segunda-feira, 3 de agosto de 2020

MANUAL 6 DA CADEIRA DE HISTÓRIA E SISTEMAS DE PSICOLOGIA, PARA O CURSO DE PSICOLOGIA ESCOLAR, 1º ANO. ANO LECTIVO 2020/2021- ISEDEF. DOCENTE: SILVA ANLI; site:dr-anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIÃO CIENTÍFICA”; email:dr.anly1962@gmail.com O COMPORTAMENTALISMO OU BEHAVIORISMO Caros estudantes, perto da segunda década do século XX, menos de quarenta anos depois do lançamento formal da psicologia por Wilhelm Wundt, essa ciência já havia passado por drásticas revisões. Os psicólogos não concordavam mais sobre o valor da introspecção, sobre a existência dos elementos da mente, ou sobre a necessidade de a psicologia permanecer uma ciência pura. Os funcionalistas estavam reescrevendo as regras da psicologia, fazendo com ela experiências e aplicações que não poderiam ser admitidas em Leipzig ou Comell. O movimento na direcção do funcionalismo era menos revolucionário que evolutivo. Os funcionalistas não procuravam deliberadamente destruir as posições de Wundt e Titchener. Em vez disso, eles as modificaram, acrescentando um pouco aqui, mudando alguma coisa ali, de modo que, gradativamente, ao longo dos anos, surgiu uma nova forma de psicologia. Tratava- se mais de um lento processo de debate interno do que de um ataque deliberado de fora. Os líderes do movimento funcionalista não sentiam uma grande necessidade de solidificar ou formalizar seu pensamento. A seu ver, não se tratava tanto de romper com o passado como de construir a partir dele. Em consequência, a passagem do estruturalismo ao funcionalismo não foi tão perceptível na época em que ocorreu. Não há dia ou ano certos que possamos apontar com o começo do funcionalismo, nem um momento em que a psicologia tenha mudado da noite para o dia. Na verdade, é difícil, como observamos, apontar um indivíduo particular como o fundador do funcionalismo. Quem o fundou foi a situação da segunda década do século XX nos Estados Unidos. O funcionalismo estava amadurecendo, e o estruturalismo ainda ocupava uma posição forte, se bem que não mais exclusiva. Em 1913 irrompeu um protesto contra as duas posições. Seu autor pretendia que fosse um rompimento abrupto e aberto, uma guerra total voltada para abalar os dois pontos de vista. Não haveria modificação do passado, nem compromisso com ele. Esse novo movimento recebeu o nome de comportamentalismo e teve como líder um psicólogo de 35 anos, John B. Watson. Apenas dez anos antes, Watson recebera seu Ph.D. de Angeil, na Universidade de Chicago. Na época, 1903 —, Chicago era o centro da psicologia funcional, um dos dois movimentos que Watson se dispunha a esmagar. Os pilares básicos do comportamentalismo de Watson eram simples, directos e ousados. Ele desejava uma psicologia objectiva, uma ciência do comportamento que só lidasse com actos comportamentais observáveis, passíveis de descrição objectiva em termos de estimulo e resposta. Ele queria aplicar aos seres humanos os procedimentos e princípios experimentais da psicologia animal, um campo em que trabalhara. Os interesses de Watson lançaram luz sobre aquilo que ele queria descartar. Para ser uma ciência objectiva, a psicologia do comportamento tinha de rejeitar todos os conceitos e termos mentalistas. Palavras como imagem, mente e consciência — herança dos dias da filosofia mental — não tinham sentido para uma ciência como essa. Watson era de particular veemência na sua rejeição do conceito de consciência. Para ele, a consciência “nunca foi sentida, tocada, cheirada, provada ou movida. É uma simples suposição tão improvável quanto o velho conceito de mente” (Watson e McDougall, 1929, p. 14). Por conseguinte, a técnica da introspecção, que supunha a existência de processos conscientes, era irrelevante. Como fundador do comportamentalismo, Watson promoveu essas opiniões de modo vigoroso. Contudo, como vimos, fundar não é o mesmo que originar. As ideias do movimento comportamentalista que estava prestes a tomar de assalto a psicologia não surgiram com Watson; vinham sendo desenvolvidas na psicologia e na biologia há vários anos. Não é uma crítica a Watson observar que ele, tal como todos os fundadores, organizou, integrou e propõe ideias e questões já existentes. A partir desse amálgama, ele construiu seu novo sistema de psicologia. Vale a pena reiterar: “Criações absolutamente são muito raras, se é que ocorrem; a maioria das novidades são apenas novas combinações de velhos elementos, e o grau de novidade é, portanto, uma questão de interpretação” (Sarton, 1936, p. 36). Este capítulo examina as influências anteriores do comportamentalismo, os velhos elementos que Watson combinou com tanta eficácia para formar sua nova psicologia. Ao menos três grandes tendências afectaram a sua obra:  a tradição filosófica do objectivismo e do mecanicismo;  (2) a psicologia animal;  e (3) a psicologia funcional. Estas duas últimas exerceram o impacto mais directo e evidente. As tradições filosóficas aludidas estavam em desenvolvimento há algum tempo, tendo favorecido e reforçado o crescimento da psicologia animal e do funcionalismo. Não era incomum, por volta de 1913, a insistência de Watson na necessidade de uma maior objectividade na psicologia. Essa noção tem uma longa história, que talvez tenha começado com Descartes, cujas tentativas de explicações mecanicistas do corpo figuram entre os primeiros passos na direcção dessa maior objectividade. Tem maior importancia na história do objectivismo o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), fundador do positivismo, movimento que enfatizava o conhecimento positivo (factos), cuja verdade não é discutível. Segundo Comte, o único conhecimento válido é o que tem natureza social e é objectivamente observável. Esses critérios levaram ao abandono da introspecção, que depende da consciência individual privada e não pode ser objectivamente observada. Comte fez um vigoroso protesto contra o mentalismo e a metodologia subjectiva. Nos primeiros anos do século XX, o positivismo era parte do ideal científico. Watson raramente discutia o positivismo, o mesmo ocorrendo com a maioria dos psicólogos americanos da época; contudo, eles “agiam como positivistas, mesmo que não assumissem o rótulo” (Logue, 1985, p. 149). Assim, quando Watson se pôs a trabalhar no comportamentalismo, o objectivismo, o mecanicismo e o materialismo eram fortes. Exerciam uma influência tão penetrante que levaram inexoravelmente a um novo tipo de psicologia, sem consciência, sem mente, sem alma, um tipo de psicologia que só se interessava pelo que pudesse ser visto, ouvido e tocado. O resultado inescapável disso foi a ciência do comportamento, que concebia o ser humano como uma máquina. A Influência da Psicologia Animal sobre o Comportamentalismo Watson declarou sucintamente a relação entre a psicologia animal e o comportamentalismo: “O comportamentalismo é uma consequência directa de estudos sobre o comportamento animal no decorrer da primeira década do século XX” (Watson, 1929, p. 327). Está claro, portanto, que o antecedente mais importante do programa de Watson foi a psicologia animal, desenvolvida a partir da teoria evolutiva. Isso resultou em tentativas de demonstrar a existência da mente em organismos inferiores e a continuidade entre as mentes animal e humana. Apresentamos a obra de dois pioneiros da psicologia animal — George John Romanes e Conwy Lloyd Morgan. Com a lei da parcimônia de Morgan e sua maior preferência pelas técnicas experimentais, e não pelas anedotas, o campo da psicologia animal estava se tornando mais objectivo. Contudo, a consciência ainda constituía o seu foco, e inferiam-se informações sobre o nível de consciência de um animal a partir das observações do seu comportamento. Logo, embora a metodologia ficasse mais objectiva, não ocorria o mesmo com o objecto de estudo. Em 1889, Alfred Binet publicou The Psychic Life of Micro-Organisms (A Vida Psíquica dos Microorganismos), em que propunha que os protozoários unicelulares são dotados da capacidade de perceber objetos e discriminar entre eles, bem como de exibir um comportamnento com algum grau de intencionalidade. Em 1908, Francis Darwin (filho de Charles Darwin) discutiu o papel da consciência nas plantas. Nos primórdios da psicologia animal nos Estados Unidos, descobrimos, sem nenhuma surpresa, a continuidade do interesse pela consciência animal. A influência de Romanes e de Morgan persistiu por um bom tempo. Um passo significativo na direcção de uma maior objectividade na psicologia animal foi dado por Jacques Loeb (1859-1924), fisiologista e zoólogo alemão que trabalhou em várias instituições norte-americanas, entre as quais a Universidade de Chicago. Reagindo à tradição antropomórfica de Romanes e ao método da introspecção por analogia, Loeb desenvolveu uma teoria do comportamento animal baseada no conceito de tropisino, um movimento forçado involuntãrio. Nesse modo de ver, a resposta do animal é uma função directa e automática de um estímulo ou reação a ele. Diz-se que o comportamento é forçado pelo estímulo, não necessitando, portanto, de nenhuma explicação em termos de consciência animal. A teoria de Loeb teve influência por algum tempo nas ciências biológicas, tendo representado uma mudança com relação ao trabalho de Romanes e Morgan. Embora seu trabalho fosse talvez a abordagem mais objetiva e mecanicista da psicologia animal então proposta. Loeb não descartara por inteiro o passado. Ele não rejeitava a consciência, em especial no caso de animais no alto da escala da evolução, como os seres humanos. Ele afirmava que a consciência entre os animais fora revelada pela memória associativa, ou seja, a ideia de que os animais tinham aprendido a reagir a certos estímulos de uma maneira desejada. Por exemplo, quando um animal responde ao chamado do seu nome ou reage a um som específico ao ir repetidamente até o lugar onde é alimentado, tem-se uma prova da memória associativa. Portanto, mesmo no sistema de Loeb, em tudo o mais mecanicista, a mente ou consciência ainda era evocada, mediante a associação de ideias (Loeb, 1918). Watson fizera vários cursos com Loeb na Universidade de Chicago e expressara o desejo de pesquisar sob sua orientação, o que indica que, na época, ele tinha simpatia pelas concepções mecanicistas de Loeb (ou, ao menos, curiosidade em relação a elas). Angeli e outro professor, o neurologista II. H. Donaldson, convenceram Watson a desistir desse plano, alegando que Loeb era “perigoso”, uma palavra passível de várias interpretações, mas que talvez indique sua desaprovação do objetivismo de Loeb. No começo do século, o estudo do comportamento animal segundo uma perspectiva biológica tornara-se popular nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a psicologia animal experimental, principalmente a obra de E. L. Thomdike na Universidade Colúmbia, se desenvolvia com rapidez. Robert Yerkes iniciara estudos de animais em 1900, e seu trabalho, que empregava vários animais, fortaleceu a posição e a influência da psicologia comparada. Também em 1900, o labirinto para ratos foi introduzido por W. S. Small na Universidade Clark, e o rato branco e o labirinto se tornaram o método-padrão do estudo da aprendizagem. Mas a consciência continuou a se imiscuir na psicologia animal, mesmo com o rato branco no labirinto. Interpretando o comportamento do roedor, Small escreveu, em termos mentalistas: “Também está claro.., que o que se pode adequadamente denominar ideias tem algum lugar no processo associativo. Imagens rudimentares — visuais, olfativas, motoras —, condições orgânicas e actividades instintivas são com certeza os principais elementos. Não é impossível que esses elementos venham a compor idéeas. A analogia com a experiência humana aponta, com efeito, para essa conclusão” (Mackenzie, 1977, p. 85). Embora mais restrito do que o ramo antropomorfizante de Romanes, esse comentário de Small representa uma preocupação com processos mentais, e mesmo com elementos mentais. Watson, nos primeiros anos de sua carreira, viu-se sob a mesma influência. Sua dissertação de doutorado, completada em 1903, tinha como título “Educação Animal: O Desenvolvimento Psíquico do Rato Branco”. Até 1907, ele ainda discutia a experiência consciente da sensação em seus ratos. Em 1906, Charles Flenry Turner, um dos primeiros psicólogos afro-americanos e um prolífico pesquisador no campo da psicologia comparada, publicou um artigo intitulado “Observações Preliminares sobre o Comportamento da Formiga”. Watson fez uma resenha do artigo na prestigiosa revista Psychological Bulietin e o cobriu de louvores. Na resenha, Watson usou a palavra comportamento do título de Turner. Essa pode ter sido a primeira vez que Watson usou o termo por escrito, embora ele o tenha empregado antes num pedido de recursos (Cadwallader, 1984, 1987). Por volta de 1910, cerca de oito laboratórios de psicologia comparada tinham sido instalados (os primeiros foram em Clark, em Harvard e na Universidade de Chicago), e muitas universidades estavam oferecendo cursos nessa área. Margaret Floy Washburn, que fora a primeira doutoranda de Titchener, ensinava psicologia animal em Cornell. Ela escreveu um manual de psicologia comparada intitulado The Animal Mmd (A Mente Animal) em 1908. O livro teve três edições. Observe-se o seu título: A Mente Animal. A imputação de consciência aos animais persistia, assim como o método de fazer introspecção da mente animal por analogia com a humana. Washburn observou que “somos obrigados a admitir que toda interpretação psíquica do comportamento animal deve ter como base a analogia com a experiência humana. Devemos ser antropomórficos nas noções que formamos acerca do que acontece na mente de um animal” (Washburn, 1908, p. 88). Embora tenha sido considerado “a mais abrangente revisão da literatura sobre psicologia animal da época”, esse livro marcou o fim de uma era na psicologia animal. Depois dele, nenhum outro texto usaria a abordagem de inferir estados mentais a partir do comportamento. As questões tinham despertado o intesesse de Spencer, Lloyd Morgan e Yerkes saíram de moda e praticamente desapareceram da literatura. Quase todos os manuais subseqüentes do campo tinham orientação comportamental e se voltavam primordialmente para tópicos e problemas de aprendizagem (Demarest, 1987, pp. 134, 144). Robert M. Yerkes estudou uma gama de animais - de tartarugas e rãs a porcos e chimparizés - e promoveu uma abordagem objectiva e biológica para a psicologia comparada. Tratando da mente ou do comportamento, não era fácil ser psicólogo animal. Para os membros do legislativo e os administradores universitários, esse campo não tinha nenhum valor prático. O presidente de Harvard “não via futuro na modalidade de psicologia comparada de Yerkes. A coisa cheirava mal, era cara e parecia não ter relação com o serviço público prático. Chegou aos ouvidos de Yerkes que o caminho para a promoção poderia passar pela psicologia educacional [ não pela animal]” (Reed, 1987b, p. 94). Os alunos treinados por Yerkes em seu laboratório foram para campos aplicados, visto não conseguirem empregos em psicologia comparada. Os que tinham cargos universitários descobriram ser os membros mais descartáveis dos seus departamentos de psicologia. Em épocas de dificuldades financeiras, eles costumavam ser os primeiros demitidos. O próprio Watson teve problemas no início da carreira. “Minhas pesquisas no momento estão muito problemáticas”, ele escreveu a Yerkes em 1904. “Não temos absolutamente nenhum lugar para manter os animais e não há recursos para manter o ‘zoológico’, mesmo que tivéssemos o lugar” (O’Donnell, 1985, p. 190). Em 1908 foram publicados apenas seis estudos sobre animais, 4% de todas as pesquisas psicológicas do ano. No ano seguinte, quando Watson sugeriu a Yerkes que todos os psicólogos animais jantassem juntos durante a reunião da APA, sabia-se que uma mesa os comportaria a todos. Na edição de 1910 de American Men of Science, de Cattell, apenas 6 entre os 218 psicólogos citados disseram estar trabalhando com pesquisa animal. Naturalmente, as perspectivas de carreira eram poucas, mas o campo se expandia devido à intensa dedicação dos poucos que nele permaneciam. O periódico Journai of Animal Behavior, mais tarde Journal Comparative Psychology, foi fundado em 1911. Dois anos antes, a obra do fisiologista russo Ivan Pavlov havia se tornado conhecida nos Estados Unidos graças a um artigo escrito por Yerkes e por um aluno russo, Sergius Morgulis. A obra de Pavlov sutentava uma psicologia objectiva e, em particular, o comportamentalismo de Watson. A psicologia animal se estabeleceu e tomou-se cada vez mais objectiva em termos de métodos e objecto de estudo. Os tipos de experiências conscientes invocados pelos pesquisadores animais se reduziram, terminando por desaparecer de vez. Antes de falarmos das influências mais específicas sobre o desenvolvimento do comportamentalismo watsoniano, vamos narrar a história do cavalo mais famoso do campo da psicologia. Hans, o Cavalo Inteligente No início dos anos 1900, quase todas as pessoas alfabetizadas do mundo ocidental tinham lido sobre Hans, o Cavalo Prodígio, por certo a mais inteligente criatura quadrúpede que já viveu. Ele era uma celebridade na Europa e nos Estados Unidos. Escreveram-se peças e canções sobre ele, bem como livros e artigos de revistas, e os publicitários usavam o seu nome para vender produtos. Hans era uma sensação. O cavalo somava e subtraia, usava frações e decimais, lia, soletrava, dizia as horas, discriminava cores, identificava objectos e dava demonstrações de uma memória fenomenal. Ele respondia às perguntas batendo a pata um número especificado de vezes ou virando a cabeça na direção do objeto correto. “Quantos cavalheiros presentes estão usando chapéus de palha?” — perguntava-se ao cavalo. Hans batia a resposta com a pata direita, tendo o cuidado de omitir os