse a sua, todos os méritos foram conferidos a Fechner. Ele parece ter usado a obra de Weber para desenvolver suas teorias, mas fez muito mais do que simplesmente ampliá-la. Os objectivos de Weber eram limitados; ele era um fisiologista que investigava as diferenças apenas perceptíveis, e a significação mais ampla do seu trabalho lhe escapou. Fechner procurou uma asserção matemática para o relacionamento entre os mundos físico e mental. Suas brilhantes e independentes introvisões sobre a medição de sensações, e seu trabalho em que relacionava essas medidas com as dos estímulos correspondentes a essas sensações, foram necessários para que as implicações e conseqüências da obra anterior de Weber pudessem ser reconhecidas e aplicadas e assim fazer da psicologia uma ciência exacta. Caros estudantes, do CURSO DE PSICOLOGIA ESCOLAR-ISEDEF, VEJAMOS AGORA A FUNDAÇÃAO FORMAL DA NOVA CIÊNCIA DE PSICOLOGIA Em meados do século XIX, os métodos da ciência natural estavam sendo usados para investigar fenómenos puramente mentais. Haviam sido desenvolvidas técnicas, inventados aparelhos, publicados livros importantes, e foi despertado um amplo interesse. O empirismo britânico e os trabalhos no campo da astronomia acentuaram a importância dos sentidos, e os cientistas alemães estavam descrevendo como os mesmos funcionavam. O espírito positivista da época encorajou a convergência dessas duas linhas de pensamento. Faltava ainda, no entanto, alguém que as unisse, alguém que, em uma palavra, fundasse a nova ciência. Esse toque final foi dado por Wilhelni Wundt. Wundt é o fundador da psicologia como disciplina acadêmica formal, a primeira pessoa na história da psicologia a ser designada, adequada e irrestritamente, como psicólogo. Na qualidade de primeiro psicólogo, Wundt fundou o primeiro laboratório, editou a primeira revista e deu início à psicologia experimental como ciência. As áreas que ele investigou, incluindo a sensação e a percepção, a atenção, o sentimento, a reação e a associação, se tornaram capítulos básicos em manuais que ainda não haviam sido escritos. O facto de uma parte tão grande da história da psicologia depois de Wundt consistir numa oposição à sua concepção de psicologia não diminui as suas realizações e contribuições como fundador. Por que terão as honras da fundação da nova psicologia sido conferidas a Wundt e não a Fechner? Elementos de Psicofísica de Fechner foi publicada em 1860, ao menos quinze anos antes da data em que se afirma ter Wundt iniciado a psicologia. O próprio Wundt escreveu que a obra de Fechner representou a “primeira conquista” da psicologia experimental (Wundt 1888, p. 471). Há consenso entre os historiadores sobre a importância de Fechner; alguns até questionam se a psicologia poderia ter começado quando começou se não fosse pelo seu trabalho. Por que, então, a história não credita a Fechner a fundação da psicologia? A resposta está na natureza do processo de fundação. A fundação é um acto intencional e deliberado que envolve capacidades e característica que diferem das que são necessárias para as realizações científicas brilhantes. Fundar requer integração e a consideração do trabalho precedente, bem como a publicação e a promoção d material recém-organizado. “Quando todas as ideias centrais já nasceram, algum promotor apossa delas e as organiza, acrescentando tudo o mais que lhe pareça essencial, publica-as divulga-as, insiste nelas e, em resumo, ‘funda’ uma escola” (Boring, 1950, p. 194). A contribuição de Wundt para a fundação da psicologia moderna não vem tanto de alguma descoberta científica ímpar quanto de seu “heróico esforço de divulgação em favor do experrimentalismo” (O’Donnell, 1985, p. 16). Fundar é, pois, bastante distinto de originar, embora essa diferença não tenha objectivo depreciativo. Tanto originadores como fundadores são essenciais à formação de uma ciência, tão indispensáveis quanto o arquitecto e o mestre-de-obras para a construção de uma casa. Com essa distinção em mente, podemos compreender por que Fechner não é considerado o fundador da psicologia? Dito de modo simples, ele não estava tentando fundar uma nova ciência. Seu objectivo era compreender a natureza do relacionamento entre os mundos mental e material. Ele buscava demonstrar uma concepção unificada da mente e do corpo que procedia de uma especulação mística mas era dotada de base científica. Não se pode dizer que sua inovação da psicofísica teria se tomado uma disciplina de psicologia experimental caso um movimento com bases institucionais não tivesse sido fundado em seguida” (Ben-David e Coilins, 1966, p. 455). Wundt, contudo, voltou-se deliberadamente para a fundação de uma nova ciência. No prefácio à primeira edição dos seus Principies of Physiological Psychology (Princípios de Psicologia Físiológica) (1873-1874). Ele escreveu: “A obra que aqui apresento ao público é uma tentativa de delimitar um novo domínio da ciência.” Wundt estava interessado em promover a psicologia como ciência independente. Vale no entanto repetir que, embora se considere Wundt o fundador da psicologia, ele não foi o seu originador. Essa ciência emergiu, como vimos, de uma longa linha de esforços criativos. No decorrer da segunda metade do século XIX, o Zeitgeist estava pronto para a aplicação da abordagem experimental a problemas da mente. Wundt foi um rigoroso agente do que já estava se desenvolvendo, um bem-dotado promotor do inevitável contributo cientifico em PSICOLOGIA. Um Caso de Dados Distorcidos Wilhelm Wundt, na qualidade de fundador da nova ciência da psicologia, é uma das mais importantes figuras do campo. O conhecimento de sua abordagem da psicologia é vital para uma compreensão da história desta disciplina. Contudo, mais de um século depois de ele têla fundado, novos dados (ou aprimoramento de dados conhecidos) levaram alguns psicólogos a concluir que a visão aceita do sistema de Wundt estava errada. Wundt, que tinha ‘horror a ser malcompreendido e mal-interpretado”, sofreu justamente esse destino (Baldwin, 1980, p. 301). Muitos artigos publicados nas décadas de 70 e 80 fizeram essa questão, o facto de o Wundt ter descrito nos manuais e salas de aula de psicologia ter pouco em comum com a pessoa real e com as suas concepções, exemplo, Blumenthal, 1975, 1979; Leahey, 1981). Descrições da psicologia wundtiana tinham retratado suas posições de maneira imprecisa, por vezes atribuindo-lhe crenças que eram o oposto do que ele pretendia. Como puderam semelhantes erros ser cometidos com a obra de uma pessoa tão proeminente? Wundt escreveu muitos livros e artigos apresentando suas concepções sobre a natureza da psicologia. O seu sistema estava à vista de todos — de todos, é claro, que tivessem fluência em alemão e estivessem dispostos a empregar o tempo necessário ao estudo do fenomenal volume de material publicado por ele. Outros Pioneiros Europeus da Psicologia Flemiann Ebbinghaus (1850-1909) Georg Elias Müller (1850-1934) Franz Brentano (1838-1917) Cari Stumpf (1848-1936) Oswald Külpe (1862-1915) e a Escola de Würzburg. Mas por que ter todo esse trabalho? A maioria dos psicólogos não pensou ser necessário ler Wundt no original alemão, porque as suas obras mais importantes tinham sido traduzidas para o inglês por seu aluno E. B. Titchener, psicólogo inglês que passou a maior parte da carreira na Universidade . Titchener nomeara a si mesmo seguidor leal e fiel intérprete de Wundt. Proclamara que Wundt era a fonte da sua psicologia e o precursor que validava suas credenciais” (Anderson, 1980, p. 95). Portanto, chegou-se a acreditar que a abordagem psicológica de Titchener, que ele denominou estruturalismo, fosse essenciahnente uma imagem especular da obra de seu mentor Wundt. Quem conhecesse o sistema de Titchener conheceria também o de Wundt. Pesquisas ulteriores sobre os escritos de Wundt lançaram dúvidas sobre essa conclusão. Titchener não representava Wundt. Há provas sugerindo que ele alterou as posições de Wundt para fazê-las parecer compatíveis com as suas, a fim de dar credibilidade às suas próprias concepções mediante a afirmação de que elas eram coerentes com as do grande fundador da psicologia. Ao que parece, Titchener resolveu traduzir apenas as partes das publicações de Wundt que sustentassem sua própria abordagem da psicologia. Não sabemos se ele tomou uma decisão deliberada quanto a isso, mas o resultado, a apresentação distorcida do sistema psicológico de Wundt, foi o mesmo, quer Titchener tivesse ou não consciência de suas ações. A versão imprecisa e incompleta que Titchener deu do sistema de Wundt influenciou várias gerações de psicólogos, não apenas por causa da posição que Titchener alcançou na psicologia americana mas também por causa da notoriedade atingida por seu aluno E. G. Boring, que se tornou, por algum tempo, o principal historiador da psicologia. Boring afiimou que Titchener era um wundtiano na tradição de Leipzig. Embora Boring também dissesse que a obra de Titchener era “distinta da [ de Wundt” (Boring, 1950, p. 419), muitos psicólogos que aprenderam história com o livro História da Psicologia Experimental (1929, 1950), de Boring, identificaram o sistema de Titchener com o de Wundt. Em conseqüência, sucessivas gerações de estudantes receberam um perfil da psicologia wundtiana que mostrou ser mais mito do que facto, mais lenda do que verdade. Durante cem anos, professores e manuais de história da psicologia (incluindo versões anteriores deste texto) mantiveram e reforçaram o erro, dando-lhe a sanção de seu alegado conhecimento. Essa experiência oferece outro exemplo de como a mudança de dados da história pode influenciar a nossa compreensão de eventos passados. Como observamos a história não é estática nem estagnada, estando sujeita a revisões à medida que são revelados novos dados ou aprimoramentos de dados existentes. Wilhelm Wundt (1 832-1 92 O). Depois de revisar a vida de Wundt, vamos considerar sua definição de psicologia e a maneira como ela influenciou o desenvolvimento subseqüente desse campo. A Vida de Wundt Wilhelm Wundt passou seus primeiros anos em aldeias próximas a Mannheini, Alemanha, e teve uma infância marcada por uma intensa solidão. Obtinha notas ruins na escola e levou a vida de filho único; seu irmão mais velho estava no internato. Seu único amigo da mesma idade era um garoto mentalmente retardado que tinha boa natureza mas mal podia falar. O pai de Wundt era pastor e, embora ambos os pais pareçam ter sido sociáveis, as primeiras lembranças de Wundt a respeito do pai são desagradáveis. Ele se lembrava de o pai tê-lo visitado um dia na escola e de ter-lhe batido no rosto por não prestar atenção no professor. Num certo momento, a educação de Wundt esteve a cargo do assistente do seu pai, um jovem vigário por quem o menino desenvolvera uma forte afeição. Quando esse mentor