chapéus de palha usados pelas senhoras. ‘O que a senhora tem nas mãos?” O cavalo batia “Schinn”, que significa sombrinha, indicando cada uma das letras por meio de uma tabela especial. Ele era invariavelmente bem-sucedido na distinção entre bengalas e sombrinhas, bem como entre chapéus de palha e de feltro. E, ainda mais importante, Hans pensava sozinho. Quando lhe faziam uma pergunta completamente nova, tal como quantos cantos há num circulo, ele balançava a cabeça de um lado para o outro dizendo que não havia nenhum (Femald, 1984, p. 19). Margaret Floy Washburn foi a primeira doutoranda de Titchener em Comell e escreveu um manual de psicologia comparada. Não admira que as pessoas se assombrassem. Não admira que o proprietário de Hans, Wilhelm von Osten, de Berlim, onde era professor aposentado de matemática, ficasse contente com o que conseguira. Ele passara vários anos ensinando a Hans o que considerava os fundamentos da inteligência humana. A motivação desses grandes esforços era puramente científica; seu objectivo era provar que Darwin estava certo ao sugerir que os seres humanos e os animais têm processos e capacidades mentais semelhantes. Von Osten acreditava que a única razão por que os cavalos e outros animais parecem menos inteligentes do que são é o facto de não receberem educação suficiente. Ele estava convencido de que, com o tipo certo de exercícios e de treinamento, o cavalo poderia mostrar que era um ser inteligente. Vale dizer que von Osten não tirava proveito financeiro das exibições de Hans. Nunca cobrou ingressos para as demonstrações que fazia no jardim do seu prédio e nunca se beneficiou da publicidade resultante. Nomeou-se um comitê governamental para examinar o fenómeno e determinar se alguma fraude ou truque estava envolvido. O grupo incluía um gerente de circo, um veterinário, treinadores de cavalos, um aristocrata, o director do zoológico de Berlim e o psicólogo Carl Stumpf, da Universidade de Berlim. Em setembro de 1904, depois de uma longa investigação, o comitê concluiu que Hans não recebia sinais ou indícios intencionais do proprietário. Nada de fraude nem de enganos. Mas Stumpf não ficou completamente satisfeito. Ele estava curioso sobre como o cavalo conseguia responder correctamente a tantos tipos diferentes de perguntas, e entregou o problema a um dos seus alunos de pós-graduação, Oskar Pfungst, que abordou a tarefa com o meticuloso cuidado de psicólogo experimental. Um dos primeiros experimentos de Pfungst foi feito depois de uma demonstração de que Hans respondia correctamente às perguntas mesmo quando o seu dono, von Osten, não estava presente. Pfungst formou dois grupos, um composto de pessoas que sabiam as respostas às perguntas feitas ao cavalo, e o outro, de pessoas que não sabiam. Isso levou a uma descoberta fundamental: Hans só podia responder correctamente quando quem perguntava sabia a resposta. Evidentemente, Hans recebia de alguma maneira informações da pessoa que perguntava, mesmo que fosse um estranho. Depois de uma série de experiinentos bem controlados, Pfungst concluiu que Hans fora condicionado inintencionahnente a começar a bater a pata sempre que percebesse o mínimo movimento descendente da cabeça de von Osten. Quando o número correcto de batidas era alcançado, von Osten movia a cabeça ligeiramente para cima, e o cavalo parava. Pfungst demonstrou que quase todos, mesmo pessoas que nunca tinham se aproximado antes de um cavalo, faziam os mesmos movimentos de cabeça ligeiramente perceptíveis quando falavam com um cavalo. Assim, verificou-se que Hans não tinha um estoque de conhecimentos. Ele apenas fora treinado para começar a bater a pata, ou para inclinar a cabeça na direcção de um objecto, sempre que quem fizesse a pergunta realizasse um certo tipo de movimento. Além disso, fora condicionado a parar de bater em resposta a outra espécie de movimento. Durante o período de treinamento, von Osten reforçara Hans ao lhe dar pedaços de cenoura ou barras de açúcar sempre que o cavalo respondia corretamente. Com o progresso do treinamento, von Osten já não tinha de reforçar o comportamento do animal a cada réplica correcta; ele o recompensava parcial ou intermitentemente. O psicólogo comportamentalista B. F. Skinner demonstraria mais tarde a eficácia desse tipo de reforço parcial no processo de condicionamento. O caso do prodigioso Hans demonstrou o valor (na verdade, a necessidade) de uma abordagem experimental para o estudo do comportamento animal, e tornou os psicólogos ainda mais cépticos quanto a afirmações de altos níveis de inteligência em animais. Estava claro, no entanto, que os animais são capazes de aprender e podem ser condicionados a mudar seu comportamento. Por conseguinte, o estudo da aprendizagem animal passou a ser considerado mais proveitoso do que a contínua especulação acerca do que poderia estar ocorrendo na mente do animal em termos de algum alegado nível de inteligência. O relatório de Pfungst sobre suas experiências com Hans foi revisto por Watson, e as conclusões ali apresentadas influenciaram sua crescente propensão a promover uma psicologia que só tratasse do comportamento, e não da consciência (Watson, 1908). Edward Lee Thonidike (1874-1949) Thorndike, que nunca conseguiu aprender a dirigir, é um dos mais importantes pesquisadores no desenvolvimento da psicologia animal. Ele elaborou uma teoria objectiva e mecanicista da aprendizagem, que se concentra no comportamento manifesto. Acreditava que a psicologia tem de estudar o comportamento, e não elementos mentais ou experiências conscientes de qualquer espécie; assim, reforçou a tendência de uma maior objectividade iniciada pelos funcionalistas. Ele interpretou a aprendizagem não em termos subjectivos, mas em termos das conexões concretas entre estímulos e respostas. Contudo, como veremos, ele permitiu algumas referências à consciência e aos processos mentais. As obras de Thorndike e de Ivan Pavlov dão outro exemplo de descobertas simultâneas independentes. Thomdike desenvolveu sua lei do efeito em 1898, e Pavlov fez uma proposta semelhante com sua lei do reforço, em 1902, mas foram necessário muitos anos antes de se perceber essa semelhança. A Vida de Thorndike. E. L. Thorndike foi um dos primeiros psicólogos americanos a receber toda a educação nos Estados Unidos. É significativo que isso tenha sido possível apenas duas décadas depois da fundação da psicologia. Seu interesse pela ciência foi despertado, tal como ocorreu com tantos outros, pela leitura dos Princípios de Psicologia, de Wilhiam James, quando fazia a graduação na Universidade Wesleyan em Middletown, Connecticut. Mais tarde, estudou com James em Harvard, onde iniciou suas pesquisas sobre a aprendizagem. Ele planeara fazer suas pesquisas tendo crianças como sujeitos, mas foi proibido pela administração da universidade, ainda vulnerável por causa de um escândalo, alguns anos antes, quando um antropólogo tinha afrouxado” as roupas de crianças para tomar-lhes medida do corpo. Sabendo disso, Thorndike escolheu galinhas, ao que parece inspirado pelas palestras que Morgan fizera em Harvard, descrevendo suas próprias pesquisas com esses animais. Thorndike treinou suas galinhas para percorrer labirintos improvisados com livros. Contase a história das dificuldades de Thorndike para encontrar acomodações para suas galinhas. Como a sua senhoria vislumbrara os animais no seu quarto, ele pediu ajuda a William James. Este não conseguiu espaço nem no laboratório, nem no museu da universidade; assim, levou Thorndike e suas galinhas para o porão de sua casa, ao que parece para a delícia dos seus filhos. Thorndike não completou sua educação em Harvard. Acreditando que uma certa jovem não correspondia ao seu interesse, matriculou-se com Cattell em Colúmbia, para afastar-se da região de Boston. Quando Cattell lhe ofereceu uma bolsa, Thomdike foi para Nova York com suas duas galinhas mais treinadas. Ele prosseguiu com suas pesquisas em Colúmbia, trabalhando com cães e gatos em caixas-problema que ele mesmo projectava. Em 1898, recebeu o doutorado. Sua dissertação, “Inteligência Animal: Um Estado Experimental dos Processos Associativos em Animais”, foi publicada ao lado de pesquisas subsequentes sobre a aprendizagem associativa em galinhas, peixes e macacos. Muito ambicioso e competitivo, Thorndike escreveu à noiva: Decidi chegar ao topo da psicologia em cinco anos, dar aulas por mais dez e depois parar” (Boakes, 1984, p. 72). Ele não trabalhou como psicólogo animal por muito tempo, admitindo voluntariamente que não tinha um real interesse nisso. Tinha se dedicado ao assunto apenas para se formar e estabelecer uma reputação. Além disso, esse não era o campo em que alguém com tanto impeto pudesse ter sucesso. Thomdike tomou-se instrutor de psicologia no Teachers Coliege da Universidade Colúmbia em 1899. Ali, voltou-se para sujeitos humanos, aplicando suas técnicas de pesquisa com animais a crianças e jovens. Edward Lee Thorndike, pioneiro no estudo da aprendizagem, formulou sua teoria do conexionísmo para explicar o modo pelo qual os organismos estabelecem associações entre situações e respostas da aprendizagem humana, da psicologia educacional e dos testes mentais. Escreveu vários manuais e chegou ao topo; em 1912, foi eleito presidente da Associação Psicológica Americana. Ficou bastante rico com os direitos dos seus testes mentais e manuais, e, por volta de 1924, tinha uma renda de quase setenta mil dólares por ano, uma tremenda soma na época (Boakes, 1984). Os cinquenta anos de Thorndike em Colúmbia estão entre os mais produtivos já registados. Sua bibliografia exibe 507 itens, muitos deles copiosos livros e monografias. Aposentou-se em 1939, mas continuou a trabalhar até morrer, dez anos depois. O Conexionismo Thorndike criou uma abordagem experimental em associação a que deu o nome de conexionismo, e que abrangia várias novidades importantes com relação às concepções tradicionais da aprendizagem. Ele escreveu que, se fosse analisar a mente humana, encontraria conexões de força variável entre:  (a) situações, elementos de situações e compostos de situações;  e (b) respostas, prontidões para responder, facilitações, inibições e direcções de respostas. Se todos esses elementos pudessem ser completamente inventariados, revelando o que o homem pensa e faz, e o que o satisfaz e contraria, em toda situação concebível, parece-me que nada ficaria de fora. Aprender é estabelecer conexões. A mente é o sistema de conexões do homem (Thomdike, 1931, p. 122). Essa posição era um descendente directo da noção filosófica mais antiga da associação , com uma diferença significativa: em vez de falar sobre associações ou conexões entre ideias, Thorndike propunha conexões entre situações e respostas. Assim, ele incorporou um referencial mais objectivo à sua teoria psicológica. Seu estudo da aprendizagem também diferia do associacionismo clássico pelo facto de os sujeitos serem animais, e não seres humanos. Esse método se tomara aceitável como resultado da noção darwiniana de continuidade das espécies. Embora se concentrasse nas conexões entre situações e respostas, e alegasse que a aprendizagem não envolve reflexão consciente, Thorndike estava voltado para processos mentais ou subjectivos. Falava em “satisfação”, “contrariedade” e “desconforto” ao discutir o comportamento dos seus animais experimentais, termos mais mentalistas do que comportamentalistas. Logo, Thomdike revelava a influência da perspectiva estabelecida por Romanes e Morgan. “Para Thomdike..., a análise detalhada das operações mentais de um animal, com base na inferência objectiva, era seguida por descrições da experiência particular do animal com base na inferência subjectiva” (Mackenzíe, 1977, p. 70). Deve-se dizer que Thorndike, à semelhança de Jacques Loeb, não admitia com a facilidade e extravagancia de Romanas que os animais tivessem altos níveis de consciência e de inteligência. Podemos ver uma consistente diminuição no papel que a consciência teve, na psicologia animal, desde o seu começo até a época de Thorndike, assim como uma concentração maior no uso do método experimental para o estudo do comportamento mais objectivo. A despeito da nuança mentalista do trabalho de Thorndike, não devemos perder de vista a natureza mecanicista de sua abordagem. Ele afmnava que, para estudar o comportamento, dever-se-ia decompô-lo ou reduzi-lo aos seus elementos mais simples: as unidades estímulo- resposta. Desse modo, ele partilhava com os estruturalistas um ponto de vista analítico e atomista. Essas unidades são os elementos do comportamento (e não da consciência), os blocos de construção a partir dos quais se compõem comportamentos mais complexos. As conclusões de Thomdike derivaram das pesquisas que ele fez empregando um equipamento que projectou, a caixa-problema. O animal colocado na caixa tinha de aprender a operar um trinco para escapar. Os estudos de Thorndike com gatos envolviam a colocação de um gato privado de alimento na caixa. Colocava-se comida fora dela como recompensa para a fuga. A porta da caixa ficava fechada por vários trincos. O gato tinha de puxar uma alavanca ou corrente e, às vezes, executar vários actos em sucessão a fim de abrir a porta. No início, o gato exibia um comportamento meio caótico, empurrando, farejando e dando patadas para conseguir o alimento. Ele terminava por descobrir o comportamento correcto e a porta se abria. Na primeira tentativa, esse comportamento ocorria por acaso. Em tentativas subseqüentes, os comportamentos aleatórios iam sendo exibidos com frequência cada vez menor até a aprendizagem se completar. Depois disso, o gato se comportava correctamente tão logo era colocado na caixa. Thorndike adoptou medidas quantitativas de aprendizagem. Uma das técnicas consistia em registar o número de comportamentos errados, de actos que não levavam à fuga. Esses comportamentos tinham sua frequência reduzida numa série de tentativas. Outra técnica envolvia o registo do tempo decorrido entre o momento em que o gato era posto na caixa e a sua fuga bem-sucedida. Com a aprendizagem, esse intervalo diminuía. Thomdike escreveu sobre a incorporação ou obliteração de uma tendência de resposta a partir dos resultados favoráveis ou desfavoráveis. Tendências de resposta mal-sucedidas (as que nada faziam para que o gato saísse da caixa) são obliteradas depois de algumas tentativas. Tendências de resposta que levam ao êxito são incorporadas nas mesmas circunstâncias. Esse tipo de aprendizagem tem sido chamado de aprendizagem por tentativa e erro, Thorndike preferia denominá-lo “tentativa e sucesso casual” (Jonçich, 1968, p. 266). A incorporação ou obliteração (rejeição) de uma tendência de resposta foi formalizada por Thorndike como a lei do efeito: “Todo acto que, numa dada situação, produz satisfação na caixa-problema de Thorndike, associado com essa situação, de maneira que, quando a situação se repete, o acto tem mais probabilidade de se repetir do que antes. Inversamente, todo acto que, numa dada situação, produz desconforto se toma dissociado dessa situação, de maneira que, quando a situação se repete, o acto tem menos probabilidade de se repetir do que antes” (Thorndike, 1905, p. 203). Uma lei concomitante - a lei do exercício ou lei do uso e desuso - afirma que toda resposta dada numa situação particular fica associada com essa situação. Quanto mais é usada na situação, tanto mais fortemente a resposta se associa com ela. Inversamente, o desuso prolongado da resposta tende a enfraquecer a associação. Em outras palavras, a simples repetição de uma resposta numa situação tende a fortalecer essa resposta. As pesquisas ulteriores de Thorndike o convenceram de que a repetição de uma resposta é relativamente ineficaz em comparação com as consequências da resposta em termos de recompensa. No início dos anos 30, Thorndike reexaminou a lei do efeito num amplo programa de pesquisa com sujeitos humanos. Os resultados revelaram que recompensar uma dada resposta de facto a fortalece, mas que impor uma punição a uma determinada resposta não produz um efeito negativo comparável. Ele reformulou a lei do efeito dando maior ênfase à recompensa do que à punição. CAROS ESTUDANTES DO CURSO DE PSICOLOGIA ESCOLAR NO ISEDEF, COMENTÁRIOS A FAZER SOBRE A TEORIA DA LEI DE EFEITO DE THOMDIKE? As investigações feitas por Thorndike sobre a aprendizagem humana e animal estão entre as mais importantes da história da psicologia. Suas teorias tiveram amplo uso na educação, aumentando o envolvimento da psicologia nessa especialidade. Além disso, sua obra anunciou a ascensão da teoria da aprendizagem à proeminência que ela alcançaria na psicologia americana. Embora teorias e modelos de aprendizagem cada vez mais novos tenham surgido desde a época de Thorndike, o significado de suas contribuições permanece inalterado. Sua obra é um marco no associacionismo, e o espírito objectivo com que conduziu suas pesquisas é uma relevante contribuição para o comportamentalismo. Com efeito, John B. Watson escreveu que as pesquisas de Thorndike assentaram os alicerces do comportamentalismo. Ivan Pavlov também prestou tributo a Thorndike: Alguns anos depois do início do trabalho com o nosso novo método, chegou ao meu conhecimento que experiências um tanto semelhantes tinham sido realizadas na América e, de facto, não por fisiologistas, mas por psicólogos. A partir de então, estudei com mais atenção as publicações americanas e agora devo reconhecer que a honra de ter dado os primeiros passos por esse caminho pertence a E. L. Thomdike. Suas experiências precederam as nossas em dois ou três anos, devendo o seu livro ser considerado um clássico, tanto pela sua perspectiva corajosa diante de uma tarefa imensa como pela precisão dos seus resultados (Pavlov, 1928, in Jonçich, 1968, pp. 415-416). Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) A influência de Pavlov é pronunciadamente sentida em muitas áreas da psicologia contemporânea. Seu trabalho sobre a aprendizagem ajudou a levar o associacionismo, de sua ênfase tradicional nas ideias subjectivas, para o estudo concentrado das secreções glandulares e movimentos musculares objectivos e quantificáveis. Em consequência, o trabalho de Pavlov forneceu a Watson um novo método de estudo do comportamento e uma maneira de tentar controlá-lo e modificá-lo. Vejamos aqui a Vida de Pavlov, caros estudantes Ivan Pavlov nasceu na cidade de Ryazan, na Rússia Central, sendo o primogênito dos onze filhos de um pároco de aldeia. Sua posição numa família tão grande lhe impôs responsabilidades e trabalhos duros ainda em tenra idade, características que ele conservou por toda a vida. Pavlov deixou de ir à escola por vários anos devido a um acidente que envolveu um grave golpe em sua cabeça quando ele tinha sete anos. Seu pai o educou em casa e, em 1860, ele entrou para o seminário de teologia, pretendendo preparar-se para o sacerdócio. Mais tarde, depois de ler Darwin, Pavlov mudou de idéia. Em 1870, percorreu a pé várias centenas de quilómetros para frequentar a universidade em São Petersburgo, onde decidiu especializar-se em fisiologia animal. Com seu treinamento universitário, Pavlov juntou-se à terceira classe emergente da sociedade russa, a intefligentsia. As outras classes eram a aristocracia e o campesinato. Pavlov era educado e inteligente demais para o campesinato de onde viera, mas comum e pobre demais para a aristocracia, que jamais poderia alcançar. Essas condições sociais costumam produzir um intelectual particularmente dedicado que tem a vida inteira centrada nos interesses intelectuais que justificam a sua existência. E foi o que ocorreu com Pavlov, cuja devoção quase fanática à ciência pura e à pesquisa experimental era sustentada pela energia e simplicidade de um camponês russo (Milier, 1962, p. 177). Pavlov se diplomou em 1875 e iniciou o treinamento médico, não para praticar a medicina, mas com a esperança de seguir carreira na área da pesquisa fisiológica. Depois de estudar dois anos na Alemanha, voltou a São Petersburgo, onde foi por vários anos assistente de pesquisa de laboratório. Sua dedicação à pesquisa foi de extrema importância. A obstinação de Pavlov não se deixava perturbar por questões práticas como salário, vestuário ou condições de vida. Sua esposa, Sara, que ele desposou em 1881, dedicava-se a protegê-lo das questões mundanas. Logo no início do casamento eles fizeram um pacto, concordando que ela não deixaria que nada o distraísse do trabalho. Ele prometeu, em troca, nunca beber nem jogar cartas, e só freqüentar reuniões nas tardes de sábado ou domingo. Pavlov seguia uma disciplina rígida, trabalhando sete dias por semana de setembro a maio; os verões eram passados no campo. Ê característica da sua indiferença pelos assuntos cotidiahos a história segundo a qual Sara precisava lembrá-lo frequentemente do dia de receber o pagamento. Ela dizia que “não se pode confiar que ele compre uma única roupa sozinho”. Nada lhe interessava excepto a pesquisa. Quando tinha setenta e três anos e ia de bonde para o laboratório, ele saltou do veículo em movimento, caiu e quebrou a perna. “Ele era o próprio ímpeto. Não podia esperar que parasse. Uma mulher que estava por perto viu o que havia acontecido e disse: ‘Minha nossa; esse homem é um gênio, mas não sabe descer de um bonde sem quebrar a perna’ “ (Gantt, 1979, p. 28). A família viveu na pobreza até 1890, quando, aos quarenta e um anos, Pavlov fmalmente conseguiu o posto de professor de farmacologia na Academia Médica Militar de São Petersburgo. Em 1883, enquanto Pavlov preparava sua dissertação de doutorado, nasceu seu primeiro filho. Fraca e doentia, a criança não sobreviveria, disse o médico, a não ser que ela e a mãe pudessem descansar no campo. Com grande esforço, Pavlov conseguiu tomar emprestado dinheiro suficiente para a viagem; mas era tarde, e a criança morreu. Por algum tempo, Pavlov dormiu no laboratório, enquanto a esposa e o segundo filho ficavam com parentes, porque eles não podiam pagar um apartamento. Um grupo de alunos seus, sabendo de suas dificuldades fmanceiras, deu dinheiro a Pavlov a pretexto de pagar as despesas das palestras que lhe haviam encomendado. Pavlov gastou o dinheiro com os animais do laboratório, não ficando com nada para si. Sua dedicação e seu compromisso com o trabalho eram tão grandes que as dificuldades não parecem tê-lo incomodado. Ele disse que isso nunca lhe causava “nenhuma preocupação exagerada”. Em 1923, Pavlov visitou os Estados Unidos para assistir a uma conferência em Nova York e foi roubado em dois mil dólares, uma soma considerável, na Grand Central Station. Ele tinha se sentado num banco para descansar por um momento e colocara a bagagem ao seu lado. Ficou tão absorto com a multidão e a paisagem ao seu redor que não cuidou da mala; ao levantar, ela havia desaparecido. “Bem”, disse ele, “não se devia colocar a tentação no caminho dos necessitados” (Gerow, 1986, p. 42). Agraciado com o Prêmio Nobel em 1904 pelo seu trabalho sobre as glândulas digestivas, Ivan Potrovitch Pavlov fez progredir a causa da objectividade em psicologia graças a pesquisas sobre a formação do reflexo condicionado. Pavlov costumava ter fortes explosões emocionais no trabalho, muitas vezes dirigidas aos assistentes de pesquisa. Conta-se que, durante a Revolução Boichevique de 1917, ele reclamou com um dos seus assistentes que chegara dez minutos atrasado; disparos de armas de fogo nas ruas não iriam interferir na pesquisa. “Que diabo de diferença faz a revolução”, gritou ele, “quando você tem um trabalho a fazer no laboratório?” (Gantt, 1979, p. 29). De modo geral, esses assomos logo eram esquecidos. Seus alunos sabiam o que se esperava deles, pois Pavlov nunca hesitava em lhes dizer. Ele era honesto e directo, embora nem sempre polido, em suas relações com os outros. Ele tinha consciência do seu mau gênio. Quando um membro do laboratório, cansado dos seus insultos, pediu para sair, “Pavlov replicou que seu comportamento abusivo não passava de um habito, e que o colaborador deveria tratá-lo como o mau cheiro dos cães, querendo dizer que isso não era uma razão suficiente para ele se demitir do laboratório” (Windholz, 1990, p. 68). Os fracassos nas pesquisas levavam Pavlov à depressão, mas os sucessos lhe causavam tanta felicidade que ele se congratulava não só com os colaboradores como com os próprios animais das experiências. Conhecido como um excelente professor, Pavlov era capaz de fascinar um auditório de alunos e colegas. Implacável numa discussão, mesmo assim admitia seus erros, embora errar fosse raro. Era popular com os alunos e um dos poucos professores que os encorajavam a interromper as palestras com perguntas. “Havia claros ciúmes entre os pupilos de Pavlov acerca de quem era mais íntimo dele”, escreveu um colega. “As pessoas contavam vantagens quando Pavlov falava com elas por algum tempo e... a atitude de Pavlov com relação a uma pessoa era o principal factor determinante da hierarquia no grupo” (Konorski, 1974, p. 193). Muitos alunos começaram a imitar os gestos e o modo de falar de Pavlov. Pavlov foi um dos poucos cientistas russos a permitir mulheres e judeus no seu laboratório, ficando irado quando alguém exprimia um simples indicio de anti-semitismo. Dono de um bom senso de humor, sabia apreciar uma brincadeira. Durante a cerimônia em que recebeu um grau honorário da Universidade Carnbridge da Inglaterra, alguns alunos fizeram descer por uma corda, até o seu colo, um cachorro de brinquedo. Pavlov levou-o para casa e guardou-o ao lado da escrivaninha. Suas relações com o regime soviético eram complicadas e difíceis. Ele criticava abertamente a revolução e o governo soviético. Escrevia cartas de protesto perigosamente fortes e iradas a Joseph Stalin, o líder tirânico que matou e exilou milhões de pessoas, e boicotava reuniões científicas russas para demonstrar sua desaprovação. Só em 1933 aceitou o governo, reconhecendo que este conseguira algum sucesso em unir os povos soviéticos. Nos últimos três anos da sua vida, Pavlov viveu em paz com as autoridades a quem criticara por dezesseis anos. Apesar de sua atitude, Pavlov recebia um generoso apoio da burocracia soviética para as suas pesquisas, e em geral não sofria a interferência do govemo. Uma passagem da autobiografia de Pavlov resume a sua atitude geral: Rememorando a minha vida, eu a descreveria como feliz e bem-sucedida. Recebi tudo o que se pode esperar dela: a plena realização dos princípios com que comecei a viver. Sonhei encontrar felicidade no trabalho intelectual, na ciência — e encontrei. Desejava ter uma pessoa amável como a companheira da minha vida e a encontrei na minha esposa... que suportou com paciência todas as dificuldades da nossa existência antes de eu chegar a professor, sempre encorajou minhas aspirações científicas e dedicou-se à nossa família tal como eu me dediquei ao laboratório. Renunciei às coisas práticas da vida, com seus meios astutos e nem sempre irrepreensíveis, e não vejo razões para me arrepender disso; pelo contrário, encontro precisamente aí um certo consolo (Pavlov, 1955, p. 46). Pavlov era cientista em todas as situações. Tinha o hábito de auto-observar-se sempre que estava doente, e o dia de sua morte não foi excepção. Ele chamou o médico, um neuropa tologista, e descreveu seus sintomas. Embora muito fraco por causa de uma pneumonia, Pavlov conseguiu relatar: “Meu cérebro não está funcionando bem; surgem sentimentos obsessivos e movimentos involuntários; a mortificação deve estar se instalando” (Gantt, 1941, p. 35). Depois de discutir o significado dos sintomas com o médico por algum tempo, adormeceu. Ao despertar, Pavlov levantou-se na cama e começou a procurar as roupas, com a mesma energia impaciente que demonstrara a vida inteira. “É hora de levantar”, exclamou. “Ajude-me, tenho de me vestir!” E, com isso, caiu nos travesseiros e morreu. Os Reflexos Condicionados Durante sua notável e produtiva carreira, Pavlov trabalhou em três temas de pesquisa. O primeiro se relacionava com a função dos nervos cardíacos, e o segundo, com as glândulas digestivas primárias. Sua brilhante pesquisa sobre a digestão lhe deu reconhecimento mundial e, em 1904, o Prêmio Nobel. Sua terceira área de pesquisa, graças à qual ele ocupa um lugar proeminente na história da psicologia, foi o estudo dos centros nervosos superiores do cérebro. Dedicou-se a esse trabalho com sua energia e determinação típicas, de 1902 até morrer, em 1936. Em seu trabalho sobre esse tópico, ele usou a técnica do condicionamento, sua maior realização científica (Pavlov, 1927). A noção de reflexos condicionados surgiu, como tantos progressos científicos decisivos, de uma descoberta acidental. Trabalhando com as glândulas digestivas de cães, Pavlov empregou o método da exposição cirúrgica para permitir a colecta das secreções digestivas fora do corpo, onde podiam ser observadas, medidas e registadas. As operações cirúrgicas necessárias para desviar as secreções de uma glândula particular, por meio de um tubo, para fora do corpo, sem prejudicar os nervos e o suprimento de sangue, exigiam uma considerável engenhosidade e habilidade técnica. Um dos aspectos desse trabalho tinha relação com a função da saliva, que podia ser involuntariamente secretada sempre que a comida era colocada na boca do cachorro. Pavlov observou que, às vezes, a saliva aparecia antes de a comida ser dada, isto é, ocorria um fluxo antecipatório de saliva. Os cães salivavam quando viam a comida ou a pessoa que costumava alimentá-los, e até quando ouviam seus passos. O reflexo da secreção, com sua resposta não- aprendida da salivação, tinha de alguma maneira se conectado com ou sido condicionado por estímulos que, em ocasiões precedentes, estavam associados ao acto de alimentar. Esses reflexos psíquicos (o nome que Pavlov lhes deu originairnente) eram despertados no animal por estímulos que não o original (o alimento). Pavlov percebeu que isso acontecia porque esses outros estímulos (tais como a visão e os sons do assistente) tinham sido com frequência associados à ingestão de alimentos. Os associacionistas tinham se referido a esse fenómeno pela designação de associação por frequência de ocorrência. Depois de um longo período de dúvidas sobre o prosseguimento dessa observação devido à sua natureza psíquica, Pavlov decidiu, em 1902, continuar, e logo mergulhou na nova pesquisa. Seguindo o ideal vigente na psicologia animal, Pavlov (como Thorndike, Loeb e outros antes dele) se concentrou no inicio nas experiências mentalistas dos seus animais de laboratório; podemos ver isso em seu termo original para os reflexos condicionados reflexos psíquicos. Ele escreveu sobre os desejos, o julgamento e a vontade dos animais, interpretando os eventos psíquicos destes em termos subjectivos, humanos. Passado algum tempo, contudo, Pavlov desprezou todas as referências mentalistas em favor de uma abordagem directa, objectiva, que descreveu da seguinte maneira: “No começo das nossas experiências psíquicas com as glândulas psíquicas..., tentamos conscientemente explicar nossos resultados imaginando o estado subjectivo do animal. Mas nada veio disso, a não ser uma controvérsia estéril e concepções individuais irreconciliáveis. Por essa razão, só nos restava a alternativa de fazer a pesquisa em bases puramente objectivas” (Cuny, 1965, p. 65). A pesquisa subseqüente de Pavlov foi um modelo de objectividade e de precisão. Seus primeiros experimentos foram simples. Ele mostrava ao cão um pedaço de pão que tinha nas mãos antes de dá-lo ao animal para que comesse. Com o tempo, a salivação começava assim que o cão via o pão. A resposta da salivação, quando o pão era colocado na boca do animal, era urna resposta reflexa natural do sistema digestivo; não há necessidade de aprendizagem para que. isso ocorra. Pavlov denominou-a reflexo não condícíonado ou inato. Salivar diante da visão da comida não é, contudo, um acto reflexo, mas uma resposta que tem de ser aprendida. Pavlov denominou esta última de reflexo condicionado (em vez de usar a expressão mentalista reflexo psíquico), porque essa resposta dependia de uma associação ou conexão entre a visão da comida e sua subsequente ingestão, ou estava condicionada a ela. Pavlov descobriu que qualquer estímulo podia produzir a resposta salivar condicionada, desde que fosse capaz de atrair a atenção do animal sem despertar nele medo ou raiva. Ele testou estímulos com uma sineta, uma campainha, uma lâmpada e o tiquetaque de um metrônomo. Sua meticulosidade e precisão ficam evidenciadas na complexa e sofisticada técnica usada para colectar a saliva. Um tubo de borracha era inserido numa incisão feita na bochecha do cão, e era por ali que a saliva fluía. Cada gota de saliva, ao cair numa plataforma assentada sobre uma mola sensível, ativava um marcador num tambor rotativo. Esse arranjo, que possibilitou o registo do número preciso de gotas e do momento em que cada uma caía, é apenas um exemplo do grande esforço de Pavlov para padronizar as condições experimentais, aplicar controles rigorosos e eliminar fontes de erro. Ele se preocupava tanto em evitar intromissões que projectou cubículos especiais para a sua pesquisa. O animal experimental era colocado em arreios num cubículo, e o experimentador ocupava outro, podendo assim operar os vários estímulos de condicionamento, colectar a saliva e apresentar a comida sem ser visto pelo animal. Todas essas precauções, porém, não o satisfaziam por completo. Ele acreditava que ainda assim estímulos ambientais intercorrentes podiam afectar os animais. Com recursos fornecidos por um negociante moscovita. Pavlov projectou um prédio de pesquisas de trâs andares, mais tarde apelidado de a “Torre do Silencio”, em que as janelas eram revestidas por vidros muito grossos. As salas tinham portas de aço duplas que se fechavam hermeticamente, e as vigas de aço que sustentavam os pisos estavam embutidas em areia. Uma vala profunda cheia de palha cercava a edificação. Assim eliminavam-se as vibrações, os ruídos, os extremos de temperatura, os odores e até correntes de ar. Pavlov esperava que nada além dos estímulos condicionantes a que os animais estavam expostos os afetasse. Um experimento típico de condicionamento era realizado da seguinte maneira. O estímulo condicionado (uma luz, por exemplo) é apresentado (neste caso, acesa). Imediatamente se apresenta o estímulo não condicionado (o alimento). Depois de algumas apresentações pareadas de luz e alimento, o animal saliva ao ver a luz. O animal está então condicionado a responder ao estímulo condicionado. Está formada uma associação ou vínculo entre a luz e o alimento. A aprendizagem ou o condicionamento só ocorre se a luz for seguida pelo alimento algumas vezes. Logo, o reforço (ser alimentado) é necessário para que a aprendizagem aconteça. Além de estudar a formação dessas respostas condicionadas, Pavlov e seus associados investigaram fenómenos correlatos como o reforço, a extinção de respostas, a recuperação espontânea, a generalização, a discriminação e o condicionamento de ordem superior todos eles termos bem conhecidos na actual linguagem da psicologia. Cerca de duzentos colaboradores foram trabalhar com Pavlov, e seu programa experimental se estendeu por um período de tempo mais longo e envolveu mais pessoas do que qualquer esforço de pesquisa desde Wundt. Uma observação sobre Twitmyer Um interessante dado histórico revela a descoberta independente do mesmo fenómeno ao mesmo tempo. Em 1904, o jovem americano Edwin Burket Twitmyer (1873-1943), ex-aluno de Lightner Witmer na Universidade da Pensilvânia, apresentou uma comunicação na reunião da APA com base na sua dissertação de doutorado, completada dois anos antes. Seu trabalho tinha relação com o familiar reflexo bobo