foi transferido para uma cidade próxima, Wundt ficou tão deprimido que conseguiu permissão para ir viver com ele até os treze anos. Havia uma forte tradição de erudição na família Wundt, com ancestrais de renome intelectual em praticamente todas as disciplinas. Parecia, contudo, que essa impressionante linhagem não teria continuidade com o jovem Wundt. Ele passava a maior parte do tempo em devaneios, em vez de estudar, e foi reprovado no primeiro ano do Gymnasium. Não se dava bem com os colegas e era ridicularizado pelos professores. Aos poucos, no entanto, Wundt aprendeu a controlar os sonhos diurnos e até chegou a alcançar relativa popularidade. Jamais gostou da escola, mas mesmo assim desenvolveu seus interesses e capacidades intelectuais. Quando terminou o Liceu, aos dezenove anos, estava pronto para a universidade. Para ganhar a vida e estudar ciências ao mesmo tempo, Wundt resolveu ser médico. Seus estudos de medicina o levaram à Universidade de Tübingen e à Universidade de Heidelberg, onde estudou anatomia, fisiologia, física, medicina e química. (Em sua obra no campo da química, foi influenciado pelo famoso Robert Bunsen.) Gradualmente, Wundt percebeu que a prática da medicina não era do seu agrado e passou a se concentrar na fisiologia. Depois de um semestre de estudos na Universidade de Berlim com o grande fisiologista Johannes Müller, Wundt retomou a Heidelberg para receber o seu doutorado em 1855. Conseguiu o cargo de docente de fisiologia em Heidelberg, que ocupou de 1857 a 1864, e, em 1858, foi nomeado assistente de laboratório de Hermann von Helmholtz. Ele achou enfadonha a tarefa de instruir novos alunos quanto aos fundamentos do trabalho em laboratório, e se demitiu do cargo poucos anos depois. Em 1864, foi promovido a professor associado e permaneceu na Universidade de Heidelberg por mais dez anos. No curso de suas pesquisas fisiológicas em Heidelberg, Wundt começou a conceber uma psicologia que fosse uma ciência experimental e independente. Ele apresentou sua proposta inicial de uma nova ciência da psicologia num livro intitulado Beitriige zur Theofle der Sinneswahmehmung (Contribuições para a Teoria da Percepção Sensorial), que foi publicado em partes entre 1858 e 1862. Além de descrever seus próprios experimentos originais, que realizara num tosco laboratório construído em sua casa, ele exprimiu seus pontos de vista acerca dos métodos da nova psicologia. Em seu livro, Wundt também usou pela primeira vez o termo psicologia experimental. Ao lado de Elementos de Psicofísica (1860), de Fechner, o Beitrãge é com freqüência considerado o marco do nascimento literário da nova ciência. Ao Beitriige seguiu-se em 1863 Vorlesungen über die Menschen und Thierseele (Conferências sobre as Mentes dos Homens e dos Animais). Uma indicação da importância dessa publicação foi sua revisão quase trinta anos depois, com uma tradução para o inglês e repetidas reimpressões mesmo depois da morte de Wundt, em 1920. Nela, Wundt discutiu muitos problemas, como o tempo de reação e a psicofísica, que iriam ocupar a atenção dos psicólogos experimentais durante anos. A partir de 1867, Wundt ofereceu em Heidelberg um curso de psicologia fisiológica, a primeira proposta formal de um tal curso no mundo. De suas palestras surgiria um livro altamente significativo, Grundzüge der physiologischen Psychologie (Princípios de Psicologia Fisiológica), publicado em duas partes nos anos de 1873 e 1874. Foram publicadas seis edições em trinta e sete anos, e a última saiu em 1911. Sem sombra de dúvida a obra-prima de Wundt, esse livro estabeleceu firmemente a psicologia como ciência de laboratório, com suas próprias perguntas e métodos de experimentação. Durante muitos anos, as sucessivas edições desse livro serviram aos psicólogos experimentais como um repositório de informações e um regist do progresso da nova psicologia. Foi no prefácio a esse livro que Wundt formulou o seu objectivo de tentar “delimitar um novo domínio da ciência”, O termo psicologia fisiológica incluído no título pode ser enganoso. Na época, a palavra fisiológico era usada como sinónimo da palavra equivalente a experimental em alemão. Assim, Wundt ensinava e escrevia sobre psicologia experimental, e não sobre a psicologia fisiológica tal como a conhecemos hoje. Wundt iniciou a mais longa e importante fase de sua carreira em 1875, ao aceitar o cargo de professor de filosofia da Universidade de Leipzig, onde trabalhou prodigiosamente por quarenta e cinco anos. Ele montou um laboratório em Leipzig pouco depois de chegar ao cargo referido, e, em 1881, fundou a revista Philosophische Studien (Estudos Filosóficos), o órgão oficial do novo laboratório e da nova ciência. Wundt pretendera chamar a revista de Estudos Psicológicos, mas mudou de ideia, ao que parece porque já havia uma revista com esse título (embora lidasse com espiritualismo e ocultismo). Em 1906, contudo, Wundt renomeou sua revista Estudos Psicológicos. Com um manual, um laboratório e uma revista acadêmica, a psicologia estava indo muito bem. Sua fama em expansão e seu laboratório atraíam para Leipzig um grande número de alunos desejosos de trabalhar com Wundt. Entre eles havia muitos que mais tarde dariam uma valiosa contribuição à psicologia, incluindo vários americanos, a maioria dos quais voltou para os Estados Unidos e fundou laboratórios próprios. Através desses discípulos, o laboratório de Leipzig exerceu uma imensa influência sobre o desenvolvimento da psicologia moderna, servindo de modelo para os muitos laboratórios novos que estavam sendo desenvolvidos. Além dos instalados nos Estados Unidos, também foram montados laboratórios na Itália, na Rússia e no Japão por estudantes desses países que tinham ido a Leipzig estudar com Wundt. O russo foi a língua para a qual mais livros de Wundt foram traduzidos, e a fama de Wundt na Rússia levou os psicólogos de Moscovo a construir uma duplicata do seu laboratório em 1912. Outra réplica foi construída por alunos japoneses na Universidade de Tóquio em 1920, ano da morte de Wundt; mas esse laboratório foi queimado durante manifestações estudantis nos anos 60 (Blumenthal, 1985). Os alunos que acorreram a Leipzig estavam unidos em termos de perapectiva e propósito ao menos no início — e formaram a primeira escola de pensamento no âmbito da psicologia. As conferências de Wundt em Leipzig eram populares e muito freqüentadas. Numa certa época, ele contava com mais de seiscentos alunos em classe. Seu modo de agir em aula foi descrito por seu aluno E. B. Titchener numa carta escrita em 1890, pouco depois de assistir a uma conferência de Wundt pela primeira vez: Abria a porta e Wundt entrava. Todo vestido de negro, é claro, dos sapatos à gravata; uma figura magra e de ombros estreitos, ligeiramente curvada; dava a impressão de ser alto, embora eu duvide que tenha mais de 1,75c m. Ele caminhava ruidosamente — não há outro modo de dizer — pela coxia lateral até o estrado, arrastando pesadamente os pés, como se seus sapatos fossem feitos de madeira. Para mim, havia algo positivamente indigno nesse ruidoso arrastar-se, mas ninguém parecia percebê-lo. Ele chegava ao estrado e eu podia ter uma boa visão dele. Cabelos grisalhos, abundantes, excepto no topo da cabeça — que era cuidadosamente coberto por longos fios puxados dos lados. O estrado tinha uma escrivaninha comprida, suponho que para demonstrações, e, nela, um descanso de livros ajustável. Wundt fazia alguns gestos estudados — passava o indicador pela testa, arrumava os pedaços de giz — e então encarava o público com os cotovelos sobre o descanso. Curiosa atitude, que favorecia a impressão de altura. Ele começava a conferência com uma voz baixa e fraca, quase apologética; mas, depois de uma ou duas frases, durante as quais a classe ficava sentada em silêncio, surgia sua vigorosa voz de conferencista que se mantinha até o fim da aula. Era uma voz de baixo que fluía fácil e abundantemente, às vezes desprovida de tom, às vezes um pouco estridente; mas era impressionante, havendo uma certa capacidade de persuasão, uma espécie de fervor, naquela emissão que mantinha o nosso interesse e evitava toda sensação de monotonia. A conferência era feita sem que recorresse a anotações; pelo que sei, Wundt nunca olhou uma única vez para o descanso de livros, embora tivesse depositado ali, entre os cotovelos, um montículo de papel. Wundt não mantinha os braços fixos no descanso: os cotovelos ficavam assim, mas os braços e mãos moviam-se continuamente, apontando e acenando, os movimentos eram controlados e pareciam, de alguma maneira misteriosa, ser ilustrativos. Ele parava imediatamente ao soar do relógio, e se arrastava para fora, meio encurvado, tal como se arrastara para dentro. Se não fosse por esse absurdo arrastar-se, eu não sentiria senão admiração pelo seu procedimento como um todo (Baldwin, 1980, pp. 287-289). Na primeira conferência que ministrava a cada novo grupo de estudantes graduados, Wundt aparecia com uma relação de tópicos de pesquisa. Um aluno americano da Pensilvânia, James McKeen Cattell , relembra a maneira pela qual os alunos de Wundt recebiam suas tarefas (Baldwin, 1980, p. 283): “Ele trazia nas mãos uma folha com uma relação de tópicos de pesquisa e, seguindo a ordem em que estávamos enfileirados de pé, de forma alguma se admitia que sentássemos, distribuía os tópicos e as horas de trabalho.” Wundt acompanhava de perto as pesquisas de doutorado e tinha poder absoluto de aceitação ou de rejeição das dissertações. O espírito do dogmatismo científico alemão florescia abertamente no laboratório de Leipzig. Em sua vida pessoal, Wundt era calmo e modesto, e seus dias seguiam um padrão cuidadosamente controlado. (Em 1970, os diários da senhora Wundt foram descobertos, revelando muito material novo acerca da vida pessoal de Wundt; esse é outro exemplo de dados históricos recém-descobertos.). Pela manhã, Wundt trabalhava num livro ou artigo, lia teses de alunos e editava sua revista. À tarde, ia a exames ou visitava o laboratório. Cattell recordou que essas visitas se limitavam a cinco ou dez minutos. Ao que parece, apesar da sua grande fé na pesquisa experimental, “pessoalmente, ele não era de trabalhar em laboratório” (Cattell, 1928, p. 545). Depois disso, Wundt dava uma caminhada enquanto pensava em sua palestra da tarde, que costumava fazer às quatro horas. Muitas de suas noites eram dedicadas à música, à política e, ao menos em sua juventude, à preocupação com os direitos dos estudantes e dos trabalhadores. A família Wundt tinha uma boa renda, contava com criados e costumava receber convidados. Consolidados o laboratório e a revista e com uma imensa quantidade de pesquisas sob sua direcção, Wundt dirigiu suas energias para a filosofia. Entre 1880 e 1891, escreveu sobre ética, lógica e filosofia sistemática. Publicou