do joelho. No curso do seu estudo, o rapaz percebeu que os sujeitos começaram a responder a outros estímulos que não o original, que era o bater do martelo logo abaixo do joelho. Ele descreveu as reações dos sujeitos como um tipo novo e incomum de arco reflexo e sugeriu que ele fosse mais estudado (Twitmyer, 1905). Ninguém se interessou pelo que ele disse. Terminada a apresentação, o público não fez perguntas. Sua pesquisa foi ignorada. Desanimado, ele não levou a questão adiante. Várias razões foram fornecidas para explicar o contínuo anonimato de Twitmyer. Talvez o ideal americano ainda não estivesse pronto para aceitar uma noção como a de reflexo condicionado. Talvez o rapaz fosse muito jovem e inexperiente, ou carecesse das habilidades e recursos económicos necessários para perseverar e promover sua nova descoberta. Ou, talvez, fosse simplesmente uma questão de hora errada. Twitmyer fez sua palestra pouco antes do almoço, numa sessão dirigida por Wiiliair James. A sessão estava atrasando, e James (talvez faminto, ou quem sabe entediado) suspendeu-a peremptoriamente sem dar muito tempo para a discussão da comunicação de Twitmyer . Embora sua história seja lembrada periodicamente como outro exemplo de descoberta ela é também o trágico relato de um cientista que podia ter se tomado famoso por ter feito uma das mais importantes descobertas de toda a psicologia. “Certamente Twitmyer deve ter se debatido com essa constatação durante boa parte da sua vida , a noção do que o seu legado à psicologia poderia ter sido” (Benjamin, 1987, p. 1.119). Algumas considerações sobre as teorias de Pavlov Com a obra de Pavlov, as medidas e uma terminologia mais precisas e objectivas foram introduzidas no estudo da aprendizagem. Além disso, ele demonstrou que processos mentais superiores podiam ser estudados em termos fisiológicos com o uso de sujeitos animais, sem referência à consciência. Por outro lado, o condicionamento tem tido amplas aplicações práticas em áreas como a terapia comportamental. Portanto, o trabalho de Pavlov influenciou o rumo da psicologia para uma maior objectividade no seu objecto de estudo e metodologia, reforçando a tendência ao funcional e prático. As técnicas de condicionamento paviovianas deram à ciência da psicologia um elemento básico, o átomo do comportamento, uma unidade concreta operacional a que o comportamento humano complexo podia ser reduzido e servir como objecto experimental em condições de laboratório. Como veremos, John B. Watson apoderou-se dessa unidade de comportamento e fez dela o núcleo do seu programa. Pavlov gostou do trabalho de Watson, acreditando que o desenvolvimento do comportamentalismo nos Estados Unidos representava uma confirmação de suas ideias e métodos. É irônico que a maior influência de Pavlov tenha sido na psicologia, um campo em relação ao qual ele não se mostrava inteiramente favorável. Pavlov conhecia as psicologias estrutural e funcional, e concordava com William James que a psicologia ainda não alcançara a estatura de uma ciência. Em consequência, ele a excluiu do seu próprio trabalho. Ele cobrava multas dos assistentes de laboratório que usavam terminologia psicológica, e não fisiológica, e, em suas palestras, fazia com frequência observações como “devemos considerar o facto incontestado segundo o qual a fisiologia da parte superior do sistema nervoso de animais superiores não pode ser estudada com sucesso se não renunciarmos por inteiro às pretensões insustentáveis da psicologia” (Woodworth, 1948, p. 60). Perto do final da vida, Pavlov mudou de atitude e até se referia a si mesmo como psicólogo experimental. Mas sua concepção inicialmente negativa do campo não impediu os psicólogos de fazerem uso efectivo de sua obra. No princípio, eles usavam a resposta condicionada para medir a discriminação sensorial nos animais, fim para o qual ela ainda é empregada. Na década de 20, começaram a utilizá-la como o fundamento de teorias da aprendizagem, o que tem gerado muitas pesquisas, muitas aplicações e muita controvérsia. Vladimir M. Bekhterev (1857-1927) Vladinir Bekhterev é outra figura importante no movimento que deslocou o foco da psicologia animal e do estudo da aprendizagem das ideias subjetcivas para o comportamento manifesto objectivamente observável. Embora menos conhecido que Pavlov, esse fisiologista, neurologista e psiquiatra russo foi um pioneiro em várias áreas de pesquisa. Contemporâneo e rival de Pavlov nos primeiros anos do século XX, manifestou um interesse independente pelo condicionamento. Bekhterev graduou-se na Academia Médica Militar de São Petersburgo em 1881. Estudou em Leipzig com Wundt, fez alguns cursos em Berlim e em Paris e, ao voltar à Rússia, assumiu a cadeira de doenças mentais na Universidade de Kazan. Em 1893, foi nomeado catedrático de doenças nervosas e mentais da Academia Médica Militar, onde também organizou um hospício. Em 1907, fundou o Instituto Psiconeuro (hoje chamado Instituto Bekhterev de Pesquisas Psiconeurológicas) e iniciou um programa de pesquisas neurológicas. A pesquisa de Pavlov sobre os condicionamentos se concentrara quase exclusivamente nas secreções gladulares. Bekhterev se interessou pela resposta condicionante motora, estendendo o principio pavioviano do condicionamento aos músculos estriados. Sua descoberta básica foi o reflexo associado, revelado pelo estudo de respostas motoras. Ele verificou que os movimentos reflexos — como o afastamento do dedo diante de uma fonte de choque elétrico — poderiam ser provocados não só pelo estímulo não condicionado (o choque elétrico) como também por estímulos associados com o original. Por exemplo, fazer soar uma campainha na hora do choque logo provocava o afastamento do dedo. Os associacionistas explicavam esses vínculos em termos da operação de alguma espécie de processo mental. Bekhterev, por seu turno, considerava as reações totalmente reflexas. Ele acreditava que comportamentos de nível superior, de maior complexidade, podiam ser explicados da mesma maneira, isto é, como uma combinação dos reflexos motores de nível inferior. Os processos de pensamento tinham para ele o mesmo carácter, visto dependerem das actividades interiores da musculatura da fala, ideia mais tarde adoptada por Watson. O psiquiatra russo defendia uma abordagem completamente objectiva dos fenómenos psicológicos, opondo-se ao emprego de conceitos mentalistas. Ele apresentou suas ideias no livro Psicologia Objectiva, publicado em 1907. Esse trabalho foi traduzido para o alemão e para o francês em 1913, quando foi lido por Watson. Em 1932, publicou-se em inglês uma terceira edição com o título General PrincipIes of Human Reflexology (Princípios Gerais de Reflexologia Humana). Comentários sobre Bekhterev Desde os primeiros momentos da psicologia animal, na obra de Romanes e Morgan, podemos perceber um movimento constante no sentido de uma maior objectividade em termos de objecto de estudo e de metodologia. Os trabalhos iniciais do campo recorriam aos conceitos de consciência e processos mentais, empregando métodos de pesquisa que também eram subjectivos. No início do século XX, contudo, o objecto de estudo e a metodologia da psicologia animal eram totalmente objectivos. Secreções glandulares, reflexos condicionados, actos, comportamentos — esses termos não deixavam dúvida de que a área finalmente se livraria do seu passado subjectivo. Dentro em breve, a psicologia animal iria servir de modelo para o comportamentalismo, cujo líder preferia claramente sujeitos animais a humanos, em sua pesquisa psicológica. Watson adotou as descobertas e métodos dos psicólogos animais como base do desenvolvimento de uma ciência do comportamento, aplicável tanto aos animais como aos homens. A Influência do Funcionalismo no Comportamentalismo Outro antecedente directo do comportainentalismo foi o funcionalismo. Embora não totalmente objectiva, na época de Watson a psicologia funcional tinha de facto uma maior objectividade do que suas antecessoras. Cattell e outros funcionalistas, que acentuavam o comportamento e a objectividade, tinham declarado sua insatisfação com a introspecção. Dissemos que na virada do século, menos de 3% dos artigos experimentais publicados nas revistas psicológicas americanas envolviam o uso da introspecção. Os psicólogos aplicados pouco tinham a fazer com a consciência e a introspecção, e suas várias especialidade constituíam essencialmente uma psicologia funcional objectiva. Assim, os psicólogos funcionais tinham abandonado a psicologia pura da experiência consciente, proposta por Wundt e Titchener, antes de Watson entrar em cena. Em seus escritos e palestras, alguns psicólogos funcionais eram bem específicos ao defender uma psicologia objectiva que tivesse como foco o comportamento, e não a consciência. Cattell, falando na Feira Mundial de St. Louis, Missouri, em 1904, disse: Não estou convencido de que a psicologia deva limitar-se ao estudo da consciência como tal... A noção tão generalizada de que não há psicologia fora da introspecção é refutada pelo argumento material do facto consumado. Parece-me que a maioria dos trabalhos de pesquisa realizados por mim ou no meu laboratório é quase tão independente da introspecção quanto o trabalho da física ou da zoologia... Não vejo razão para que a aplicação do conhecimento sistematizado ao controle da natureza humana não possa, no curso deste século, alcançar resultados comparáveis às aplicações da ciência física ao mundo material, no século XIX (Cattell, 1904, pp. 179-180, 186). Watson estava presente à palestra de Cattell. A semelhança entre a sua posição pública ulterior e a declaração de Cattell é tão flagrante que um historiador sugeriu que este último deveria ser chamado de “avô” do comportanientalismo de Watson (Burnham, 1968, p. 149). Na década anterior à fundação formal do comportamentalismo por Watson, o clima intelectual estadunidense favorecia e reforçava a ideia de uma psicologia objectiva, e o movimento geral da psicologia americana seguia a direcção comportamentalista. Robert Woodworth, da Universidade Colúmbia, comentou que os psicólogos americanos estavam “chegando lentamente ao comportamentalismo..., na medida em que um número cada vez maior deles exprimia, a partir de 1904, uma preferência por definir a psicologia como a ciência do comportamento, e não como uma tentativa de descrição da consciência” (Woodworth. 1943, p. 28). Em 1911, Walter Pillsbury, ex-aluno de Titchener, defmiu a psicologia, em seu manual, como a “ciência do comportamento”. Ele afirmava ser possível tratar os seres humanos com a mesma objetividade aplicada a qualquer outro aspecto do universo físico. No mesmo ano, Max Meyer publicou The Fundamental Laws of Human Behavior (As Leis Fundamentais do Comportamento Humano). Em 1912, William McDougall escreveu Psychology: The Study of Behavior (Psicologia: O Estudo do Comportamento); e Knight Dunlap, psicólogo da Johns Hopkins, onde Watson ensinava, propôs que se banisse a introspecção da psicologia. Angell, talvez o funcionalista de ideias mais avançadas, previu que a psicologia americana estava pronta para assumir uma maior objectividade. Em 1910, ele comentou que parecia possível que o termo consciência desaparecesse da psicologia, tal como ocorrera com alma. Em 1913, pouco antes do aparecimento do manifesto comportamentalista de Watson, Angeil desenvolveu esse ponto, sugerindo que seria proveitoso esquecer a consciência e descrever o comportamento animal e humano de maneira objectiva. Assim, a noção de que a psicologia deveria ser a ciência do comportamento já estava ganhando adesões. A grandeza de Watson não esteve em ser o primeiro a propor a ideia, mas em ver, talvez com mais clareza do que qualquer outro, o que o tempo exigia. E mostrou ser o agente vigoroso e activista de uma revolução cuja inevitabilidade e êxito já estavam garantidos, pois ela já estava ocorrendo. John B. Watson (1878 -1958) Caros estudantes, discutimos vários antecedentes do movimento comportainentalista que influenciaram Watson na sua tentativa de construir uma nova escola de pensamento para a psicologia. Admitindo que fundar não é o mesmo que dar origem , ele descreveu seus esforços como uma cristalização de tendências correntes na psicologia. Tal como Wilhelm Wundt, o primeiro promotor-fundador da psicologia, Watson se dedicou deliberadainente a fundar uma nova escola. Essa intenção o distingue de outros a quem a história hoje considera precursores do comportamentalismo. A Vida de Watson. John B. Watson nasceu numa fazenda perto de Greenvifle, Carolina do Sul, onde sua educação elementar ocorreu numa escola de uma única sala. Sua mãe era extremamente religiosa, e o seu pai, exactamente o oposto. O velho Watson bebia bastante, era dado à violência e teve várias relações extraconjugais. Como o pai de Watson nunca passava muito tempo num emprego, a família vivia à beira da pobreza, mal subsistindo com o produto da fazenda. Os vizinhos sentiam pena e desdém. Embora sua carreira académica tenha sido breve, John B. Watson, o fundador do comportamentalismo, foi fundamental na elaboração de uma psicologia objectiva, livre do mentalismo, e com o mesmo grau de cientificidade da física. Quando Watson tinha treze anos, seu pai fugiu com outra mulher, para nunca mais voltar, o que magoou Watson pelo resto da sua vida. Muitos anos depois, quando Watson já era rico e famoso, o pai foi a Nova York tentar vê-lo, mas ele se recusou a encontrá-lo. Na infância e na juventude, Watson foi descrito como um delinqüente. Ele mesmo dizia ser preguiçoso e insubordinado, e nunca foi além da média necessária para passar de ano na escola. Seus professores o consideravam indolente, insolente e, às vezes, incontrolável. Ele se envolvia em brigas e foi preso duas vezes, numa delas por dar tiros em área urbana. Mesmo assim, ele se matriculou na Universidade Furman, dos batistas, em Greenville, aos dezesseis anos, decidido a ser ministro religioso. Ele prometera à mãe, muitos anos antes, que abraçaria a vida clerical. Watson estudou filosofia, matemática, latim e grego, e esperava graduar-se em 1899 e entrar no Seminário Teológico de Princeton no outono seguinte. Ocorreu uma coisa curiosa no último ano de Watson em Furman. Um dos professores avisou os alunos que quem entregasse o exame final com as páginas trocadas seria reprovado. Watson levou a sério o desafio, pôs a prova invertida e foi reprovado; ao menos foi assim que ele contou a história. Um exame mais recente dos dados pertinentes da história — no caso, as notas de Watson — revela que ele não foi reprovado nessa matéria em particular. Seu biógrafo sugere que a história que Watson preferiu contar revela algo de sua natureza, isto é, “sua ambivalência diante do sucesso. Sua constante luta por conquistas e aprovação era sabotada com frequência por actos de pura obstinação e impulsividade, mais características de uma evitação da respeitabilidade” (Buckley, 1989, p. 11). Watson ficou em Furman mais um ano e recebeu o grau de mestre em 1900; nesse ano, porém, sua mãe faleceu, liberando-o do voto de tomar-se ministro. Em vez do seminário teológico, Watson foi para a Universidade de Chicago. Na época, era “um jovem ambicioso, muito consciente do status social, ávido por deixar sua marca no mundo, mas totalmente confuso quanto à sua escolha de profissão e desesperadamente inseguro com relação à sua falta de meios e de sofisticação social. Ele chegou ao campus com cinquenta dólares no bolso” (Bucldey, 1989, p. 39). Escolhera Chicago para pós-graduar-se em filosofia sob a direcção de John Dewey, mas, passado algum tempo, considerou Dewey incompreensível. “Eu nunca soube do que ele estava falando na época”, relembrou Watson, “e, infelizmente para mim, continuo não sabendo” (Watson, 1936, p. 274). Seu entusiasmo pela filosofia logo diminuiu. Interessou-se pela psicologia graças à obra de James Rowland Angeil, e estudou neurologia, biologia e fisiologia com Jacques Loeb, que lhe deu a conhecer o conceito de mecanismo. Ele trabalhou em várias ocupações — garçom de uma república, tratador de ratos e assistente de zelador (suas tarefas incluíam limpar a escrivaninha de Angell). Perto do fmal dos estudos, sofria ataques agudos de ansiedade e não conseguia dormir sem uma lampada acesa. Em 1903, Watson se doutorou, a pessoa mais jovem a obter um doutorado da Universidade de Chicago. Embora fosse aprovado com louvor, ele relata que teve um profundo sentimento de inferioridade quando Angeil e Dewey lhe disseram que seu exame doutoral não era tão bom quanto o de Helen Thompson Woolley, que se graduara dois anos antes. Woolley, apesar de sua competência, enfrentou uma considerável discriminação sexual e foi preterida na carreira acadêmica. Nesse mesmo ano, Watson casou com uma de suas alunas, Mar’ Ickes, de dezanove anos, filha de uma família social e politicamente importante. Conta-se que a jovem e impressionável Mary escrevera um longo poema de amor para Watson num dos exames, em vez de responder às perguntas. Não se sabe que nota recebeu, mas Watson não reprimio a ela. Sua família se opôs ao casamento; seu irmão chamou Watson, que tivera vários casos com alunas, de “um patife egoísta e presunçoso” (Buckley, 1989, p. 50). Watson permaneceu como instrutor na Universidade de Chicago até 1908. Publicou sua dissertação sobre a maturação neurológica e psicológica do rato branco e cedo demonstrou sua preferência por sujeitos animais. Eu nunca quis usar sujeitos humanos. Detestei servir como sujeito. Eu não gostava das instruções enfadonhas e artificiais que eram dadas aos sujeitos. Sempre me sentia pouco à vontade e agia sem naturalidade. Com os animais, eu me sentia em casa. Tinha a impressão de que, estudando-os, me mantinha perto da biologia, com os pés no chão. Ocorria-me cada vez mais vezes um determinado pensamento: sem que não poderei descobrir, observando o seu comportamento, tudo o que os outros alunos estão descobrindo usando humanos? (Watson, 1936, p. 276). Alguns dos professores e colegas de Watson se lembram de que ele não era bom em introspecção. Sejam quais forem os talentos especiais ou os temperamentos necessários para isso, ele não os tinha. É possível que isso tenha sido parte do ímpeto que o fez rumar na direção de uma psicologia comportamental objectiva. Afmal de contas, se ele não era bom na prática da técnica essencial do seu campo, suas perspectivas de caifeira eram as piores possíveis.., a não ser que ele pudesse desenvolver outra abordagem. Além disso, se a psicologia fosse uma ciência dedicada apenas ao estudo do comportamento, que, de facto, podia ser feito tanto com animais como com seres humanos, os interesses profissionais dos psicólogos animais podiam ser promovidos e introduzidos na corrente principal do campo. Em 1908, quando se tomou elegível para um cargo de professor-assistente em Chicago, Watson recebeu a oferta de um cargo de professor efectivo na Johns Hopkins, de Baltimore. Embora relutasse em deixar Chicago, Watson não tinha muita escolha, devido à promoção, à oportunidade de dirigir o laboratório e ao substancial aumento de salário oferecidos pela Johns Hopkins. Ali, ele passou doze anos, seu período mais produtivo para a psicologia. Quem havia oferecido a Watson o emprego em Baltimore fora James Mark Baldwin (1861- 1934), que, com Cattell, fundara a revista Psychological Review. Sua principal área de interesse era a importância da teoria evolutiva no estudo da criança. Um ano depois da chegada de Watson, Baldwin foi obrigado a demitir-se por causa de um escândalo; ele fora preso durante uma batida policial num bordel. A explicação que dera para a sua presença na casa de má reputação não foi aceita pelo presidente da universidade. “Aceitei tolamente”, disse Baldwin, “uma sugestão, feita depois do jantar, de visitar bordel e ver o que se fazia ali. Eu não sabia, antes de ir, que mulheres imorais estavam abrigadas ali” (Evans e Scott, 1978, p. 713). Baldwin tomou-se um proscrito da psicologia americana e passou o resto da vida na Europa. Onze anos depois, a história se repetiu, quando o mesmo presidente da universidade pediu a renúncia de Watson por causa de um escândalo. Na época da demissão de Baldwin, contudo, Watson levou a melhor: tomou-se chefe do departamento de psicologia e substituiu Baldwin como editor da prestigiosa Psychological Review. Assim, aos trinta e um anos, Watson era uma figura central da psicologia americana, no lugar certo na hora certa. Watson era extremamente popular entre os alunos da Johns Hopkins. No ano em que chegou, eles lhe dedicaram o livro do ano e, em 1919, a classe dos veteranos o escolheu como o professor mais simpático, certamente uma homenagem ímpar na história da psicologia. Pessoalmente, Watson permaneceu obstinado, ambicioso e extremamente dedicado, chegando muitas vezes à beira da exaustão. Era frequente que se sentisse “à beira de um colapso”, lutando com “o medo de perder o controle; e costumava reagir trabalhando ainda mais” (Buckley, 1989, p. 67). Watson começou a pensar seriamente sobre uma abordagem mais objectiva para a psicologia por volta de 1903 e expressou suas ideias publicamente, pela primeira vez, em 1908, durante uma palestra em Yale. Quatro anos depois, a convite de Cattell, voltou a falar do assunto numa série de conferências na Universidade Colúmbia. No ano seguinte, 1913, publicou seu hoje famoso manifesto na Psychologi cal Review (Watson, 1913), lançando oficialmente o comportamentalismo. Behavior: Au Introduction to Comparative Psychology (O Comportamento: Introdução à Psicologia Comparada) apareceu no ano seguinte. Nesse livro, Watson defendia a aceitação da psicologia animal descrevendo as vantagens do uso de animais como sujeitos na pesquisa psicológica. Muitos psicólogos mais jovens e alunos acharam seu atraente comportamentalismo, acreditando que Watson desanuviava a atmosfera toldada da psicologia ao desvendar mistérios e incertezas de longa data, transportados da filosofia. Mary Cover Jones (1896-1987), então aluna e mais tarde presidente da Divisão de Psicologia do Desenvolvimento da APA, recordou, mais de meio século depois, o furor causado pela publicação de cada livro de Watson. “Ele abalou os fundamentos da psicologia tradicional de linhagem européea, e nós o recebemos de braços abertos... Ele apontou o caminho para passar de uma psicologia de gabinete à acção e à reforma, e por isso foi festejado como uma panacéia” (Jones, 1974, p. 582). Os psicólogos mais velhos não se sentiram tão cativados pelo seu programa; na verdade, a maioria rejeitou a sua abordagem. Suas reacções serão discutidas mais adiante. Apenas dois anos depois da publicação do artigo na Psychological Review, Watson foi eleito, aos trinta e sete anos, presidente da APA. Isso pode ter representado não tanto o endosso de sua posição quanto o reconhecimento de sua visibilidade no campo e de suas ligações pessoais com muitos psicólogos proeminentes. Watson desejava que os psicólogos e o público em geral percebessem que seu novo comportamentalismo tinha valor prático. Sua abordagem não se restringia ao laboratório, alcançando também o mundo real, e ele trabalhou duro para promover suas aplicações práticas em muitas áreas. Em 1916, Watson se tomou consultor de pessoal de uma grande companhia de seguros e ofereceu aos alunos da área comercial da Johns Hopkins um curso sobre a psicologia da publicidade. As actividades profissionais de Watson foram interrompidas pela Primeira Guerra, quando ele se incorporou, como major, ao Serviço de Aviação do Exército. Passada a guerra, em 1918, começou suas pesquisas com crianças, fazendo uma das primeiras tentativas de trabalho experimental com bebês humanos. Seu livro seguinte, Psychology from the Standpoint of a Behaviorist (A Psicologia do Ponto de Vista de um Coinportanientalista), foi publicado em 1919. Ele apresentava um quadro mais completo da psicologia do comportamento e afirmava que os métodos e princípios antes recomendados para a psicologia animal também eram aplicáveis, e legítimos, ao estudo dos seres humanos. Em 1920, Watson se apaixonou por Rosalie Rayner, sua assistente, que tinha a metade da sua idade e era filha de uma família abastada e importante de Baltimore que doara uma considerável soma à universidade. Watson lhe escrevera algumas tórridas cartas de amor, quinze das quais foram descobertas pela sua esposa. Excertos das cartas foram impressos no T7 Baltimore Sun durante o processo de divórcio amplamente divulgado que se seguiu. ‘Cada célula que eu tenho te pertence, individual e colectivamente”, escrevera Watson. “Minhas reacções totais são positivas e voltadas para ti. O mesmo ocorre com cada uma e com todas as reacções do meu coração. Não posso ser mais teu do que sou, mesmo que uma operação cirúrgica fizesse de nós um único ser” (Pauly, 1979, p. 40). Assim acabou a promissora carreira universitária de Watson. Ele foi forçado a se demitir da Johns Hopkins. Desposou Rosalie Rayner, mas nunca mais conseguiu assumir uma posição académica em tempo integral. Nenhuma universidade o queria, devido à notoriedade vinculada com o seu nome, e ele logo percebeu que teria de recomeçar a vida. “Posso encontrar um emprego comercial”, escreveu ele a um amigo. “Não seria tão ruim quanto criar galinhas ou plantar repolhos. Mas amo francamente o meu trabalho. Sinto que ele é importante para a psicologia e que a tênue chama que tenho tentado manter acesa em prol do futuro da psicologia se apagará se eu desistir” (Pauly, 1986, p. 39). Muitos colegas académicos, incluindo seu mentor, Angeli, na Universidade de Chicago, criticaram publicamente Watson em termos pessoais nesse período difícil. É compreensível que Watson tenha ficado amargurado com eles. Ironicamente, considerando seus temperamentos e posições teóricas radicalmente diferentes, E. B. Titchener, de Comeill, foi de grande ajuda para Watson durante a crise. “Você fez mais por mim do que todo o resto dos meus colegas juntos”, escreveu Watson a Titchener em 1922 (Larson e Suilivan, 1965, p. 346). Desempregado e tendo de pagar dois terços do seu antigo salário como pensão alimentar, Watson começou uma segunda carreira profissional como psicólogo aplicado no campo da publicidade. “Vou me dedicar ao trabalho comercial de todo o coração e queimarei todas as pontes” (Buckley, 1982, p. 21 1). Ele ingressou na agência J. Walter Thompson em 1921, tendo trabalhado em todos os departamentos; fez pesquisa de porta em porta, vendeu café e fez estágio como vendedor da loja de departamentos Macy’s para aprender sobre o mundo dos negócios. Empregando sua engenhosidade e disposição características, em três anos tornou-se vice-presidente. Em 1936, foi para outra agência, permanecendo como vicepresidente até 1945, quando se aposentou. Graças à aplicação dos princípios de sua psicologia comportamentalista, Watson exerceu um forte impacto sobre a publicidade norte-americana. Ainda é possível ver os efeitos do seu trabalho em comerciais e anúncios. Ele acreditava que as pessoas são como máquinas; seu comportamento de consumo pode ser previsto e controlado, tal como o comportamento de outras máquinas. Para controlar um consumidor, “basta apenas pôr diante dele um estímulo emocional fundamental ou condicional..., dizer-lhe algo que se vincule com o medo, algo que lhe desperte uma raiva branda, que evoque nele uma resposta afectiva ou amorosa ou atinja uma necessidade psicológica ou um hábito profundos” (Buckley, 1982, p. 212). Ele propôs o estudo científico do comportamento do consumidor em condições de laboratório, com uma cuidadosa atenção para com as pesquisas. Acentuou que as mensagens publicitárias tinham de ter como foco antes o estilo do que a substância, devendo dar a impressão de novas formas e imagens. O propósito era tornar os consumidores insatisfeitos com os produtos que tinham e gerar o desejo de novos bens. Foi pioneiro no uso dos endossos dados por celebridades a produtos, na manipulação dos motivos, emoções e necessidades humanas, bem como no recurso a necessidades e temores básicos com o fito de vender tudo — de automóveis a sabonetes desodorantes. Com isso, Watson alcançou proeminência e riqueza, chegando a afirmar que era muito feliz. Depois de 1920, seu contacto com a psicologia académica foi, é claro, apenas indirecto. Mas ele passava grande parte do tempo defendendo o comportamentalismo diante da opinião pública. Fazia palestras, pronunciamentos radiofónicos e escrevia artigos para revistas populares como Haiper’s, Cosniopolitan, McCall ‘s, Collier’s e The Nation. O facto de os editores dessas publicações lhe pedirem para escrever para elas mostra o interesse nacional pelo comportamentalismo. Em seus artigos, Watson promovia uma cruzada destinada a vender a mensagem do comportainentalismo a um público amplo. Ele escrevia num estilo claro e legível, se bem que um tanto simplista, e tinha bem recompensados os seus esforços. Em sua autobiografia, assinalou que, já que não podia publicar nas revistas profissionais de psicologia, não via razão para não se dirigir ao público e, na linguagem do seu novo campo da publicidade, vender seu peixe” (Watson, 1936). Watson fez palestras na New School for Social Research, da cidade de Nova York, surgindo delas o livro Behaviorism (Coinportamentalisino) (1925, 1930), que descrevia seu programa para a melhoria da sociedade. Em 1928, publicou um livro de puericultura, Psychological Care of the Infant and Child (O Cuidado Psicológico do Bebê e da Criança). Na obra, Watson apresentou um sistema regulador, e não permissivo, de criação de filhos, coerente com sua forte posição ambientalista. O livro estava cheio de conselhos rigorosos acerca do modo comportamentalista de educar crianças. Os pais nunca deveriam abraçá-las e beijá-las, ou permitir que se sentem no colo. Se não houver jeito, dê-lhes um único beijo na testa quando elas disserem boa-noite. Dê-lhes a mão pela manhã. Passe a mão em sua cabeça quando elas se saírem extraordinariamente bem numa tarefa difícil. Experimente. Em uma semana, você vai descobrir como é fácil ser perfeitamente objectivo com o seu filho, sem perder a ternura. Você vai ficar bastante envergonhado com o modo sentimental e piegas com que o tem tratado até agora (Watson, 1928, pp. 81-82). O livro transformou as práticas americanas de criação de filhos e foi a obra de maior impacto publicada por Watson. Uma geração de crianças, incluindo as suas, foi educada de acordo com essas prescrições. O filho de Watson, James, homem de negócios da Califórnia, recordou em 1987 que o pai era incapaz de demonstrar afeição pelos filhos e que nunca os beijava ou carregava. Para ele, seu pai era insensível, emocionalmente incomunicável, incapaz de exprimir qualquer sentimento ou emoção, ou de lidar com eles, e inadvertidarnente decidido a privar, a meu ver, meu irmão e eu de qualquer tipo de base emocional. Ele tinha a profunda convicção de que qualquer expressão de ternura ou afeição teria um efeito prejudicial sobre nós. Era muito rígido na concretização de suas filosofias fundamentais como comportamentalista (Hannush, 1987, pp. 137-138). James Watson fez psicanálise por seis anos depois de umá tentativa de suicídio. Seu irmão Williani formou-se psiquiatra e mais tarde se matou. A mãe de Jaines e William, Rosalie Rayner Watson, escreveu um artigo para a Parents Magazine, intitulado “Sou a Mãe dos Filhos de Um Comportamentalista”, no qual admitia um certo desacordo com as práticas de criação de filhos do marido. Ela dizia ter dificuldades para refrear por inteiro sua afeição pelos filhos e que, às vezes, gostaria de quebrar todas as regras comportamentalistas; na lembrança do filho James, isso nunca aconteceu (Duke, Fried, Phley e Waiker, 1989). Aos olhos do público, Watson possuía uma atraente combinação de características e aptidões pessoais. Era inteligente e articulado, e sua aparência simpática e seu charme lendário teriam feito dele um astro, uma figura carismática, na actual cultura dos meios de comunicação. Foi uma celebridade para boa parte do público por quase toda a vida, tendo cortejado e saboreado a atenção. Vestia-se bem, pilotava lanchas de corrida, relacionava-se com a nata da sociedade novaiorquina e “tinha orgulho de vencer todos os desafiantes em longas competições de ingestão de bebida... Tinha poucos amigos e era obcecado pelas mulheres” (Buckley, 1989, pp. 177-178). Construiu uma mansão em Connecticut, encheu-a de criados, mas gostava muito de pôr roupas velhas e cuidar pessoalmente dos jardins. A vida de Watson sofreu urna dramática mudança em 1935, quando Rosalie morreu de uma febre tropical contraída numa viagem às Índias Ocidentais. “A luz pareceu apagar-se na vida de Watson” (Larson, 1979, p. 5). Seu filho Jantes se lembra de que essa foi a única época em que viu o pai chorar e de que, por um breve momento, Watson pôs os braços em torno dos ombros dos filhos. Myrtle McGraw, uma psicóloga que fazia pesquisas sobre o comportamento infantil no Columbia-Presbyterian Medical Center de Nova York, lembra-se de ter encontrado Watson pouco tempo depois. Ele lhe disse quão profundamente estava despreparado para lidar com a morte da esposa; como ela era vinte anos mais nova, ele sempre esperara morrer primeiro. Watson falou com Myrtle por um bom tempo e “ficou imaginando se poderia um dia se recuperar dessa perda” (McGraw, 1990, p. 936). Ele nunca se recuperou. Tornou-se um recluso, passou a beber muito, afastou-se de quase todo contacto social e mergulhou compulsivarnente no trabalho. Vendeu a propriedade e se mudou para uma simples casa de fazenda de madeira, semelhante à casa da infância. Em 1957, aos setenta e nove anos, a APA lhe concedeu uma citação, louvando sua obra como “um dos determinantes vitais da forma e da substância da psicologia moderna..., o ponto de partida de linhas de pesquisa contínuas e fecundas”. Watson foi levado ao hotel de Nova York onde a cerimónia seria realizada; “mas, no último minuto, recusou-se a entrar e insistiu que o filho mais velho fosse em seu lugar... Watson temia que, naquele momento, as emoções tomassem conta dele, que o apóstolo do controle do comportamento se descontrolasse e chorasse” (Buckley, 1989, p. 182). Watson faleceu no ano seguinte; antes, porém, queimou todas as suas cartas, manuscritos e notas, jogando-os um por um na lareira, recusando-se a deixá-los para a história. Não há melhor ponto de partida para uma discussão do comportamentalismo de Watson do que o artigo que iniciou o movimento: “Psychology as the Behaviorist Views It” (“A Psicologia do Ponto de Vista de um Comportamentalista”), publicado na Psychological Re view de 1913. Em seu estilo claro e legível, Watson discutiu as seguintes idéias:  (1) a definição e o objectivo de sua nova psicologia;  (2) suas críticas ao estruturalismo e ao funcionalismo, as antigas psicologias da consciência;  (3) o papel dos “equipamentos hereditários e do hábito” na capacitação dos organismos para se adaptar e se ajustar ao seu ambiente;  (4) a concepção de que as ideas da psicologia aplicada são verdadeiramente científicas porque buscam leis gerais que possam ser usadas para controlar o comportamento;  e (5) a importância de manter procedimentos experímentaís uniformes, tanto na pesquisa humana como na animal. A psicologia, tal como a vê o comportamentalista, é um ramo puramente objectivo e experimental da ciência natural. Seu objectivo teórico é prever e controlar o comportamento. A introspecção não é parte essencial dos seus métodos, e o valor científico dos seus dados não depende da facilidade com que se prestam a uma interpretação em termos de consciência. O comportamentalismo, em seu empenho para alcançar um esquema unitário da resposta animal, não reconhece linha divisória entre o homem e os animais