a segunda edição dos Principios de Psicologia Fisiológíca em 1880 e a terceira em 1887, ao mesmo tempo em que continuava a mandar artigos para a Studien. Outro campo em que Wundt concentrou seu considerável talento tinha sido esboçado nas Contribuições (Beitrãge) em 1862: a criação de uma psicologia social. Perto do final do século, ele voltou a esse projecto, que culmínou nos dez volumes de sua Vdlkeipsychologie (Psicologia Cultural), publicados entre 1900 e 1920; o titulo é com freqüência traduzido de modo inipreciso como “Psicologia dos Povos”. A psicologia cultural tinha que ver com a investigação dos vários estágios do desenvolvimento mental, manifestos na linguagem, na arte, nos mitos, nos costumes sociais, na lei e na moral. As implicações dessa obra para a psicologia têm um significado maior do que o seu conteúdo; ela serviu para dividir a nova ciência da psicologia em duas partes, a experimental e a social. As funções mentais mais simples, como a sensação e a percepção, podem e têm de ser estudadas, acreditava Wundt, pela pesquisa em laboratório. Mas, segundo ele, a experimentação científica é impossível quando se trata do estudo dos processos mentais superiores com a aprendizagem e a memória, porque eles são condicionados por hábitos lingüísticos e outros aspectos do treinamento cultural. Para Wundt, os processos superiores de pensamento podiam ser estudados efectivamente mediante as abordagens não-experimentais da sociologia, da antropologia e da psicologia social. A afirmação de que as forças sociais desempenham um importante papel no desenvolvimento dos processos mentais superiores é importante, mas a conclusão de Wundt de que esses processos não podem ser estudados experimentalmente foi refutada pouco tempo depois de ele tê-la expresso, como veremos adiante nesta discussão. Wundt dedicou dez anos ao desenvolvimento da sua psicologia cultural, tendo-a considerado uma parte essencial da psicologia. Mas ela teve pouco impacto sobre a psicologia americana. Uma pesquisa cobrindo noventa anos de artigos publicados no Arnerican Joumal of Psychology demonstrou que, dentre todas as citações as publicações de Wundt, menos de 4% referiam-se à Psicologia Cultural. Em contrapartida, seus Princípios de Psicologia Fisiologica respondiam por mais de 61% das referências (Bro 1980). Por que uma obra de tal alcance, tão amplamente reconhecida na Alemanha, foi virtualmente ignorada nos Estados Unidos? Uma possibilidade é que Titchener, que levou sua versão da psicologia wundtiana para a América, a tenha considerado sem importância por ela não ser coerente com a sua própria psicologia estrutural. A produtividade de Wundt continuou sem pausa até a sua morte, em 1920. O historiador E. O. Boring (1950) observou que Wundt escreveu 53.735 páginas entre 1853 e 1920, uma produção de 2,2 páginas por dia. O Sistema de Psicologia de Wundt A psicologia de Wundt recorreu aos métodos experimentais das ciências naturais, particularmente às técnicas usadas pelos fisiologistas. Wundt adaptou esses métodos científicos de investigação aos objectivos da nova psicologia e passou a estudar o seu objecto da mesma maneira como os cientistas físicos estudavam o seu. Assim, o espírito da época no campo da fisiologia e da filosofia ajudou a moldar tanto o objecto de estudo da nova psicologia como os seus métodos de investigação. O objecto de estudo da psicologia de Wundt era, em uma palavra, a consciência. Num sentido amplo, o impacto do empirismo e do associacionismo do século XIX reflectiu-se, ao menos em parte, no sistema de Wundt. Sua concepção da consciência foi que ela inclui muitas partes ou características distintas e pode ser estudada pelo método da análise ou redução. Wundt escreveu: O primeiro passo na investigação de um facto tem de ser, por consegujnte, uma descrição dos elementos individuais.., em que ele consiste” (Diamond, 1980, p. 85). Nesse ponto, contudo, acaba a semelhança entre a abordagem de Wundt e a da maioria dos empiristas e associacionistas. Wundt não concordava com a tese de que os elementos da consciência são entidades estáticas, átomos da mente, passivamente ligados por algum processo mecânico de associação. Wundt partilhava a opinião de John Stuart Mil!, segundo a qual a consciência era mais activa na organização do seu próprio conteúdo. Portanto, o estudo dos elementos, do conteúdo ou da estrutura da consciência, feito isoladamente, só forneceria o começo da compreensão de processos psicológicos. Devido ao destaque dado à capacidade auto-organizadora da mente ou consciência, Wundt denominava seu sistema voluntarismo, que deriva da palavra volição, definida como o acto ou capacidade de desejar. Voluntarismo é um termo que se refere ao poder que a vontade tem de organizar os conteúdos da mente em processos de pensamento de nível superior. Ao contrário dos empiristas e associacionistas britânicos (e, mais tarde, de Titchener), Wundt não enfatizava os elementos em si, mas o processo de organizar activamente, ou sintetizar, esses elementos. É importante reiterar, no entanto, que, embora acentuasse o poder mental de sintetizar elementos em processos cognitivos de nível superior, Wundt reconhecia o carácter básico dos elementos da consciência. Sem os elementos, nada haveria para a mente organizar. A Natureza da Experiência Consciente Segundo Wundt, os psicólogos deveriam ocupar-se do estudo da experiência imediata, e não da mediata. A experiência mediata nos oferece informações ou conhecimento sobre coisas que não os elementos da experiência em si. Essa é a maneira usual pela qual a empregamos para adquirir conhecimento do nosso mundo. Por exemplo, quando olhamos uma flor e dizemos: “A flor é vermelha”, essa afirmação implica que o nosso interesse primordial é a flor, e não o facto de passarmos pela experiência do vermelho. A experiência imediata de olhar para a flor, contudo, não está no objecto em si, mas na experiência de uma coisa vermelha. Assim, para Wundt, a experiência imediata não sofre o viés de interpretações como descrever a experiência da cor vermelha da flor em termos do próprio objeto — a flor. Do mesmo modo, quando descrevemos nossa sensação de desconforto por causa de uma dor de dente, relatamos a nossa experiência imediata. Entretanto, se simplesmente disséssemos: “Estou com dor de dente”, estaríamos voltados para a experiência mediata. Para Wundt, são as experiências básicas (como a experiência do vermelho) que formam os estados de consciência ou os elementos mentais que a mente então organiza activamente ou sintetiza. Ele pretendia analisar a mente ou consciência até chegar em seus elementos ou partes componentes, assim como os cientistas naturalistas decompunham seu objecto de estudo, o universo material. A obra do químico russo Dimitri Mendeleev, que desenvolveu a tabela períódica de elementos químicos, endossava o objectivo de Wundt. Alguns historiadores sugeriram que Wundt pode ter estado em busca do desenvolvimento de uma “tabela periódica da mente” (Marx e Hillix, 1979, p. 67). O Método de Estudo: Introspecção como a psicologia de Wundt é a ciência da experiência consciente, o método psicológico deve envolver a observação dessa experiência. Só a pessoa que tem essa experiência pode observá-la, razão por que o método deve envolver a introspecção — o exame do próprio estado mental. Wundt a denominava percepção interior. O uso da introspecção não foi inventado por Wundt; ele remonta a Sócrates. A inovação de Wundt foi a aplicação do controle experimental preciso às condições da introspecção. Alguns críticos, no entanto, se preocupavam com a possibilidade de a contínua exposição a esse tipo de auto-observação levar os alunos à loucura (Titchener, 1921). O emprego da introspecção na psicologia veio da física, onde o método tinha sido utilizado para estudar a luz e o som, e da fisiologia, em que fora aplicado ao estudo dos órgãos dos sentidos. Por exemplo, para obter informações acerca da operação desses órgãos, o investigador aplicava um estímulo a um deles e pedia ao sujeito que relatasse a sensação produzida. Este procedimento é semelhante aos métodos da pesquisa psicofísica de Fechner. Quando comparavam dois pesos e relatavam se um deles era mais pesado, mais leve ou igua em peso ao outro, os sujeitos estavam praticando a introspecção, pois faziam um relato de suu experiências conscientes. Quando se diz “Estou com fome”, está se fazendo introspecção relatando uma observação que se fez da própria condição interior. A introspecção, ou percepção interior, tal como praticada no laboratório de Wundt em Leipzig, seguia condições experimentais estritas, que obedeciam regras explícitas:  o observador deve ser capaz de determinar quando o processo pode ser introduzido;  (2) ele deve estar num estado de prontidão ou de atenção concentrada;  (3) deve ser possível repetir a observação várias vezes;  (4) as condições experimentais devem ser passíveis de variação em termos manipulação controlada dos estímulos. Esta última condição invoca a essência do método experimental: variar as condições da situação-estímulo e observar as modificações resultantes nas experiências do sujeito. Wundt raramente usava o tipo de introspecção qualitativa em que o sujeito apenas descreve suas experiências interiores, embora essa abordagem fosse adotada por alguns de seus alunos, principalmente Titchener e Oswald Külpe. A espécie de relato introspectivo que Wundt buscava em seu laboratório tratava principalmente dos julgamentos conscientes do sujeito acerca do tamanho, da intensidade e da duração de vários estímulos físicos: os tipos de julgamentos quantitativos feitos na pesquisa psicofísica. Só um pequeno número de estudos envolvia relato de natureza subjectiva ou qualitativa, tais como o carácter agradável ou não de diferentes estímulos, a intensidade de imagens ou a qualidade de determinadas sensações. A maioria dos estudos de Wundt se baseava em medidas objectivas que envolviam sofisticados equipamentos de laboratório, e muitas dessas medidas se referiam a tempos de reacção, que podem ser registados quantitativamente. A partir dessas medidas objectivas, Wundt inferia informações acerca de elementos e processos conscientes. Os Elementos da Experiência Consciente. Tendo defmido o objecto de estudo e o método da psicologia. Wundt procurou definir o objectivo da nova ciência. De acordo com ele, o problema da psicologia era tríplice:  (1) analisar os processos conscientes até chegar aos seus elementos básicos;  (2) descobrir como esses elementos são sintetizados ou organizados;  e (3) determinar as leis de conexão que governam a sua organização. Wimdt considerava as sensações uma das duas formas elementares da experiência. As sensações são suscitadas sempre que um órgão sensorial é estimulado e os impulsos resultantes chegam