irracionais. O comportamento humano, com todo o seu refinamento e complexidade, não é senão una parte do esquema total de pesquisa do comportamentalista. De modo geral, os seus seguidores têm sustentado que a psicologia é um estudo da ciência dos fenómenos da consciência. Ela aceitou como seu problema, de um lado, a análise de estados (ou processos) mentais complexos em constituintes elementares simples, e, de outro, a construção de estados complexos quando os constituintes elementares são dados. O mundo dos objectos físicos (estímulos, incluindo tudo o que possa provocar actividade num receptor), que constitui o universo total dos fenómenos do cientista natural, é considerado apenas um meio para um fim. Esse fim é a produção de estados mentais que possam ser “inspecionados” ou “observados”. O objecto psicológico de observação, no caso de uma emoção, por exemplo, é o próprio estado mental. O problema na emoção é determinar o número e o tipo de constituintes elementares presentes, seu lugar, sua intensidade, ordem de aparecimento, etc. Aceita-se que a introspecção seja o método exceilence mediante o qual os estados mentais podem ser manipulados para os propósitos da psicologia. A partir dessa suposição, os dados do comportamento (incluindo nesse termo tudo o que se abriga sob a rubrica da psicologia comparada) não têm valor por si. Eles possuem significado apenas na medida em que possam lançar luz sobre estados conscientes. Esses dados têm de ter ao menos uma referência analógica ou indirecta para pertencer ao domínio da psicologia... Não quero criticar indevidamente a psicologia. Creio ser claro que ela fracassou em seus cinquenta e poucos anos de existência como disciplina experimental, em sua tentativa de encontrar seu lugar no mundo como uma ciência natural indiscutível, ((Watson, 1913). A psicologia, tal como em geral é concebida, tem algo de esotérico em seus métodos. Se você não conseguir reproduzir as minhas descobertas, isso não se deve a alguma falha no seu aparelho ou no controle dos seus estímulos, mas decorre do facto de a sua introspecção não ser bem treinada, (idem). Ataca-se o observador, e não o ambiente experimental. Na física e na química, o ataque é lançado contra as condições experimentais: o aparelho não era sensível o bastante, foram usadas substâncias impuras, etc. Nessas ciências, uma técnica melhor dará resultados reproduzíveis. Na psicologia não é assim: se você não puder observar 3-9 estados de nitidez na atenção, sua introspecção é ruim. Se, por outro lado, um sentimento lhe parecer razoavelmente claro, sua introspecção também é deficiente: você está vendo demais, os sentimentos nunca são claros. Parece ter chegado a hora de a psicologia desprezar toda referência à consciência, o momento de ela já não precisar iludir-se pensando que faz dos estados mentais um objecto de observação. Mergulhamos a tal ponto em questões especulativas acerca dos elementos da mente, da natureza do conteúdo consciente (por exemplo, pensamentos sem imagens, atitudes... etc.) que eu, como estudioso experimental, sinto que há algo errado com as nossas premissas e com os tipos de problemas delas derivados. Já não existe garantia de que todos dizemos a mesma coisa ao usarmos os termos hoje vigentes em psicologia. Examinemos o caso da sensação. Uma sensação é definida em termos dos seus atributos. Um psicólogo afirma com prontidão que os atributos de uma sensação visual são qualidade, extensão, duração e intensidade. Outro vai acrescentar a clareza. Outro ainda, a ordem. Duvido que algum psicólogo consiga apresentar um conjunto de enunciados, descrevendo o que ele designa por sensação, que receba a aceitação de três outros psicólogos de formação diferente. Pensemos, por exemplo, na questão do número de sensações isoláveis. Há um número extremamente grande de sensações de cor ou apenas quatro — vermelho, verde, amarelo e azul? Mais uma vez, o amarelo, embora psicologicamente simples, pode ser obtido pela superposição de raios espectrais vermelhos e verdes na mesma superfície difusora. Se, por outro lado, dizemos que toda diferença apenas perceptível no espectro é uma sensação simples e que todo aumento apenas perceptível no valor branco de uma dada cor produz sensações simples, somos forçados a admitir que o número é tão grande, e as condições para obtê-las tão complexas, que o conceito de sensação é imprestável, seja para o propósito de análise ou de síntese. Titchener, que travou a luta mais valente neste país em defesa de uma psicologia baseada na introspecção, acha que essas diferenças de opinião quanto ao número de sensações e seus atributos, quanto à existência de relações (no sentido de elementos) e quanto a muitas outras coisas que parecem ser fundamentais para toda tentativa de análise são perfeitamente naturais no actual estágio subdesenvolvido da psicologia. Embora se admita que toda ciência em crescimento está plena de questões não respondidas, certamente só quem está envolvido no sistema actualmente existente, que lutou e sofreu por ele, pode acreditar confiantemente que haja algum dia uma uniformidade maior que a actual nas respostas de que dispomos para essas perguntas. Creio firmemente que, daqui a duzentos anos, a não ser que o método introspectivo seja descartado, a psicologia ainda estará dividida quanto ao facto de as sensações auditivas terem ou não a qualidade da “extensão”, de a intensidade ser ou não um atributo que pode ser aplicado à cor, de haver ou não diferença de “textura” entre imagem e sensação, e com relação a muitas centenas de outras interrogações de carácter semelhante... A minha disputa psicológica não é só com o psicólogo sistemático e estrutural. Os últimos quinze anos viram o desenvolvimento da denominada psicologia funcional. Esse tipo de psicologia descarta o uso de elementos no sentido estático dos estruturalistas. Ele enfatiza o significado biológico dos processos conscientes, em vez da análise de estados conscientes em elementos introspectivamente isoláveis. Fiz o melhor que pude para compreender a diferença entre psicologia funcional e psicologia estrutural. Em vez da clareza, consegui a confusão. Os termos sensação, percepção, afeição, emoção e volição são usados tanto pelos funcionalistas como pelos estruturalistas. O acréscimo da palavra . ‘processo de” (“acto mental como um todo” e termos semelhantes são encontrados com frequência) antes de cada um desses termos serve de certa maneira para remover o cadáver do “conteúdo” e deixar a “função” em seu lugar. Se esses conceitos certamente são enganosos quando considerados do ponto de vista do conteúdo, eles o são ainda mais quando vistos do ângulo da função, paiticularmente quando a função é obtida pelo método da introspecção. É deveras interessante que nenhum psicólogo funcional tenha estabelecido uma cuidadosa distinção entre “percepção” (e isso se aplica também a outros termos psicológicos), tal como empregada pelo sistematizador, e “processo perceptivo”, tal como empregado na psicologia funcional. Parece ilógico e pouco razoável criticar a psicologia que nos é dada pelo sistematizador e depois utilizar seus termos sem mostrar com cuidado as mudanças de significado que lhes devem ser associadas. Tive uma grande surpresa há algum tempo quando abri o livro de Pillsbury e vi a psicologia defmida como a “ciência do comportamento”. Um texto ainda mais recente declara que a psicologia é a “ciência do comportamento mental”. Quando vi essas promissoras afirmações, pensei: agora, certamente teremos textos baseados em linhas diferentes. Depois de algumas páginas, abandona-se a ciência do comportamento, e encontramos o tratamento convencional da sensação, da percepção, das imagens mentais, etc. ao lado de algumas mudanças de ênfase e de factos adicionais que servem para deixar a marca pessoal do autor. Creio que podemos escrever um manual de psicologia, defini-la como o faz Pillsbury e nunca contradizer a nossa definição: nunca usar os termos consciência, estados mentais, mente, conteúdo, introspectivamente verificável, imagens mentais, etc... Essa psicologia pode ser concebida em termos de estímulo e resposta, de formação de hábitos, de integrações de hábitos, etc. Além disso, acredito que de facto vale a pena fazer agora essa tentativa. A psicologia que eu tentaria construir teria como ponto de partida, em primeiro lugar, o facto observável de que os organismos, tanto humanos como animais, se ajustam aos seus ambientes por meio de equipamentos hereditários e de hábito. Esses ajustes podem ser muito adequados ou tão inadequados que o organismo mal mantenha a sua existência. Em segundo lugar, que certos estímulos levam os organismos a dar respostas. Num sistema de psicologia totalmente desenvolvido, dada a resposta, pode-se prever o estímulo e, dado o estímulo, pode-se prever a resposta. Esse conjunto de afirmações é crasso e grosseiro ao extremo, como devem ser essas generalizações. Mas dificilmente são mais grosseiras e inviáveis do que as que aparecem nos actuais textos de psicologia. É possível que eu explique melhor o que digo escolhendo um problema cotidiano que qualquer pessoa provavelmente encontra no curso do seu trabalho. Há algum tempo, fui convidado a fazer um estudo de certa espécie de pássaros. Até ir a Tortugas, eu nunca vira esses pássaros vivos. Ao chegar, vi os animais fazendo certas coisas: alguns dos actos pareciam funcionar peculiarmente bem naquele ambiente, ao passo que outros davam a impressão de ser inadequados ao tipo de vida dos pássaros. Estudei primeiro as respostas do grupo como um todo e, mais tarde, as individuais. Para compreender mais plenamente a relação entre o que se devia ao hábito e o que era hereditário nessas respostas, peguei alguns jovens pássaros e os criei. Assim, pude estudar a ordem do aparecimento dos ajustes hereditários e sua complexidade, e, depois, os primórdios da formação de hábitos. Meus esforços para determinar os estímulos que provocavam esses ajustes eram de facto rudimentares. Em conse uência, minhas tentativas de controlar o comportamento e induzir respostas não tiveram muito sucesso. Num estudo de campo, o alimento, a água, o sexo e outras relações sociais, bem como as condições de luz e de temperatura, estavam fora de controle. De facto descobri ser possível controlar suas reações até um certo ponto usando o ninho e ovos (ou filhotes) como estímulo. Não é necessário explicar aqui como um tal estudo deveria ser realizado e como o trabalho desse tipo tem de ser complementado por experimentos de laboratório cuidadosamente controlados. Se eu tivesse sido chamado a examinar os nativos de alguma tribo australiana, teria procedido da mesma maneira. Eu teria verificado que o problema é mais difícil: os tipos de respostas provocadas por estímulos físicos teriam sido mais variados, e o número de estímulos eficazes, maior. Eu teria tido de determinar o ambiente social de sua vida de maneira muito mais cuidadosa. Esses selvagens seriam muito mais influenciados pelas respostas uns dos outros do que os pássaros. Além disso, es hábitos seriam mais complexos e as influências de hábitos passados nas respostas presentes teriam se manifestado com maior clareza. Por fim, se me tivessem chamado para elaborar a psicologia do europeu instruído, o meu problema teria exigido várias vidas. Mas, diante de um problema qualquer, eu teria seguido a mesma linha geral de acção. O meu desejo em todo esse trabalho é, essencialmente, obter um conhecimento preciso dos ajustes e dos estímulos que os geram. Minha razão fmal para isso é aprender métodos gerais e particulares mediante os quais poder controlar o comportamento. A minha meta não é “a descrição e explicação de estados de consciência como tais”, nem alcançar tal proficiência em ginástica mental que possa imediatamente apoderar-me de um estado de consciência e dizer como um todo, consiste na sensação de tal extensão, ocorrendo em conjunção com a sensação de frio de uma dada intensidade, com uma pressão de certa intensidade e extensão”, e assim por diante. Se a psicologia seguisse o plano que sugiro, o educador, o médico, o jurista e o homem de negócios poderiam usar os nossos dados de modo prático tão logo fôssemos capazes de obtê-los experimentalmente. Os que têm ocasião de aplicar princípios psicológicos em termos práticos não terão por que reclamar, como o fazem no momento. Pergunte a qualquer médico ou jurista se a psicologia científica tem alguma participação prática em sua rotina diária e você os ouvirá negar que a psicologia dos laboratórios tenha um lugar em seu esquema de trabalho. Penso que a crítica é extremamente justa. Uma das primeiras condições que me deixaram insatisfeito com a psicologia foi a sensação de que não havia domínio de aplicação para os princípios que estavam sendo elaborados em termos de conteúdo. O que me dá a esperança de que a posição comportamentalista seja defensável é o facto de os ramos da psicologia que já se dissociaram parcialmente da psicologia-mãe, a psicologia experimental, e que, em consequência estão menos dependentes da introspecção, estarem hoje numa condição deveras florescente. A pedagogia experimental, a farmacopsicologia, a psicologia da publicidade, a psicologia legal, a psicologia dos testes e a psicopatologia experimentam hoje um vigoroso crescimento. Elas são às vezes erroneamente chamadas de psicologia “prática” ou “aplicada”. Certamente nunca houve maior irnpropriedade de termos. No futuro, podem surgir instituições vocacionais que de facto apliquem a psicologia. No momento, esses campos são realmente científicos e estão em busca de generalizações amplas que levem ao controle do comportamento humano. Por exemplo, descobrimos por experimentação se uma série de estrofes de um poema pode ser assimilada mais facilmente se o todo for aprendido de uma vez ou se é mais vantajoso aprender cada estrofe separadamente e passar para a seguinte. Não tentamos aplicar as nossas descobertas; a aplicação desse princípio é puramente voluntária por parte do professor. Na farmacopsicologia, podemos demonstrar o efeito sobre o comportamento de certas doses de cafeína. Podemos chegar à conclusão de que a cafeína tem um bom efeito sobre a velocidade e a precisão do trabalho; mas esses são princípios gerais. Deixamos ao indivíduo a aplicação ou não dos resultados dos nossos testes. Mais uma vez, em testemunhos legais, testamos os efeitos da recentidade sobre a confiabilidade do depoimento de uma testemunha. Testamos a precisão do relato com relação a objcetos móveis, objectos estacionários, cor, etc. Depende da máquina judiciária do país decidir se esses factos devem ser aplicados. Se um psicólogo “puro” diz que não tem interesse pelos problemas levantados nessas divisões da ciência porque eles se vinculam indiretamente com a aplicação da psicologia, ele revela, em primeiro lugar, que não consegue compreender o objetcivo científico desses problemas e, em segundo, que não tem interesse por uma psicologia voltada para a vida humana. O único defeito que vejo nessas disciplinas é que boa parte do seu material é formulada em termos de introspecção, quando uma formulação em termos de resultados objectivos teria muito mais valor. Não há razão para que em algum momento se recorra à consciência em nenhuma delas, nem para se pensar em dados introspectivos durante a experimentação ou publicá-los nos resultados. Na pedagogia experimental, em particular, podemos ver a desejabilidade de manter todos os resultados num plano puramente objectivo. Se se faz isso, o trabalho realizado com seres humanos será directamente comparável ao trabalho com animais. Por exemplo, nas Hopkins, o sr. Ulrich obteve certos resultados em termos da distribuição do esforço na aprendizagem — usando ratos como sujeitos. Ele tem condições de apresentar resultados comparados sobre o efeito do trabalho de um animal com o problema uma vez por dia, três vezes por dia e cinco vezes por dia, e sobre se é aconselhável que o animal aprenda somente um problema de cada vez ou três ao mesmo tempo. Precisamos fazer experiências semelhantes com o homem, mas com tão pouca preocupação acerca dos seus “processos conscientes”, durante a realização da experiência, quanto temos em relação aos ratos. Interesso-me mais, no presente momento, por tentar demonstrar a necessidade de manter a uniformidade do procedimento experimental e do método de apresentar resultados, no trabalho com seres humanos e animais, do que por desenvolver quaisquer ideias que eu possa ter acerca das mudanças que por certo virão no escopo da psicologia humana. Consideremos por um momento a questão da gama de estímulos a que os animais reagem. Falarei primeiro do trabalho sobre a visão em animais. Colocamos o nosso animal numa situação em que ele responde (ou aprende a responder) a uma dentre duas luzes monocromáticas. Nós o alimentamos numa (positiva) e o punimos na outra (negativa); num curto espaço de tempo, o animal aprende a dirigir-se para a luz em que é alimentado. Nesse ponto, surgem interrogações que posso elaborar de duas maneiras: posso escolher a maneira psicológica e dizer “o animal vê essas duas luzes como eu as vejo, isto é, como duas cores distintas, ou ele as vê como dois cinzentos que diferem em termos de brilho, tal como o faz o daltônico total?” Enunciada pelo comportamentalista, a pergunta seria: “O meu animal está respondendo com base na diferença de intensidade entre os dois estímulos ou com base na diferença de comprimentos de onda?” Em nenhum momento ele pensa na resposta do animal em termos de suas próprias experiências de cores e cinzentos. Ele deseja estabelecer um facto: saber se o comprimento de onda é um factor no ajustamento do animal. Se o for, que comprimentos de onda são eficazes e que diferenças de comprimento de onda devem ser mantidas nas distintas regiões para garantir a base para respostas