ao cérebro. Ele classificou as sensações de acordo com a modalidade de sentido envolvida (visão, audição, etc.), com a intensidade e com a duração. Ele não reconhecia diferenças fundamentais entre sensações e imagens, visto que estas últimas também estão associadas com a excitação cortical. Mantendo sua orientação fisiológica Wundt supôs a existência de uma correspondência directa entre a excitação do córtex cerebral e a experiência sensorial correspondente. Ele considerava a mente e o corpo sistemas paralelos mas não interatuantes. Como a mente não depende do corpo, é possível estuda-la eficazmente em si mesma. Os sentimentos são a outra forma elementar da experiência. Wundt afirmou que as sensações e os sentimentos são aspectos simultâneos da experiência imediata. Os sentimentos são os complementos subjetivos das sensações, mas não surgem diretamente de um órgão dos sentidos. As sensações são acompanhadas por certas qualidades de sentimento e, quando se combinam para formar um estado mais complexo, geram uma qualidade de sentimento. Wundt desenvolveu uma teoria tridimensional do sentimento a partir de suas observa ções introspectivas. Trabalhando com um metrónomo (um artefato que produz “diques” audíveis a intervalos regulares), ele relatou que, ao final de uma série de diques, alguns padrões rítmicos lhe pareceram mais agradáveis ou aprazíveis que outros. Chegou à conclusão de que parte da experiência de qualquer padrão desses é um sentimento subjectivo de prazer ou desprazer. (Observe-se que esse sentimento subjectivo é um aspecto simultâneo da sensação dos diques.) Ele então sugeriu que esse estado de sentimento pode ser colocado num ponto ao longo de um contínuo que vai do agradável até o desagradável. Wundt detectou um segundo tipo de sentimento enquanto ouvia o padrão de diques, relatando ter sentido, enquanto esperava cada som sucessivo, uma ligeira tensão que era seguida por um alívio após a ocorrência esperada do dique. A partir disso, concluiu que, além de um contínuo prazer-desprazer, seus sentimentos tinham uma dimensão de tensão-alívio. Além disso, relatou um ligeiro sentimento de excitação quando a velocidade de diques era aumentada e um sentimento mais calmo quando ela era reduzida. Mediante um laborioso procedimento de paciente introdução de variações na velocidade do metrónomo e de meticulosas introspecções, registrando suas experiências conscientes imediatas (suas sensações e sentimentos), Wundt descobriu três dimensões independentes do sentimento: prazer-desprazer, tensão-relaxamento e excitação-depressão. Todo sentimento, afirmou ele, pode ser localizado em algum ponto desse espaço tridimensional. Wundt acreditava que as emoções são combinações complexas desses sentimentos elementares, e que estes podem ser descritos efetivamente através da defmição de sua posição em cada uma das três dimensões. Por conseguinte, ele reduziu as emoções a conteúdos mentais conscientes. Sua teoria dos sentimentos estimulou grande numero de pesquisas no laboratório de Leipzig e em outros laboratórios, mas não resistiu à prova do tempo. Apercepção: A Organização dos Elementos da Experiência Consciente Apesar de sua ênfase nos elementos da experiência consciente, Wundt reconhecia que, quando olhamos para objectos no mundo real, vemos uma unidade ou síntese de percepções. Por exemplo, vemos uma árvore como uma unidade, e não como cada urna das muitas e variadas sensações de brilho, matiz ou forma que os observadores num laboratório podem relatar como resultado de suas introspecções. A nossa experiência visual abrange a árvore como um todo, e não como cada um dos numerosos sentimentos e sensações elementares que podem constituir a nossa percepção da árvore. Como essa totalidade da experiência consciente é constituída ou construída a partir dos seus componentes elementares? Wundt postulou a doutrina da apercepção para explicar nossas experiências conscientes unificadas. Designou o processo real de organização dos vários elementos numa unidade como o princípio da síntese criativa ou a lei das resultantes psíquicas. As várias experiências elementares são organizadas num todo por esse processo de síntese criativa, que afirma, essencialmente, que a combinação de elementos cria novas propriedades. “Toda combinação psíquica tem características que não são de modo algum a mera soma das características dos seus elementos” (Wundt, 1896, p. 375). A partir da síntese dos componentes elementares da experiência é criado algo de novo. Poderíamos dizer, como o fazem os psicólogos da Gestalt desde 1912, que o todo é distinto da soma de suas partes. A noção de síntese criativa tem sua contraparte na química. A combinação de elementos químicos produz resultantes cujas propriedades não ocorrem nos elementos originais. A apercepção é, portanto, um processo activo. A mente não recebe de modo passivo a acção dos elementos da experiência; em vez disso, age sobre eles na síntese criativa das partes para constituir o todo. Logo, Wundt não tratou o processo da associação à maneira passiva e mecânica preferida pela maioria dos empiristas e associacionistas britânicos. Os Tópicos de Pesquisa do Laboratório de Leipzig Wundt definiu os problemas da psicologia experimental nos primeiros anos do laborató rio de Leipzig e, por alguns anos, as questões com que a nova psicologia experimental se preocupou foram as determinadas pelo trabalho feito em Leipzig. E, o que é mais importante, as extensas pesquisas ali realizadas demonstraram ser possível uma ciência psicológica com base experimental, e a obra de Wundt e seus alunos constituiu os alicerces da nova ciência. Wundt acreditava que a psicologia deveria dedicar-se de início a problemas de pesquisa já investigados e reduzidos a alguma espécie de forma empírica e quantitativa. De modo geral, ele não se ocupou de novas áreas de pesquisas, estando voltado para a ampliação e o desenvolvimento formal das pesquisas em andamento. Quase todo o trabalho produzido em seu laboratório foi publicado nos Studien. Na verdade, essa revista continha poucas pesquisas que não tivessem sido realizadas em Leipzig ou pelos alunos de Wundt, logo depois de o deixarem e tão pouco tempo depois que o seu trabalho ainda trazia a marca do mestre. Mais de cem estudos foram feitos nos primeiros vinte anos de existência do laboratório. A primeira série de estudos envolveu os aspectos psicológicos e fisiológicos da visão e da audição, e, até certo ponto, dos chamados sentidos inferiores. Problemas típicos investigados na área da sensação e da percepção visual incluíam a psicofísica da cor, o contraste de cores, a visão periférica, as pós-imagens negativas, o contraste visual, o daltonismo, a dimensão visual e as ilusões de óptica. Usaram-se métodos psicofísicos para pesquisar as sensações auditivas. Estudaram-se também as sensações tácteis, bem como o sentido de tempo (a percepção ou estimativa de intervalos de tempo de extensões variáveis). Um tópico que exigiu muita atenção do laboratório foi o tempo de reação, um tema surgido do trabalho de Bessel sobre a velocidade de reação entre os astrónomos. Essa questão já vinha sendo estudada desde o fmal do século XVIII e fora pesquisada por Helmholtz e por F. C. Donders, um fisiologista holandês. Wundt acreditava poder demonstrar experimentalmente três estágios na resposta da pessoa a um estímulo: percepção, apercepção e vontade. Dado um estímulo, o sujeito primeiro o percebe, depois o apercebe e, por fim, tem vontade de reagir a ele; dessa vontade de reagir resultam movimentos musculares. Wundt tinha a esperança de desenvolver uma cronometria da mente através da medida dos tempos dos vários processos mentais como a cognição, a discriminação e a vontade. Contudo, a promessa do método não iria se concretizar, porque em sujeitos experientes os três estágios não se manifestavam com clareza; além disso, os tempos de cada processo não eram constantes de pessoa para pessoa, nem de estudo para estudo. Os estudos sobre o tempo de reação foram suplementados por pesquisas sobre a atenção e o sentimento. Para Wundt, a atenção é a mais vívida percepção de apenas uma pequena parcela do conteúdo total da consciência, em qualquer momento dado. Isso se refere ao que se costuma denominar foco de atenção. Os estímulos sobre os quais o foco incide são os mais claramente percebidos, e são diferentes dos outros elementos presentes no campo visual. Um exemplo simples é o seu foco sobre as palavras que você está lendo agora, em comparação com o resto da página e dos outros objectos que estão em cima da mesa e que são percebidos com menos clareza. Foram feitas pesquisas sobre o alcance e a flutuação da atenção, bem como sobre sua duração. Um aluno de Wundt, Cattell, investigou a duração da atenção e descobriu que quatro, cinco ou seis unidades de material, tais como números ou palavras, podiam ser percebidas numa exposição curta. Fizeram-se estudos sobre o sentimento na tentativa de sustentar a teoria tridimensional. Wundt usou o método das comparações de pares, que requer a comparação de estímulos em função do sentimento subjectivo despertado. Outros estudos procuraram vincular mudanças corporais, como as pulsações e a respiração, a sentimentos correspondentes. Outra área de pesquisa foi a análise de associações verbais, que fora iniciada por Francis Galton (Capítulo 6). Pedia-se ao sujeito que respondesse com uma única palavra quando lhe fosse apresentada uma palavra-estímulo. Wundt começou a classificar os tipos de associações descobertos quando da apresentação de estímulos de uma só palavra para determinar a natureza de todas as associações verbais. As áreas experimentais da psicofisiologia dos sentidos, do tempo de reação, da psicofísica e da associação constituíram mais da metade de todos os trabalhos publicados nos primeiros anos da Studien (uma Revista). Wundt demonstrou um discreto interesse pela psicologia infantil e animal, mas aparentemente não fez experimentos nessas áreas, acreditando não ser possivel controlar adequadamente as condições de estudo. Caros estudantes do CURSO DE PSICOLOGIA –ISEDEFE: O acto de estabelecer o primeiro laboratório de psicologia exigia uma pessoa bem versada na fisiologia e na filosofia contemporâneas e capaz de combinar essas disciplinas de maneira efectiva. Para realizar seu objectivo de estabelecimento de uma nova ciência, Wundt teve de rejeitar o passado não científico e cortar os vínculos intelectuais entre a nova psicologia científica e a velha filosofia mental. Ao postular que o objecto de estudo da psicologia era a experiência consciente e que a psicologia era uma ciência baseada na experiência, Wundt pôde evitar discussões sobre a natureza da alma imortal e seu relacionamento com o corpo mortal. Ele disse simples e enfaticamente que a psicologia não tratava desse assunto. Essa afirmação foi um grande passo à frente. Não podemos deixar de nos maravilhar com a extraordinária energia criadora e com a perseverança de Wundt por mais de sessenta anos. Sua criação de uma psicologia experimental científica merece um grande respeito, e é a fonte de sua maior influência. Ele fundou um novo dominio da ciência, como anunciara que faria, e fez pesquisas num laboratório projetado exclusivamente para esse fim. Publicou os resultados em sua própria revista e tentou desenvolver uma teoria sistemática da mente humana. Alguns dos seus alunos fundaram outros laboratórios e deram continuidade às pesquisas com os problemas e técnicas que ele estabelecera. Assim, Wundt forneceu à psicologia todos os apetrechos de uma ciência moderna. A época, é claro, estava pronta para o movimento wundtiano, que foi o resultado natural do desenvolvimento das ciências fisiológicas, particularmente nas universidades alemãs. O facto de Wundt ter sido o ponto culminante desse movimento e não o seu criador não diminui a sua estatura. Afmal, para levar um tal movimento à sua plena realização eram necessários uma espécie de gênio e um inabalável senso de dedicação e coragem. Os resultados de seus esforços representam uma realização de importância tão fundamental que Wundt ocupa urna posição ímpar entre os psicólogos do período moderno. É digno de nota o facto de, embora disseminando-se rapidamente, a psicologia wundtiana não ter transformado de modo imediato ou completo a natureza da psicologia acadêmica na Alemanha. Durante a vida de Wundt e, na verdade, ainda em 1941 , a psicologia nas universidades alemãs permaneceu essencialinente um subcampo da filosofia. Em parte, isso decorreu do facto de alguns psicólogos e filósofos, incluindo Wundt no final de sua carreira, se oporem à separação entre psicologia e filosofia. Mas também se impôs um factor contextual mais prático: os funcionárjos do governo encarregados de prover os recursos fmanceiros às universidades alemãs não viam valor prático suficiente no novo campo da psicologia para garantir o fornecimento de dinheiro necessário ao estabelecimento de departamentos académicos independentes e laboratórios separados (Ash, 1987). Tampouco era a nova psicologia, com o seu foco nos conteúdos elementares da consciência e sua síntese, passível de pronta aplicação à solução de problemas do mundo real. Talvez tenha sido essa a razão por que a psicologia de Wundt não conseguiu popularidade no clima pragmático dos Estados Unidos. Sua psicologia era uma ciência acadêmica pura, e só pretendia ser isso; Wundt não tinha nenhum interesse em tentar aplicá-la a questões de ordem prática. Assim, apesar de sua aceitação em universidades de todo o mundo, na Alemanha a psicologia de Wundt demorou a se desenvolver como ciência distinta. Por volta de 1910, dez anos antes da morte de Wundt, a psicologia alemã tinha três revistas e vários manuais e laboratórios de pesquisa, mas só havia quatro acadêmicos presentes nos registos oficiais como psicólogos, e não como filósofos. Em 1925, na Alemanha, só vinte e cinco pessoas se diziam psicólogos, e apenas catorze entre as vinte e três universidades tinham institutos ou departamentos de psicologia (Turner, 1982). Ao mesmo tempo, havia muito mais psicólogos e departamentos de psicologia nos Estados Unidos, bem como diversas aplicações do conhecimento psicológico e suas técnicas a questões práticas. Mas também esses desenvolvimentos devem sua origem à psicologia de Wundt. A posição do mestre alemão, como a de qualquer inovador, esteve sujeita a criticas que enfocavam muitos pontos do seu sistema e de sua técnica experimental de introspecção. Por exemplo, quando a introspecção feita por diferentes pessoas apresenta resultados distintos, como decidir quem tem razão? Experimentos que usam a introspecção não garantem o acordo entre os pesquisadores, pois a observação introspectiva é uma experiência particular. Em consequência, não é possível resolver desacordos por meio da repetição de observações. Pensava-se, no entanto, que observadores com mais treinamento e experiência poderiam aperfeiçoar o método. Durante o tempo de vida de Wundt, foi difícil criticar o seu sistema, principalmente porque ele escrevia muito e com rapidez. Quando um critico conseguia preparar um ataque sobre um ponto especifico, Wundt já tinha modificado sua argumentação numa nova edição de um livro, ou estava escrevendo sobre um assunto totalmente diferente. Os oponentes ficavam para trás, soterrados sob os volumes contendo as detalhadas e complexas descobertas de pesquisa. Além disso, como se assemelhavam a esquemas classificatórios, as teorias wundtianas tendiam a ser pouco coesas e de verificação quase impossível. Não há um centro vital em seu programa, nenhum ponto em que um critico pudesse prejudicar sua credibilidade ou desarticular o seu sistema de um único golpe. A posição de Wundt não é um tópico de discussão activa da psicologia contemporânea já há anos. Como observou um historiador, “o rápido declínio da psicologia wundtiana entre as guerras mundiais (1918-1939) foi impressionante. O imenso corpo de pesquisa e escritos de Wundt praticamente desapareceu no mundo de língua inglesa” (Blumenthal, 1985, p. 44), e também não teve melhor destino no mundo germânico. Durante a vida de Wundt, surgiram na Europa duas outras escolas de pensamento que lançariam uma sombra sobre suas concepções: a psicologia da Gestalt, na Alemanha, e a psicanálise, na Áustria. Nos Estados Unidos, duas concepções, o funcionalismo e o comportamentalismo, eclipsaram a abordagem wundtiana. Também se sugeriu que factores económicos e políticos, mais uma vez, forças contextuais — contribuíram para o desaparecimento do sistema de Wundtna Alemanha (Blumenthal, 1985). O colapso da economia, depois da derrota da alemã na Primeira Guerra Mundial, deixou as universidades do pais financeiramente arruinadas. A Universidade de Leipzig nem sequer tinha dinheiro para comprar exemplares dos últimos livros de Wundt para a biblioteca. O laboratório de Wundt, onde ele havia treinado a primeira geração de psicólogos, foi destruído num bombardeio anglo-americano em 4 de dezembro de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. Assim, a natureza, o conteúdo, a forma — e até o lar — da psicologia wundtiana se perderam para sempre. As monumentais realizações de Wundt não são diminuídas por essa perda nem pelo facto de boa parte da história da psicologia pós—Wundt consistir numa rebelião contra algumas das limitações que ele impôs ao campo. Com efeito, essa rebelião pode aumentar a sua grandeza. Todo movimento de avanço precisa ter algo contra que se firmar e, dessa maneira, Wilhelm Wundt forneceu um atraente e magnífico começo à moderna psicologia experimental. Outros Pioneiros Europeus da Psicologia O monopólio de Wundt sobre a nova psicologia durou apenas um breve tempo. A ciência psicológica também começava a florescer em outros laboratórios alemães. Embora Wundt tenha sido sem dúvida o mais importante organizador e sistematizador dos primórdios da psicologia, outros também influenciaram o desenvolvimento da nova ciência. Esses primeiros psicólogos não-wundtianos tinham pontos de vista distintos entre si, mas todos estavam voltados para o empreendimento comum de fazer avançar a psicologia como ciência. Seus esforços, ao lado dos de Wundt, fizeram da Alemanha o centro indiscutível do movimento. Aconteciam no entanto, na Inglaterra, trabalhos que iriam dar à psicologia um tema e uma direção inteiramente diferentes. Charles Darwin propunha a teoria da evolução, e Francis Galton começara a trabalhar na psicologia das diferenças individuais. Essas ideias iriam influenciar o progresso da psicologia nos Estados Unidos, muito mais do que a obra de Wundt. Por outro lado, os primeiros psicólogos americanos, a maioria dos quais estudara com Wundt em Leipzig, tinham voltado para casa e tomaram a psicologia wundtiana uma ciência peculiarmente americana em termos de forma e temperamento. Pouco depois de sua fundação por Wundt, a psicologia se dividiu em facções. Embora ele tivesse delimitado o campo, sua abordagem da psicologia cedo se tomou urna entre muitas. Passemos à discussão dos contemporâneos de Wundt na Alemanha. Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Poucos anos depois de Wundt ter afirmado não ser possível fazer experimentos com os processos mentais superiores, um psicólogo então desconhecido, trabalhando sozinho e longe de qualquer centro de psicologia, começou a fazer bem-sucedidos experimentos com esses processos. Hermann Ebbinghaus tornou-se o primeiro psicólogo a pesquisar experimentalmente a aprendizagem e a memória. Ao fazê-lo, não apenas opôs-se a Wundt como modificou a maneira pela qual a associação ou a aprendizagem podiam ser examinadas. Antes de Ebbinghaus, notadamente no trabalho dos empiristas e associacionistas britânicos, o modo costumeiro de estudar a associação consistia em trabalhar com associações já formadas. Num certo sentido, o investigador trabalhava retrospectivamente, tentando determinar como os vínculos tinham sido estabelecidos. Ebbinghaus teve um ponto de partida diferente: o desenvolvimento das associações. Assim, foi possível controlar as condições nas quais as associações se formavam e, portanto, tornar mais objectivo o estudo da aprendizagem. Aceita como uma das grandes manifestações de um gênio origmal na psicologia experimental, a pesquisa feita por Ebbinghaus acerca da aprendizagem e do esquecimento foi a primeira incursão numa área de problemas verdadeiramente psicológicos, área que não era parte da fisiologia, ao contrário do que ocorrera com a maioria das pesquisas de Wundt. Por essa razão, a obra de Ebbinghaus ampliou consideravelmente o alcance da psicologia experimental. Nascido perto de Bonn, Alemanha, em 1850, Ebbinghaus fez seus estudos universitários primeiro na Universidade de Bonn e, mais tarde, nas de Halle e de Berlim. No curso do seu treinamento acadêmico, seus interesses passaram da história e da literatura para a filosofia, na qual se graduou em 1873, depois de prestar o serviço militar durante a Guerra Franco- Prussiana. Permaneceu sete anos como aluno independente na Inglaterra e na França, onde voltou a mudar de interesses, inclinando-se desta vez para a ciência. Por volta de 1876, três anos antes de Wundt ter montado seu laboratório, Ebbinghaus comprou um exemplar de segunda mão do Elements Psychophysis (Elementos de Psícofísica), de Fechner, numa livraria de Londres. Esse encontro casual o influenciou, à nova psicologia, de modo profundo. A abordagem matemática de Fechner para o estudo dos fenómenos psicológicos. Mediante os seus estudos sobre a aprendizagem e a memória, Hermann Ebbmghaus ampliou o alcance da psicologia experimental. estimulante