diferenciais? Se o comprimento de onda não for um factor no ajustamento, o comportamentalista quer saber que diferença de intensidade proporciona uma base para a resposta e se essa mesma diferença será suficiente em todo o espectro. Além disso, ele quer testar se o animal pode responder a comprimentos de onda que não afectam o olho humano. Ele está muito interessado em comparar o espectro do rato com o da galinha, assim como com o do homem. Quando se fazem os vários conjuntos de comparações, o ponto de vista não sofre a menor mudança. Como quer que formulemos a pergunta, pegamos o nosso animal, depois de formada a associação, e introduzimos determinados experimentos de controle que nos permitem dar respostas às perguntas levantadas. Mas também há o mesmo desejo intenso de testar o homem nas mesmas condições e apresentar os resultados, em ambos os casos, nos mesmos termos. O homem e o animal devem ser colocados, tanto quanto possível, nas mesmas condições experimentais. Em vez de alimentar ou punir o sujeito humano, devemos pedir-lhe que responda instalando um segundo aparelho até que a padronização e o controle não ofereçam base para uma resposta diferencial. Estarei abrindo a guarda à acusação de que uso, nesse caso, a introspecção? Absolutamente não; embora eu possa perfeitamente alimentar o meu sujeito humano diante da resposta certa e puni-lo diante da errada, produzindo assim a resposta, se o sujeito puder dá-la, não há necessidade de chegar a esses extremos mesmo na base que sugiro. Mas entenda-se que só uso esse segundo método como um método comportamental abreviado. Podemos chegar ao mesmo lugar e obter resultados igualmente confiáveis pelo método mais longo e pelo abreviado. Em muitos casos, o método directo e tipicamente humano não pode ser usado com segurança. Suponha, por exemplo, que eu duvide da precisão do instrumento de controle no experimento acima, como é muito provável que eu duvide se suspeitar que há um defeito de visão. De nada me serve, nessa situação, o relato introspectivo do sujeito. Ele vai dizer: “Não há diferença de sensação; as duas lâmpadas são vermelhas, de qualidade idêntica.” Mas supondo que eu lhe apresente o padrão e o controle e crie condições para que ele seja punido se responder ao “controle” mas não ao padrão. Mudo as posições do controle e do padrão ao acaso e o obrigo a tentar diferenciar um do outro. Se ele puder aprender a fazer o ajustamento, mesmo depois de um grande número de tentativas, ficará evidenciado que os dois estímulos de facto oferecem bases para uma resposta diferencial. Esse método pode parecer absurdo, mas creio firmemente que teremos de recorrer cada vez mais a ele sempre que tivermos razões para não confiar no método lingüístico. Dificilmente um problema da visão humana não é também um problema da visão animal; basta mencionar os limites do espectro, os valores de limiar, absoluto e relativo, o piscapisca, a lei de Talbot, a lei de Weber, o campo de visão, o fenómeno de Purkinje, etc. Cada um deles pode ser elaborado por métodos comportamentais, o que tem acontecido no presente momento com muitos deles. Sinto que todo o trabalho com os sentidos pode ser levado coerentemente a efeito ao longo das linhas que sugeri aqui para a visão. No final, os nossos resultados darão um excelente quadro daquilo que cada órgão representa no tocante à sua função. O anatomista e o fisiologista podem usar os nossos dados e mostrar, de um lado, as estruturas responsáveis por essas respostas e, de outro, as relações físico-químicas necessariamente envolvidas (química fisiológica de nervos e músculos), nessas e em outras reações. A situação no estudo da memória é praticamente igual. Quase todos os métodos mnemônicos hoje usados no laboratório geram o tipo de resultados que estou defendendo. Uma certa série de silabas sem sentido, ou outro material, é apresentado ao sujeito humano, O que deve receber ênfase é a rapidez da formação de hábito, os erros, as peculiaridades na forma da curva, a persistência do hábito assim formado, a relação desses hábitos com os formados quando do uso de materiais mais complexos, etc. Ora, esses resultados são obtidos pela introspecção do sujeito. As experiências são feitas com o propósito de discutir o maquinário mental envolvido na aprendizagem, na recordação e no esquecimento, e não com a finalidade de verificar o modo como o ser humano molda suas respostas para enfrentar os problemas do ambiente terrivelmente complexo em que é lançado, nem para mostrar as semelhanças e diferenças entre os métodos humanos e os dos outros animais. A situação é um tanto distinta quando se trata do estudo de formas mais complexas de comportamento, como a imaginação, o julgamento, o raciocínio e a concepção. No momento, as únicas explicações delas são dadas em termos de conteúdo; nossa mente foi tão pervertida pelos mais de cinquenta anos dedicados ao estudo dos estados de consciência que só podemos conceber esses problemas de uma única maneira. Temos de encarar a situação de frente e dizer que não podemos levar adiante as investigações em todas essas linhas pelos métodos comportamentais hoje empregados. Para me justificar, eu gostaria de chamar a atenção para o parágrafo acima, onde afirmei que o próprio método introspectivo chegou a uma corelação a esses problemas. Os tópicos foram tão desfigurados por um excesso de manipulação que talvez fosse preferível abandoná-los por algum tempo. Com um melhor desenvolvimento de nossos métodos, será possível fazer pesquisas sobre formas cada vez mais complexas de comportamento. Problemas hoje postos de lado se tomarão imperativos, mas poderão ser considerados de um novo ângulo e em contextos mais concretos. Restara à psicologia um mundo de psiquismo puro, para usar o termo de Yerkes? Confesso que não sei. Os planos que mais me agradam em psicologia levam praticamente a ignorar a consciência no sentido dado ao termo pelos atuais psicólogos. Praticamente neguei que esse psiquismo esteja aberto à pesquisa experimental. Não desejo me alongar sobre o problema, neste momento, porque isso leva inevitavelmente à metafísica. Se se conceder ao comportamentalista o direito de usar a consciência do mesmo modo como outros cientistas naturais a empregam — ou seja, sem fazer dela um objecto especial de observação — terse-á garantido tudo o que a minha tese exige. Concluindo, suponho dever confessar uma profunda tendenciosidade com relação a essas questões. Dediquei quase doze anos à experimentação com animais. É natural que uma pessoa nessas condições se incline a uma posição teórica compatível com seu trabalho experimental. É possível que eu tenha montado um espantalho e tenha estado a lutar contra ele. Talvez não haja uma falta absoluta de harmonia entre a posição esboçada aqui e a da psicologia funcional. Estou propenso a pensar, no entanto, que essas duas posições não são facilmente harmonizáveis. É certo que a posição que defendo está no presente muito fraca, podendo ser atacada de muitas perspectivas. Entretanto, mesmo admitindo tudo isso, ainda sinto que as considerações que fiz estão destinadas a ter uma ampla influência sobre o tipo de psicologia a ser desenvolvido no futuro. O que precisamos fazer é começar a trabalhar na psicologia fazendo do comportamento, e não da consciência, o ponto objectivo do nosso ataque. Sem dúvida, há problemas suficientes no controle do comportamento para nos manter trabalhando por várias vidas sem que sequer tenhamos tempo para pensar na consciência. Iniciado o empreendimento, em pouco tempo nos veremos tão afastados da psicologia introspectiva quanto a actual psicologia o está da psicologia das faculdades., ( Watson, 1913). A Reação ao Programa de Watson O vigoroso ataque de Watson à velha psicologia e sua defesa de uma nova abordagem tiveram um forte efeito. Consideremos seus pontos principais. A psicologia deveria ser a ciência do comportamento — e não o estudo introspectivo da consciência — e um ramo experimental puramente objectivo das ciências naturais. Dever-se-iam pesquisar tanto o comportamento animal como o humano. A nova psicologia descartaria todos os conceitos mentalistas e só usaria conceitos comportainentais como estímulo e resposta. A finalidade da psicologia seria prever e controlar o comportamento. Como discutimos, esses pontos não se originaram em Watson. Métodos experimentais objectivos vinham sendo usados há algum tempo, e os conceitos funcionais por certo vinham sendo influentes, até dominantes, nos Estados Unidos de América. Pesquisas sobre aprendizagem animal tinham começado a gerar dados aplicáveis à aprendizagem humana, e testes objectivos tinham sido desenvolvidos e usados com algum sucesso na previsão e controle do comportamento. A própria defmição de Watson da psicologia como a ciência do comportamento fora antecipada. Logo, os pontos básicos de Watson não eram novos. O que havia de novo e provocador em seu programa era a sua proposta de eliminar da psicologia a mente e a consciência, os conceitos mentalistas, a especulação sobre o que poderia estar ocorrendo no cérebro e o uso da introspecção. O programa de Watson não foi aceito imediata nem universalmente. A primeira resposta publicada ao seu artigo de 1913 foi dada por Mary Whiton Calkins, que discordava da rejeição da introspecção; ela refletia a opinião de muitos psicólogos, que acreditavam que certos tipos de processos psicológicos só podiam ser estudados pela introspecção. A discussão durou alguns anos, entrando pela década de 20, e o debate muitas vezes foi acirrado. Margaret Floy Washburn chegou a ponto de considerar Watson inimigo da psicologia (Samelson, 1981). Não se pretende sugerir que tenha havido uma súbita chuva de ataques às concepções de Watson. No início, o comportamentalismo recebeu relativamente pouca atenção nas publicações profissionais. Mas o apoio crescia na surdina, vindo em especial de psicólogos mais jovens, e, na década de 20, algumas universidades ofereciam cursos sobre o comportamentalismo e a palavra “comportamental” estava aparecendo nas revistas. William McDougall, um oponente do comportainentalismo, preocupou-se com isso o bastante para dar um alerta sobre o florescimento dessa abordagem. Em 1924, E. B. Titchener queixou-se de que o comportamentalismo tinha varrido o país como uma grande onda. E, perto de 1930, Watson proclamou com orgulho que seu trabalho se tomara tão popular que nenhuma universidade podia deixar de ensiná-lo. O comportamentalismo de facto alcançou sucesso, mas o fez muito lentamente. As mudanças que Watson pedia demoraram bastante para surgir. Quando fmalmente chegaram, a sua não era a única forma de psicologia do comportamento promovida. Os Métodos do Comportamentalismo. Como vimos, quando a psicologia científica começou, havia nela a disposição para aliar- se à velha e consagrada ciência natural da física. A nova psicologia tentou consistentemente adaptar os métodos das ciências naturais às suas necessidades. Mas em nenhuma forma precedente de psicologia essa tendência foi tão forte quanto no comportamentalismo watsoniano. Watson afirmou que a psicologia devia restringir-se aos dados das ciências naturais, ao que podia ser observado — em outras palavras, ao comportamento. Por conseguinte, só os métodos de investigação mais verdadeiramente objectivos eram admitidos no laboratório comportamentalista.Watson declarara explicitamente que os métodos a serem usados seriam:  (1) a observação, com e sem o uso de instrumentos;  (2) os métodos de teste;  (3) o método do relato verbal;  e (4) o método do reflexo condicionado. O método da observação, auto-explicativo e fundamental, é a base necessária dos outros métodos. Os métodos de teste objetivo já eram usados, mas Watson propôs que os resultados tivessem o tratamento de amostras de comportamento, e não medidas de qualidades mentais. Para ele, os testes não mediam a inteligência nem a personalidade, mas sim as respostas dadas pelo sujeito à situação de estímulo, e nada mais. O método do relato verbal é peculiar ao sistema de Watson e merece comentário, e talvez justificação. Como Watson se opunha fortemente à introspecção, seu uso desse método no laboratório tem sido questionado. Alguns psicólogos o consideravam uma transigência que podia permitir a entrada da introspecção pela porta dos fundos, depois de ela ter sido atirada longe pela da frente. Consideremos em primeiro lugar por que Watson se opunha à introspecção. Além da sugestão, feita acima, de que ele não era bom nisso, há o facto de a introspecção não poder ser usada na pesquisa com animais se não se aceitasse a técnica da introspecção por analogia de Romanes. É claro que um comportamentalista não podia admitir esse método. Por outro lado, Watson não confiava na precisão da introspecção. Se introspectores altamente treinados não chegavam a um consenso sobre o que observavam, como poderia a psicologia progredir? Era mais fundamental o argumento de que um comportamentalista não podia tolerar no laboratório qualquer coisa que não pudesse ser objectivamente observada. Watson só iria tratar de coisas tangiveis e discordava das pretensões de relatos introspectivos sobre ocorrências no interior de um organismo que não podiam ser verificadas por uma observação independente. Apesar dessas razões para se opor à introspecção, Watson não podia ignorar o trabalho na psicofísica, que usara a introspecção. Ele sugeriu, portanto, que as reações verbais, por serem objetivamente observáveis, são tão significativas para o comportamentalismo quanto qualquer outro tipo de reação motora. Watson escreveu: “Dizer é fazer — isto é, comportarse. Falar abertamente ou para si mesmo (pensar) é um tipo de comportamento tão objetivo quanto o beisebol” (Watson, 1930, p. 6). O uso desse método no comportamentalismo foi uma concessão muito debatida pelos críticos de Watson, que alegavam que ele propunha uma mera mudança semântica, e não uma alteração genuína de procedimentos de pesquisa. Admitindo que o relato verbal era um método inexato e não substituia satisfatoriamente métodos mais objetivos de observação, Watson limitou seu uso a situações passíveis de verificação, por exemplo, a observação de diferenças de tons (Watson, 1914). Relatos verbais não verificáveis, corno pensamentos sem imagens ou comentários sobre estados de ânimo, foram banidos. O mais importante método de pesquisa dos comportamentalistas, o método do reflexo condicionado, só foi adotado em 1915, dois anos depois do início formal do comportamentalismo. Métodos de condicionamento já eram usados antes do advento dessa abordagem, mas a sua adoção por psicólogos americanos fora limitada. Deve-se a Watson, em larga medida, sua disseminada adoção pela pesquisa psicológica americana. E, em seus escritos ulteriores, Watson reconheceu seu débito para com Pavlov e Bekhterev por esse método. Watson escreveu sobre o condicionamento em termos de substituição do estímulo. Uma resposta, disse ele, é condicionada quando se liga ou se conecta a um estímulo distinto do que a despertou originalmente. (A salivação dos cães de Pavlov diante do som de uma sineta, e não diante da visão da comida, é uma resposta condicionada.) Watson lançou mão dessa abordagem porque ela lhe propiciava um método objetivo de análise do comportamento, isto é, de redução do comportamento às suas unidades elementares, os vínculos estímulo-resposta (E-R). Todo comportamento, afirmava ele, podia ser reduzido a esses elementos, o que fornecia um método para a investigação em laboratório do comportamento humano complexo. Percebe-se que Watson dava continuidade à tradição atomista e mecanicista estabelecida pelos empiristas britânicos e usada pelos estruturalistas. Os psicólogos estudariam o comportamento humano tal como os físicos estudam o universo: decompondo-o em suas partes constituintes, os átomos ou elementos. O foco exclusivo no uso de métodos objetivos e a eliminação da introspecção representaram uma mudança da natureza e do papel do sujeito humano no laboratório psicológico. Nas abordagens de Wundt e Titchener, os sujeitos eram observadores e observados; eles observavam sua própria experiência consciente. Assim, seu papel era muito mais importante do que o do experimentador. No comportamentalismo, os sujeitos tinham un papel menos importante: tinham deixado de observar, passando a ser observados pelo experimentador. Foi com essa mudança que os sujeitos passaram a ser chamados de sujeitos, e não de observadores ( Danziger, 1988; Scheibe, 1988). Os verdadeiros observadores eram os experimentadores, que estabeleciam as condições experimentais e observavam como os sujeitos respondiam a elas. Logo, os seres humanos sofreram uma perda de status; já não observavam, eles simplesmente se comportavam. E quase todos podem se comportar — crianças, doentes mentais, animais. Essa perspectiva reforçou a imagem psicológica do homem como máquina: “você põe um estímulo numa das ranhuras e sai um pacote de reações” (Burt, 1962, p. 232). No início, os argumentos de Watson em favor do uso exclusivo de métodos objectivos pareceram um grande avanço para a psicologia. Mas a análise retrospectiva nos recorda de que os métodos objectivos vinham caracterizando o campo desde os seus primórdios como ciência. Os estudos de psicofisica, da memória e do condicionamento aplicavam métodos objectivos. Portanto, as contribuições dos comportamentalistas consistiram mais em ampliar e aperfeiçoar os métodos estabelecidos do que em desenvolver novos. O Objecto de Estudo do Comportamentalismo O objecto de estudo, ou dados primários, da psicologia têm de ser itens do comportamento: movimentos musculares ou secreções glandulares. A psicologia como ciência do comportamento só deve tratar de actos passíveis de descrição objectiva em termos de estímulo e resposta, formação de hábito ou integração de hábito. Todo comportamento humano e animal pode ser