revelação para o jovem Ebbinghaus, que resolveu fazer pelo estudo da memória o que Fechner tinha feito pela psicofisica, usando medidas rígidas e sistemáticas. Ele desejava aplicar o método experimental aos processos mentais superiores e decidiu, provavelmente devido à influência dos associacionistas britânicos, fazer a tentativa no campo da memória. Examinemos o ousado curso de acção de Ebbinghaus à luz do problema por ele escolhido e de sua própria situação. A aprendizagem e a memória nunca tinham sido estudadas experimentalmente. Na verdade, o eminente psicólogo Wilhelm Wundt dissera que isso era impossível. Além disso, Ebbinghaus não tinha um cargo acadêmico, nenhum ambiente universitário onde efectuar seu trabalho, nenhum professor nem laboratório. E, no entanto, ele realizou sozinho, por um período de cinco anos, uma série de estudos cuidadosamente controlados e minuciosos, usando a si mesmo como sujeito. Para a medida básica da aprendizagem, ele adaptou uma técnica dos associacionistas, que destacava o princípio da frequência de associações como condição da recordação. Ebbinghaus raciocinou que a dificuldade do material de aprendizagem poderia ser medida pela contagem do número de repetições necessárias para que se conseguisse uma perfeita reprodução desse material. Este é outro exemplo da influência de Fecbner, que media as sensações indirectamente, através da medida da intensidade do estímulo necessário à produção de uma diferença apenas perceptível na sensação. Ebbinghaus abordou o problema da medição da memória de um modo indirecto semelhante, contando o número de tentativas ou de repetições necessário à aprendizagem do material. Ebbinghaus usava listas de sílabas semelhantes mas não idênticas como material a ser aprendido e repetia a tarefa frequentemente para ter certeza da precisão dos resultados. Assim, podia cancelar erros variáveis de tentativa para tentativa e tirar a média. Ebbinghaus foi tão sistemático em sua experiência que até regulou seus hábitos pessoais, mantendo-os dentro da maior constância possível e seguindo uma rotina rígida, para aprender o material sempre no mesmo horário todos os dias. Quanto ao objecto de estudo de sua pesquisa — o material a ser aprendido —, Ebbinghaus inventou a série de sílabas hoje conhecidas como sílabas sem sentído, que revolucionaram o estudo da aprendizagem. E. B. Titchener mais tarde comentou que o uso dessas sílabas marcou o primeiro avanço significativo da área, desde Aristóteles. Ebbínghaus reconheceu uma dificuldade inerente ao uso da prosa ou da poesia como materiais de estímulo: Os significados ou associações já estão associados às palavras por aqueles que conhecem a língua. Essas associações existentes podem facilitar a aprendizagem do material e, como já estão presentes quando o experimento é feito, não podem ser controladas pelo pesquisador. Ele procurou um material que fosse uniformemente não associado, completamente homogêneo e igualmente desconhecido, um material com o qual só houvesse bem poucas associações passadas. Suas sílabas sem sentido, em geral formadas por duas consoantes com uma vogal no meio (como lef, bok ou yat), satisfaziam esses critérios. Ele escreveu todas as combinações possíveis de consoantes e vogais em cartões, gerando 2.300 sílabas das quais retirava ao acaso aquelas a serem aprendidas. Novos dados históricos, fornecidos por um psicólogo alemão que leu cuidadosamente as notas de rodapé das obras publicadas de Ebbinghaus, e o livro de exercícios de um dos conjuntos experimentais, e que comparou a tradução inglesa com as palavras de Ebbinghaus em alemão, deram uma nova interpretação ao nosso entendimento das sílabas sem sentido (Gundlach, 1986). Ele descobriu que elas não eram necessariamente sem sentido, nem se limitavam a três letras. Essa meticulosa investigação dos dados da história — nesse caso, os próprios escritos de Ebbinghaus — revelou que algumas de suas sílabas tinham quatro, cinco ou seis letras. E, o que é mais importante, o que Ebbinghaus denominou “série sem sentido de sílabas” como objecto de estudo de suas pesquisas foi traduzido incorrectamente para o inglês como uma “série de sílabas sem sentido”. Para Ebbinghaus, não eram as sílabas individuais que não deviam ter sentido (embora muitas delas não tivessem), mas toda a série de sílabas. Ou seja, a própria lista de sílabas foi construída para não ter sentido nem interconexões. Essa nova perspectiva dos escritos de Ebbinghaus também revelou que ele dominava o inglês, o francês e o alemão, tendo ainda estudado latim e grego. “Ele teria tido uma enorme dificuldade, não há dúvida, para construir qualquer sílaba que lhe parecesse sem sentido. O vão esforço por obter a sílaba definitivamente sem sentido e inteiramente livre de associações é o empreendimento de alguns dos seus seguidores” (Gundlach, 1986, pp. 469-470). Ebbinghaus planeou alguns experimentos usando sua série sem sentido de sílabas para determinar a influência de várias condições sobre a aprendizagem e a retenção. Um desses estudos investigou a diferença entre sua velocidade de memorizar as listas de sílabas e sua velocidade de memorizar materiais mais significativos. Para determinar essa diferença, ele memorizou estrofes do “Don Juan” de l3yron. Cada estrofe tem oitenta sílabas, e Ebbinghaus verificou que eram necessárias cerca de nove leituras para memorizar cada estrofe. Em seguida, memorizou uma lista de oitenta de suas sílabas sem sentido e descobriu que a tarefa exigia quase oitenta repetições. Concluiu que o material sem sentido ou desprovido de associações apresenta uma dificuldade nove vezes maior de aprendizagem do que o material significativo. Ele também estudou o efeito da extensão do material a ser aprendido sobre o número de repetições necessário para uma perfeita reprodução. Concluiu que o material mais extenso requer mais repetições e, em conseqüência, mais tempo de aprendizagem. Descobriu que o tempo médio necessário à memorização de uma sílaba aumentava quando era aumentado o número de sílabas a serem aprendidas. Esses resultados são mais ou menos previsíveis: quanto mais temos a aprender, tanto mais tempo levamos para fazê-lo. Mas a importância do trabalho de Ebbinghaus é o cuidadoso controle das condições experimentais, a análise quantitativa dos dados e a descoberta de que tanto o tempo total de aprendizagem como o tempo por sílaba aumentam com listas mais extensas de sílabas. Ebbinghaus estudou outras variáveis que se pensava influenciarem a aprendizagem e a memória, tais como o efeito da ultra-aprendizagem (a repetição das listas mais vezes do que o necessário para uma perfeita reprodução), as associações próximas e remotas dentro das próprias listas, a aprendizagem repetida ou recapitulação, e a influência do tempo entre a aprendizagem e a recordação. Suas pesquisas sobre o efeito do tempo produziram a famosa curva de esquecimento de Ebbinghaus. Essa curva, como todo aluno de psicologia sabe, demonstra que o material é esquecido bem rapidamente nas primeiras horas depois da aprendizagem e com mais lentidão dai por diante. Em 1880, Ebbinghaus foi nomeado para um cargo acadêmico na Universidade de Berlim, onde deu continuidade às pesquisas, reproduzindo e verificando seus estudos anteriores. Publicou os resultados num livro chamado Uber das Gedà’chtnis (Sobre a Memória) em 1885, que representa o que talvez seja a mais brilhante pesquisa individual da história da psicologia experimental. Além de dar início a um novo campo de estudo, ainda vital hoje, a obra dá um exemplo de habilidade técnica, perseverança e engenhosidade. É impossível encontrar na história da psicologia qualquer outro pesquisador isolado que tenha se submetido a um regime tão rigoroso de experimentação. Sua pesquisa foi tão exigente, exaustiva e sistemática que é citada, mais de cem anos depois, em manuais contemporâneos. Ebbinghaus deixou a outros a tarefa de desenvolver o campo da aprendizagem e da memória, bem como de estender e aprimorar a metodologia. Depois de 1885, quando foi promovido a professor-assistente em Berlim, ele publicou relativamente pouco. Fundou um laboratório e, em 1890, fundou uma revista com o físico Arthur Kõnig, a Zeitschrift für Psychologie and Physiologie der Sinnesorgane (Revista de Psicologia e Fisiologia dos Órgãos dos Sentidos). Era necessária uma nova revista na Alemanha, porque a Studien de Wundt, o principal órgão do laboratório de Leipzig, não podia publicar relatos de todas as pesquisas psicológicas realizadas na época. Essa necessidade, apenas nove anos depois de Wundt ter fundado a sua revista, é um testemunho significativo do fenomenal crescimento da nova psicologia, em termos de dimensões e de diversidade. No primeiro número de sua revista, Ebbinghaus e Kônig fizeram uma audaciosa defesa das duas disciplinas incluídas no título: a psicologia e a fisiologia. Esses campos, escreveram eles, cresceram juntos de modo consistente, para formar um todo; promovendo e pressupondo um ao outro, e constituem dois membros de igual valor de uma grande ciência dupla” (Turner, 1982, p. 151). Uma tal declaração, apenas onze anos depois de Wundt ter fundado seu laboratório experimental, mostra quão longe chegara a ideia de psicologia de Wundt. Ebbinghaus não foi promovido outra vez na Universidade de Berlim, ao que parece porque não publicava muito, e, em 1894, aceitou um cargo na Universidade de Breslau, onde permaneceu até 1905. Em 1897, desenvolveu um teste de completar sentenças, provavelmente o primeiro teste bem-sucedido dos processos mentais superiores. Uma forma modificada desse teste é incluída hoje em testes de inteligência geral ou de capacidade cognitiva. Em 1902, Ebbinghaus publicou um manual geral altamente bem-sucedido, Die Grundzüge der Psychologie (Princípios de Psicologia), dedicado à memória de Fechner e, em 1908, um texto mais popular, Abriss der Psychologie (Sumário de Psicologia). Ambos os livros tiveram várias edições e foram revisados por outros depois da morte de Ebbinghaus. Este foi para a Universidade de Haile em 1905, e morreu de repente de pneumonia, em 1909. Ebbinghaus não fez contribuições teóricas à psicologia, não criou um sistema formal nem teve discípulos importantes para a psicologia. Não fundou uma escola nem parece tê-lo desejado. Contudo, tem grande importância não somente para o estudo da aprendizagem e da memória, de que foi o iniciador, como também para a psicologia experimental como um todo. Uma medida do valor histórico geral de um cientista é o quanto sua posição e suas conclusões resistem ao teste do tempo. A partir desse padrão, pode-se sugerir que Ebbinghaus é mais importante do que Wundt. Suas pesquisas conferiram objectividade, quantificação e experimentação ao estudo da aprendizagem, um tópico central da psicologia moderna. Deve- se a Ebbinghaus o facto de o trabalho sobre o conceito de associação ter abandonado a especulação acerca dos seus atributos e passado à investigação científica formal. Muitas de suas conclusões sobre a natureza da aprendizagem e da memória permanecem válidas um século depois de ele as ter publicado. Georg Elias MüIIer (1850-1934) Fisiologista e filósofo por formação, homem que nunca ia dormir antes da meia-noite, Georg Müller tinha um forte interesse pela psicologia, que manifestou numa carreira de quarenta anos na Universidade de G Alemanha. Entre 1881 e 1921, seu bem equipado laboratório rivalizou com o de Wundt em Leipzig, atraindo muitos alunos da Europa e dos Estados Unidos. Müller fez um trabalho considerável acerca da visão cromática, tendo criticado amplamente, bem como reformulado, o trabalho de Fechner no campo da psicofísica. Suas contribuições de pesquisa foram tão substanciais que E. B. Titchener retardou por dois anos o segundo volume do seu manual de psicologia experimental para poder incorporar informações do último livro de Müller. Müller foi um dos primeiros a trabalhar na área iniciada por Ebbinghaus, o estudo experimental da aprendizagem e da memória, e suas pesquisas verificaram e ampliaram muitas das descobertas de Ebbinghaus. A abordagem deste último fora estritamente objectiva; ele não tinha registos de introspecções sobre os seus processos mentais enquanto estava voltado para suas tarefas de aprendizagem. Müller, contudo, acreditava que a abordagem de Ebbinghaus tendia a fazer o processo de aprendizagem parecer demasiado mecânico ou automático. Ele achava que a mente tinha um envolvimento mais activo no processo. Os resultados que obteve confirmaram que a aprendizagem não se produz mecanicamente. Seus sujeitos tinham um envolvimento activo no agrupamento e na organização conscientes do material, e até encontraram significados nas listas de sílabas sem sentido. Com base nessas pesquisas, Müller concluiu que a associação por contigüidade não explica adequadamente por si a aprendizagem, já que o sujeito parece buscar activamente relações entre os estímulos a serem assimilados. Ele sugeriu que um conjunto de fenómenos mentais, tais como prontidão, hesitação e dúvida (as chamadas atitudes conscientes), tem influência decisiva sobre a aprendizagem. Logo se seguiram descobertas semelhantes, como veremos, a partir do trabalho de Oswald Külpe, na Universidade de Würzburg. Müller foi o primeiro a propor e a demonstrar no laboratório a teoria do esquecimento por interferência. A seu ver, o esquecimento era menos uma função da decadência de memória ao longo do tempo do que da interferência de novos dados na recordação de materia aprendido antes. Uma contribuição fmal para o estudo da aprendizagem merece menção. Junto com Friedrich Schumann, seu assistente de laboratório, Müller desenvolveu o tambor da memória, um tambor giratório que permite a apresentação uniforme do material a ser aprendido. Hoje é comum nos laboratórios, esse aparelho é significativo por ter aumentado a precisão e a objectividade da pesquisa sobre aprendizagem e memória. Franz Brentano (1838-1917) Aos dezesseis anos de idade, Franz Brentano iniciou sua formação para o sacerdócio, estudando nas universidades de Berlim, de Munique e de Tübingen, na Alemanha. Graduou-se em filosofia em Tübingen no ano de 1864. Ordenado no mesmo ano, dois anos mais tarde começou a ensinar filosofia na Universidade de Würzburg e a escrever e dar palestras sobre Aristóteles. Em 1870, o Concilio Vaticano, reunido em Roma, aceitou a doutrina da infalibilidade papal, algo com que Brentano não podia concordar. Ele pediu demissão do cargo de professor, para o qual fora nomeado na qualidade de padre, e deixou a Igreja. Seu livro mais famoso, Psychologie voni einpirischen Standpuzikte (Psicologia do Ponto de Vista Empfrico), foi publicado em 1874, o ano em que apareceu a segunda parte da primeira edição de Princípios de Psicologia Fisiológica, de Wundt. O livro de Brentano constituía uma oposição directa à concepção wundtiana, comprovando a dissidência já evidente na nova psicologia. Nesse mesmo ano, Brentano foi nomeado professor de filosofia da Universidade de Viena, Áustria, onde permaneceu por vinte anos, período durante o qual sua influência cresceu consideravelmente. Conferencista popular, teve entre seus alunos várias personalidades que alcançaram destaque na história da psicologia: CarI Stumpf, Christian von Ehrenfels e Sig mund Freud. Em 1894, Brentano aposentou-se, tendo passado seus últimos anos na Itália e na Suíça estudando e escrevendo. Brentano foi um dos mais importantes não-wundtianos devido à sua diversificada influência no campo da psicologia. Partilhou com Wundt o objectivo de fazer da psicologia uma ciência. Contudo, enquanto a psicologia de Wundt era experimental, a sua era empírica. Para Brentano, o principal método da psicologia era a observação, e não a experimentação, embora ele não rejeitasse o método experimental. Uma abordagem empírica é em geral mais ampla, já que obtém seus dados tanto da observação e da experiência individual como da experimentação. Brentano se opôs à ideia wundtiana fundamental de que a psicologia deveria estudar o conteúdo da experiência consciente. Ele afirmou que o objecto de estudo próprio da psicologia é a atividade mental — o acto mental de ver, por exemplo, em vez do conteúdo mental daquilo que é visto. Assim, a chamada psicologia do acto de Brentano contrariava a visão wundtiana de que os processos mentais envolvem conteúdos. Brentano alegou que é preciso estabelecer uma distinção entre a experiência como estrutura e como atividade. Por exemplo, o conteúdo sensorial do vermelho é distinto da actividade de perceber o vermelho. Para Brentano, o acto da experiência é o verdadeiro objecto de estudo da psicologia. Ele afirmou que uma cor não é uma qualidade mental, mas estritamente uma qualidade física. O acto de ver a cor, no entanto, é mental. Ë claro que um acto sempre envolve um objecto; um conteúdo sempre está presente, porque o acto de ver é sem sentido se não houver algo para ser visto. Esse objeto de estudo redefinido pedia um método de estudo distinto, já que os actos, ao contrário dos conteúdos sensoriais, não são acessíveis por meio do método praticado no laboratório de Wuridt em Leipzig. O estudo dos actos mentais exigia uma observação em escala mais ampla do que a usada por Wundt. Por isso, a psicologia do acto é mais empírica do que experimental quanto à sua metodologia. Isso não implica que a psicologia de Brentano seja um retorno à filosofia especulativa; embora não seja experimental, ela se baseia na observação sistemática. A posição de Brentano teve os seus adeptos, mas a psicologia wundtiana manteve sua proeminência na nova psicologia. Como Wundt publicava mais do que Brentano, sua posição ficou melhor conhecida. Do mesmo modo, era mais fácil estudar as sensações ou conteúdos conscientes do que os actos, mais impalpáveis, com os métodos da psicofísica. Gari Stumpf (1848-1936) Nascido numa família de médicos, Cari Stumpf desde muito cedo teve contacto com a ciência, o que não o impediu de ter maior interesse pela música. Aos sete anos, começou a estudar violino e, aos dez, compunha música. Como aluno da Universidade de Würzburg, interessou-se pela obra de Brentano e voltou a sua atenção para a filosofia e a ciência. Por sugestão de Brentano, Stumpf foi para a Universidade de G onde se doutorou em 1868. Nos anos seguintes, enquanto começava a trabalhar no campo da psicologia, exerceu alguns cargos acadêmicos. Em 1864, foi nomeado para a Universidade de Berlim, a posição docente mais apreciada na psicologia alemã. Wundt, que na época era considerado o decano dos psicólogos alemães, seria a escolha lógica para o cargo. Afirma-se que o influente Helmholtz se opôs à indicação de Wundt. Os anos passados por Stumpf em Berlim foram extremamente proveitosos, e seu laboratório original, composto por três pequenas salas, tornou-se um grande e importante instituto. Embora esse laboratório nunca rivalizasse com o de Wundt em termos de alcance ou de intensidade de pesquisa, Stumpf é com freqüência considerado o principal competidor de Wundt. Stumpf treinou os psicólogos que iriam fundar a psicologia da Gestalt, urna escola de pensamento que se opunha às concepções wundtianas. Os primeiros escritos psicológicos de Stumpf estavam voltados para a percepção do espaço, mas a sua obra mais importante foi Tonpsychologie (Psicologia do Som), que foi publicado em dois volumes, em 1883 e 1890. Essa obra e seus outros estudos de música lhe deram uma posição que só perdia para a de Helmholtz no campo da acústica, tendo sido considerada um esforço pioneiro no estudo psicológico da música. A influência de Brentano pode explicar a aceitação por Stumpf de uma abordagem da psicologia menos rigorosa do que Wundt considerava. A fenomenologia, o tipo de introspecção favorecida por Stumpf, refere-se ao exame da experiência não distorcida, isto é, a experiência tal como ocorre. Ele não concordava com Wundt no tocante a decompor a experiência em elementos. Fazê-lo, argumentava ele, é tomar a experiência artificial e abstrata, e, portanto, não mais natural. Um aluno de Stumpf, Edmund Husseri, mais tarde propôs a corrente filosófica da fenomenologia, movimento precursor de outras formas de psicologia, notadamente da psicologia da Gestalt. Numa série de publicações, Stumpf e Wundt travaram um acalorado debate sobre a introspecção de sons. O debate foi iniciado por Stumpf no nível teórico, mas Wundt o tornou pessoal. Essencialmente, a controvérsia envolvia a questão de determinar quais relatos dos introspeccionistas eram os mais incnveis. Quando se lidava com sons, dever-se-iam aceitar os resultados de observadores de laboratório altamente treinados, como queria Wundt, ou de especialistas em música, como era do agrado de Stumpf? Stumpf não aceitava os resultados obtidos no laboratório de Wundt em Leipzig acerca desse problema. Continuando a escrever sobre música e acústica, Stumpf criou um centro para guardar os registos de música primitiva de todo o mundo. Seus estudos de acústica levaram Cari Stumpf a travar um acalorado debate com Wundt acerca do uso adequado da introspecção na psicologia. Fundou a Associação de Psicologia Infantil de Berlim e publicou urna teoria do sentimento em que tentava reduzir o sentimento à sensação. Stumpf foi um dos psicólogos alemães que manteve sua independência em relação a Wundt e, assim fazendo, ampliou as fronteiras da psicologia. Oswald Külpe (1862-1915) e a Escola de Würzburg Iniciahnente aluno, discípulo e seguidor de Wundt, Oswald Külpe, no decorrer de sua carreira, liderou um grupo de alunos num movimento voltado para romper com o que considerava as limitações da obra do fundador. Embora não fosse uma revolução, o movimento de Külpe foi uma declaração de liberdade contra a estreiteza de algumas concepções de Wundt. Külpe trabalhou com inúmeros problemas que a psicologia de Wundt desconsiderara. Aos dezenove anos, Külpe iniciou seus estudos na Universidade de Leipzig. Sua intenção era estudar história; mas, sob a influência de Wundt, voltou-se para a filosofia e para a psicologia experimental, que, em 1881, ainda estava em sua infância. Mas Külpe continuou a sentir forte atração pela história e, depois de um ano de estudos com Wundt, voltou a dedicarse a ela em Berlim. Depois de duas outras incursões na psicologia e na história, voltou a trabalhar com Wundt em 1886, tendo permanecido em Leipzig por oito anos. Diplomando-se em Leipzig, lá ficou como professor-assistente e assistente de Wundt, fazendo pesquisas no laboratório. Escreveu um manual, Grundriss der Psychologie (Esboço de Psicologia), publicado em 1893 e dedicado a Wundt. Nele, Külpe defmiu a psicologia como a ciência dos factos da experiência, dependente do indivíduo que passa pela experiência. Em 1894, Külpe tomou-se professor da Universidade de Würzburg, onde instalou, dois anos mais tarde, um laboratório que cedo ameaçou rivalizar com o de Wundt pela importância. Entre os alunos atraidos para Würzburg, havia vários americanos; um deles, James Rowland Angeil, tornou-se um figura importante no desenvolvimento do funcionalismo. No Esboço de Psicologia, Külpe não discutiu o processo mental superior do pensamento. Na época, sua posição ainda era compatível com a de Wundt. Alguns anos mais tarde, contudo, ele se convenceu de que os processos de pensamento podiam ser estudados experimentalmente. A memória, outro processo mental superior, fora estudada assim por Ebbinghaus. Se a memória podia ser estudada no laboratório, por que não o pensamento? A formulação dessa pergunta pôs Külpe em oposição directa ao seu antigo mestre, porque Wundt enfatizara que os processos mentais superiores não podiam ser objecto de um estudo experimental. Um segundo ponto de divergência entre a escola de Würzburg, como ela veio a ser chamada, e o sistema wundtiano vincula-se com a introspecção. Külpe desenvolvera um método denominado introspecção experimental sistemática. Ele envolvia a realização de uma tarefa complexa (como o estabelecimento de ligações lógicas entre conceitos), depois da qual se pedia aos sujeitos que fizessem um relato retrospectivo dos seus processos cognitivos durante a realização da tarefa. Em outras palavras, pedia-se aos sujeitos que realizassem algum processo mental, tal como pensar ou julgar, e depois examinassem de que maneira tinham pensado ou julgado. Wundt tinha rejeitado o uso do relato retrospectivo em seu laboratório. Ele acreditava em estudar a experiência consciente tal como ocorria, e não a memória dela depois da ocorrência. O método introspectivo de Külpe era sistemático; nele, a experiência como um todo era descrita de maneira precisa mediante o seu fracionamento em períodos de tempo. Tarefas semelhantes eram repetidas muitas vezes para que os relatos introspectivos pudessem ser corrigidos, corroborados e ampliados. Esses relatos eram com freqüência suplementados por perguntas que dirigiam a atenção do sujeito para pontos particulares. Há várias outras diferenças entre as abordagens introspectivas de Külpe e de Wundt. Este último não concordava em fazer os sujeitos descreverem com detalhes suas experiências conscientes, concentrando a sua pesquisa em medidas objectivas e quantitativas, como os tempos de reação e os tipos de julgamentos requeridos na pesquisa psicofísica. A introspecção experimental sistemática de Külpe, em contrapartida, acentuava os relatórios subjectivos, qualitativos e detalhados feitos pelos sujeitos acerca da natureza dos seus processos de pensamento. Os sujeitos não tinham apenas de fazer julgamentos simples sobre a intensidade de um estímulo, devendo além disso descrever os processos mentais complexos pelos quais passavam durante sua exposição a alguma tarefa experimental. A abordagem de Külpe tinha como alvo directo a investigação do que se passava na mente do sujeito durante uma experiência consciente. Külpe não rejeitou o foco de Wundt sobre a experiência consciente, o instrumento de pesquisa que era a introspecção, nem a tarefa fundamental de analisar a consciência em seus elementos. O alvo do seu trabalho era expandir a concepção de objecto de estudo da psicologia de Wundt a fim de incluir os processos mentais superiores, bem como aprimorar o método da introspecção. Caros estudanes quais foram os resultados dessa tentativa de expansão e aprimoramento? O ponto de vista de Wundt acentuava que a experiência consciente podia ser reduzida aos seus elementos sensoriais ou imaginais componentes. Para ele, toda experiência se compõe de sensações ou imagens. A introspecção directa de processos de pensamento, empregada por Külpe, encontrara provas para sustentar a perspectiva oposta, a de que o pensamento pode ocorrer sem conteúdos sensoriais ou imaginais. Essa descoberta veio a ser identificada como pensamento sem una expressão que representa a noção de sentidos no pensamento que não parecem envolver quaisquer imagens específicas. Desse modo, a pesquisa de Külpe identificou uma forma ou aspecto não sensorial da consciência. Os tópicos de pesquisa da escola da Wiirzburg eram variados. Uma importante contribuição foi um estudo de Karl Marbe sobre o julgamento comparativo de pesos. Marbe descobriu que, embora estivessem presentes durante a tarefa, as sensações e imagens pareciam não ter papel no processo de julgamento. Os sujeitos não conseguiam relatar como os julgamentos de pesos mais leves ou mais pesados surgiam na sua mente. Essa descoberta contra disse a convicção há muito mantida sobre os processos de pensamento, de que, ao fazer um julgamento dessa espécie, o sujeito retém uma imagem mental do primeiro objecto (o peso) e o compara com uma impressão sensorial do segundo objecto. O experimento de Marbe demonstrou que não existe essa comparação entre imagem e impressão sensorial e que o processo de julgamento é mais enganoso do que se supunha. O grupo de Würzburg de Külpe também se ocupou da associação e da vontade. Um estudo realizado por Heniy Watt demonstrou que, numa tarefa de associação de palavras (em que se pedia ao sujeito que reagisse a uma palavra-estímulo), o sujeito tinha poucas informações relevantes para contar sobre seu processo consciente de julgamento. Essa descoberta forneceu uma demonstração adicional de experiência consciente que não pode ser reduzida a sensações e imagens. Watt verificou que os sujeitos podiam responder correctamente sem ter consciência de pretender fazê-lo no momento da resposta. Ele concluiu que o trabalho consciente era feito antes de a tarefa ser realizada, no momento em que as instruções eram dadas e compreendidas. Segundo Watt, os sujeitos recebiam as instruções e, de alguma maneira, decidiam reagir do modo requerido. Diante da palavra-estímulo, cumpriam as instruções sem esforço consciente ulterior. Como resultado da compreensão das instruções, explicava Watt, os sujeitos aparentemente estabeleciam um conjunto ou tendência determinante inconsciente para reagir da forma desejada. Uma vez que a tarefa tivesse sido compreendida e a tendência determinante adotada, a tarefa específica era realizada com pouco ou nenhum esforço consciente. Essa pesquisa sugeria que predisposições situadas fora da consciência são de algum modo capazes de controlar actividades conscientes. Em 1907, com o trabalho de Karl Bühler, iniciou-se um novo período na escola de Würzburg. Seu método de pesquisa envolvia a apresentação ao sujeito de uma questão que exigia certa reflexão antes de poder ser respondida. Pedia-se a sujeitos que fizessem o relato mais completo possível das etapas envolvidas na formulação da resposta, enquanto ocorria o exprimento. Os resultados obtidos por Bühler reforçaram a noção dos elementos não sensoriais da experiência. Ele afirmou que esses novos tipos de elementos estruturais são vitais para o processo de pensamento. Como era de esperar, a modificação feita por Külpe no método introspectivo de Wundt e sua tentativa de aumentar a lista de elementos provocaram fortes críticas dos wundtianos ortodoxos e ataques mordazes do próprio Wundt, que considerou a forma de introspecção de Wurzburg “falsos” experinientos, afirmando que esse método na verdade não envolvia introspecção nem experimentação. De certo modo, é estranho que os wundtianos se opusessem tão fortemente à sugestão de Külpe sobre a vida mental não-sensorial. Afinal, Külpe seguia trilhas abertas por Wundt. Não tinha Wundt percorrido linhas mais ou menos semelhantes? Não era a sua noção de sentimentos um reconhecimento dos elementos não-sensoriais da experiência consciente? Não foi sem dúvida por acaso que Külpe, produto do treinamento wundtiano, tenha instigado esse movimento. O interesse de Wiirzburg pela área da motivação constitui uma importante contribuição à psicologia moderna. O conceito de conjunto ou tendência determinante certamente tem relação directa com os trabalhos actuais no campo. Do mesmo modo, a demonstração de que a experiência depende não apenas de elementos conscientes mas também de tendências determinantes inconscientes sugere o papel dos determinantes inconscientes do comportamento, ideia que constitui parte importante do sistema desenvolvido por Sigmund Freud. Nota: Vemos, assim, que divisões e controvérsias envolveram a psicologia, praticamente desde o momento de sua fundação. Deve-se acentuar, no entanto, que, apesar de todas as diferenças, esses primeiros psicólogos estavam unidos em termos de tema e propósito. Wundt, Ebbinghaus, Brentano, Stumpf e outros mudaram irrevogaveirnente o estudo da natureza humana. Graças aos seus esforços, a psicologia já não era um estudo da alma [ um estudo, realizado por meio da observação e dos experimentos, de certas reacções do organismo humano não incluídas no objecto de estudo de nenhuma outra ciência. Os psicólogos alemães, apesar das suas muitas diferenças, estavam, nesse sentido, engajados num empreendimento comum; e sua capacidade, sua habilidade e a direcção comum dos seus trabalhos fizeram das pesquisas nas universidades alemãs o centro do novo momento da psicologia (Heid breder, 1933, p. 105). A Alemanha não permaneceu por muito tempo como centro do novo movimento. Uma versão da psicologia de Wundt logo foi levada aos Estados Unidos por seu aluno E. E. Titchener. BIBLIOGRAFIA www.dr-anly.blogspot.com 1. BOCK, Ana Mercês Bahia. FURTADO , Adair. TEXEIRA, Maria de Lurdes Trassi(2008) .Psicologias, Uma Introdução ao estudo de Psicologia.14ª edição, Saraiva Editores, São Paulo. 2. 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