descrito dessa maneira sem o recurso a conceitos e à terminologia mentalistas. Mediante o estudo objectivo do comportamento, a psicologia comportamentalista pode alcançar seu objectivo de prever a resposta dado o estímulo, bem como de prever o estímulo antecedente, dada a resposta. O comportamento humano e animal pode ser eficazmente previsto, e controlado, pela sua redução ao nível de estímulo e resposta. Apesar do alvo de reduzir o comportamento a unidades de E-R, Watson afinnava que o comportamentalismo, em última análise, se ocupa do comportamento geral do organismo total. Embora uma resposta possa ter a simplicidade de um reflexo patelar ou outro reflexo, ela também pode ser mais complexa; nesse caso, aplica-se o termo ‘acto”. Watson considerava que os actos de resposta incluem coisas como ingerir alimentos, escrever um livro, jogar beisebol ou construir uma casa. Portanto, um acto envolve a resposta do organismo em termos de movimento no espaço, como falar, alcançar ou caminhar. Watson parece ter concebido a resposta em termos da obtenção de algum resultado no ambiente, e não como uma agregação de elementos musculares. Em outras palavras, ele a considerava mais em termos molares do que moleculares. Mesmo assim, os actos de comportamento, por mais complexos que sejam, são passíveis de redução a respostas glandulares ou motoras de nível inferior. As respostas são classificadas de duas maneiras: (1) aprendidas ou não-aprendidas, e (2) explícitas ou implícitas. Para Watson, era importante que o comportamentalismo distinguisse entre as respostas inatas ou não-aprendidas e as aprendidas, e descobrisse para estas últimas as leis da aprendizagem. Respostas explícitas são manifestas e, portanto, directamente observáveis; respostas implícitas, como movimentos viscerais, secreções glandulares e impulsos nervosos, ocorrem no interior do organismo. Esses movimentos interiores, embora não manifestos, constituem itens de comportamento. Ao introduzir a noção de respostas implícitas, Watson modificou seu requisito inicial de que o objecto de estudo da psicologia fosse concretamente observável, aceitando também que ele fosse potencialmente observável. Os movimentos ou respostas que acontecem no interior do organismo são observáveis por meio de instrumentos. Os estímulos, assim como as respostas de que o comportamentalista se ocupa, podem ser simples ou complexos. Ondas luminosas que atingem a retina podem ser consideradas estímulos relativamente simples; mas os estímulos podem ser objectos físicos do meio ambiente ou uma situação mais ampla (uma constelação de estímulos específicos). Assim como a constelação de repostas envolvidas num acto pode ser reduzida a resposta particulares, assim também a situação de estímulo pode ser decomposta em seus estímulos componentes específicos. Logo, o cornportamentalismo se ocupa do comportamento do organismo inteiro com relação ao seu ambiente. Podem-se elaborar leis específicas do comportamento, por meio de análise dos complexos estímulo-resposta totais, em seus segmentos mais elementares de estímulo e resposta. Não se pretendia que essa análise fosse tão detalhada quanto a do fisiologista ao detenninar a estrutura e a organização do sistema nervoso central. Devido à inacessibilidade do cérebro, que Watson denominava “caixa misteriosa”, ele tinha pouco interesse pelo funcionamento cortical. Watson acreditava que o comportamento envolvia o organismo total, não podendo restringir-se apenas ao sistema nervoso. O seu foco eram unidades mais amplas de comportamento, a resposta total do organismo a uma situação dada. Tanto em termos de metodologia como de objecto de estudo, a nova psicologia de Watson era um esforço de construção de uma ciência livre de noções mentalistas e de métodos subjectivos, uma ciência tão objectiva quanto a física. Examinaremos aqui seu tratamento de alguns dos tópicos tradicionais da psicologia: instinto, aprendizagem, emoção e pensamento. Como todos os teóricos sistemáticos, Watson desenvolveu a sua psicologia segundo suas teses fundamentais. Todas as áreas do comportamento tinham de ser tratadas em termos objectivos de estímulo-resposta. O Instinto De início, Watson aceitava o papel dos instintos no comportamento. Em seu livro Behavior: An Introduction to Cornpa.rative Psychology (O Comportamento: Introdução à Psicologia Comparada) (1914), ele descreveu onze instintos, incluindo um vinculado com comportamentos aleatórios. Ele estudara os comportamentos instintivos da andorinha do mar, um pássaro aquático, nas Ilhas Tortugas, na costa da Flórida, com Karl Lashley, estudante da Johns Hopkins (Lashley disse que a expedição fora interrompida quando ele e Watson ficaram sem cigarros e uísque). Por volta de 1925, Watson mudou de posição e recusou o conceito de instinto. Ele argumentou que todos os aspectos do comportamento humano que parecem instintivos são, na realidade, respostas socialmente condicionadas. Com a concepção de que a aprendizagem é a chave da compreensão do desenvolvimento do comportamento humano, Watson tornou-se um ambientalista radical. Em seguida, ele foi além da negação dos instintos em seu sistema e recusou-se a admitir a existência de capacidades, temperamentos ou talentos herdados de qualquer espécie. Coisas que pareciam herdadas podiam ter identificada sua origem no treinamento da infância. As crianças não nasciam com a aptidão de ser grandes atletas ou músicos, por exemplo, mas eram influenciadas nessa direção pelos pais, que encorajavam e reforçavam os comportamentos apropriados. Essa ênfase na influência do ambiente parental e social, com seu coroláno de que as crianças podem ser treinadas para ser o que quisermos que sejam, foi uma das razões da grande aceitação pública de Watson. Watson não estava sozinho ao esposar a primazia das influências do ambiente sobre os instintos; já se evidenciava na psicologia a tendência de descartar o papel dos instintos na determinação do comportamento. Logo, sua posição reflectia um movimento na direção do ambientalismo já em progresso. Além disso, ele pode ter sido influenciado pela orientação prática, aplicada, característica da psicologia americana do começo deste século. A psicologia só poderia ser aplicada à modificação do comportamento se este pudesse ser mudado. Se o comportamento fosse governado pelos instintos, não seria possível impor-lhe modificações; mas, se dependesse da aprendizagem ou do treinamento, poder-se-ia alterá-lo. O insistente apoio de Watson à posição arnbientalista pode ter sido uma maneira de demonstrar a “aplicabilidade e universalidade de suas teorias comportamentalistas” (Logue, 1978, p. 74). Watson testa o reflexo de preensão de um bebê (fofo feita a partir de um filme de 1919). A Aprendizagem De acordo com Watson, o adulto é apenas um produto do condicionamento da infância. As concepções watsonianas da aprendizagem se modificaram ao longo do tempo para incorporar o condicionamento. Em seu artigo de 1913, não há menção ao condicionamento, e o seu livro de 1914,o Comportamento, dá muito pouca ênfase aos experimentos de Pavlov com o condicionamento. Na realidade, Watson exprimiu dúvida sobre a possibilidade de usar o método com primatas. Em seu discurso presidencial na APA, em 1915, Watson, contudo, sugeriu que o método do reflexo condicionado deveria ocupar o lugar da introspecção (Watson, 1916). A partir de então, o condicionamento se tomou um importante método de pesquisa dos comportamentalistas. É surpreendente que, apesar de seu entusiasmo pelo método, Watson não tenha reconhecido a importância da lei do reforço de Pavlov e sua semelhança com a lei do efeito de Thomdike. Watson nunca desenvolveu uma teoria satisfatória de aprendizagem, e suas concepções pareciam ter muito em comum com os ultrapassados associacionistas pré thorndikeanos. Mesmo aceitando, e usando em suas pesquisas, princípios do condicionamento, ele continuou a acentuar a repetição, a frequência e a recentidade como factores primordiais da aprendizagem, ignorando o reforço ou a recompensa. A Emoção Watson sugeriu que as emoções eram tão-somente respostas corporais a estimulos específicos. Um estimulo, como a presença do perigo, produz mudanças corporais internas e as respostas manifestas aprendidas apropriadas. Essa noção não implica a percepção consciente da emoção ou da massa de sensações oriundas dos órgãos internos. Cada emoção envolve seu padrão particular de mudanças no mecanismo geral do corpo, em particular nos sistemas visceral e glandular. Embora Watson admitisse que todas as respostas emocionais envolvem movimentos ostensivos, ele acreditava na predominância das respostas internas. Logo, a emoção é uma forma de comportamento implícito em que as respostas internas se evidenciam, até um certo ponto, como manifestações físicas como o rubor ou aumentos na pulsação e na respiração. A teoria watsoniana da emoção é menos complexa que a de William James. Na teoria de James, as mudanças corporais seguem-se imediatamente à percepção do estimulo; a sensação dessas mudanças corporais era a emoção. Watson criticou a posição de James, observando que “James provocou um retrocesso na psicologia das emoções de que só recentemente começamos a nos recobrar” (Watson, 1930, p. 140). Rejeitando o processo consciente da percepção da situação e do estado de ânimo, Watson alegou que as emoções podem ser entendidas simplesmente em termos da situação objectiva de estimulo, da resposta corporal manifesta e das mudanças fisiológicas internas. Num estudo hoje clássico, Watson investigou os estímulos que produzem respostas emocionais em bebês. Ele propôs três emoções fundamentais nos bebês: medo, raiva e amor. O medo é produzido por sons fortes e pela perda súbita de apoio; a raiva é gerada pelo impedimento do movimento corporal; e o amor vem de carícias na pele, embalos e afagos. Ele também descobriu padrões de reação característicos a esses estímulos. Ele acreditava que essas emoções são as únicas respostas emocionais não aprendidas. As outras respostas emocionais humanas se formam a partir dessas três por meio do processo de condicionamento, isto é, elas podem se ligar a outros estímulos que originalmente não podiam suscitá-las. Watson demonstrou sua teoria das respostas emocionais condicionadas em seu estudo experimental de Albert, um bebê de onze meses, que foi condicionado a ter medo de um rato branco que ele não temia antes das tentativas de condicionamento (Watson e Rayner, 1920). O medo foi estabelecido com a apresentação de um ruído forte (golpear uma barra de aço com um martelo) por trás de Albert sempre que o rato lhe era mostrado. Dentro de pouco tempo, a mera visão do rato produzia sinais de medo na criança. Watson demonstrou que esse medo condicionado podia ser generalizado para outros estímulos como um coelho, um casaco de pele branco e as barbas do Papai Noel. Watson acreditava que os medos, aversões e angustias dos adultos são condicionados dessa maneira no início da infância. O estudo de Albert nunca foi repetido com sucesso. Watson descreveu a pesquisa como preliminar, um mero estudo piloto, e os psicólogos desde então têm observado sérias falhas em sua metodologia. Contudo, os resultados foram aceitos como prova científica, sendo citados em quase todo manual introdutório, de modo geral incorrectamente ( Harris, 1979; Samelson, 1980). Embora possa ter sido condicionado a temer os objetos mencionados, Albert não estava disponível como sujeito quando Watson quis tentar remover ou eliminar esses medos. Pouco depois dessa experiência, Watson saiu do meio académico e não deu prosseguimento ao estudo. Algum tempo mais tarde, quando trabalhava em publicidade na cidade de Nova York ele fez uma palestra sobre o assunto. No auditório estava Mary Cover Jones, colega de Rosalie Rayner Watson em Vassar e ex-aluna de Washburn. As observações de Watson despertaram o seu interesse, e ela ficou imaginando se a técnica de condicionamento não poderia ser usada para remover os temores infantis. Ela pediu a Rosalie que a apresentasse a Watson e empreendeu um estudo que se tomou outro clássico na história da psicologia (Jones, 1924). O sujeito chamava-se Peter, e já tinha medo de coelhos, embora seu medo não tivesse sido condicionado no laboratório. Enquanto Peter comia, um coelho foi levado à sala, mas mantido a uma distância grande o bastante para não evocar a resposta de medo. Ao longo de várias tentativas, o coelho foi sendo progressivamente aproximado, sempre enquanto a criança comia. No final, Peter conseguia passar a mão no coelho sem demonstrar temores. Respostas generalizadas de medo a objetos semelhantes também foram eliminadas com esse procedimento. O estudo tem sido descrito como precursor da terapia comportarnental (a aplicação de princípios de aprendizagem à modificação de comportamentos inadaptados) quase cinquenta anos antes de a técnica tornar-se popular. Mary Cover Jones, associada ao Instituto de Bem- Estar Infantil da Universidade da Califórnia em Berkeley, recebeu em 1968 o prêmio G. Stanley Hall por suas notáveis contribuições à psicologia do desenvolvimento. A abordagem comportamentalista de Watson das emoções e o seu interesse pelas mudanças fisiológicas que acompanham o comportamento emocional estimularam consideravelmente as pesquisas sobre o desenvolvimento emocional das crianças e os padrões de reação para emoções específicas. O Pensamento antes do comportamentalismo de Watson A concepção tradicional dos processos de pensamento sustentava que eles ocorriam no cérebro “de modo tão tênue que nenhum impulso neural se transfere do nervo motor para o músculo, não havendo portanto nenhuma resposta nos músculos e glândulas” (Watson, 1930, p. 239). Segundo essa tese, como ocorrem na ausência de movimentos musculares, os processos de pensamento não são acessíveis à observação e experimentação. O pensamento era considerado intangível, algo exclusivamente mental e sem equivalentes físicos. O conceito de imagem dos estruturalistas é um exemplo dessa perspectiva. Watson propôs uma teoria do pensamento que se opõe à antiga noção e tenta reduzir o pensamento ao comportamento motor implícito. Ele alegava que o pensamento, assim como todos os outros aspectos do funcionamento humano, tem de ser um comportamento sensório- motor de alguma espécie. Ele raciocinou que o comportamento do pensamento envolve reações ou movimentos implícitos de fala. Logo, o pensamento verbal pode ser reduzido a uma fala subvocal que envolve os mesmos hábitos musculares aprendidos para a fala manifesta. À medida que as crianças crescem, esses hábitos musculares ficam inaudíveis e invisíveis, porque os pais e professores advertem as crianças a parar de falar alto para si mesmas. Assim, o pensamento se torna um mero falar silenciosamente de si para si. Watson sugeriu que os pontos focais de boa parte desse comportamento implícito são os músculos da laringe (a chamada caixa da voz) e da língua. Inicialmente, ele considerava a laringe o órgão do pensamento e sugeria que o pensamento é mediado por gestos, como carrancas e o encolher de ombros, que são reações ostensivas a situações. Uma fonte óbvia de comparar a teoria do pensamento de Watson é que a maioria de nós percebe que fala consigo mesmo enquanto pensa. Mas essa evidência é inadmissível . Mary Co ver Jones antecipou a moderna terapia comportainentalista com suas experiências sobre técnicas de recondicionamento. para os comportamentalistas, por ser introspectiva, e dificilmente Watson poderia recorrer à introspecção para sustentar sua teoria comportarnentalista. O comportamentalismo exigia provas objectivas desses movimentos implícitos de fala, razão por que se fizeram tentativas para registrar movimentos linguais e laríngeos durante o pensamento. Essas medidas revelaram ligeiros movimentos durante parte do tempo em que os sujeitos estavam pensando. Medidas feitas das mãos e dos dedos de surdos-mudos que usavam a linguagem dos sinais também revelaram movimentos da mesma espécie. Apesar da incapacidade de obter resultados mais positivos, Watson permaneceu convencido da existência de movimentos implícitos de fala. Ele acreditava que sua demonstração aguardava apenas o desenvolvimento de equipamentos de laboratório mais sofisticados. O Atrativo Popular do Comportamentalismo Por que terão os ousados pronunciamentos de Watson conseguido para ele numerosos adeptos? É certo que as pessoas não queriam saber se alguns psicólogos praticavam a introspecção e outros refutavam o seu uso, nem se alguns psicólogos pretendiam ser conscientes enquanto outros proclamavam que a psicologia tinha perdido a cabeça, assim como não se interessavam pelas disputas sobre se o pensamento acontecia na cabeça ou no pescoço. Tudo isso era objecto de comentário entre os psicólogos, mas dificilmente preocupava os outros. A agitação do público decorreu da proposta de Watson de uma sociedade baseada no comportamento cientificamente modelado e controlado, livre de mitos, costumes e convenções. Suas ideias ofereciam uma esperança a pessoas desencantadas com os credos orientadores mais antigos, como os fundamentados nos dogmas religiosos. Em termos de fervor e de fé, o comportamentalismo atraiu muitas pessoas e assumiu alguns aspectos de uma religião. Entre os muitos artigos e livros escritos a respeito, houve um intitulado The Religion Cailed Beha viorism (A Religião Chamada Comportamentalismo) (Berman, 1927). Ele foi lido por um jovem de vinte e três anos de nome B. F. Skinner, que escreveu uma resenha do livro e a enviou a uma revista literária popular. “Eles não publicaram a resenha”, escreveu ele mais tarde, “mas, ao escrevê-la, eu estava mais ou menos definindo a mim mesmo, pela primeira vez, como comportamentalista” (Skinner, 1976, p. 299). Parte da excitação produzida pelas ideias de Watson pode ser avaliada pelas resenhas feitas pelos jornais do seu livro Behaviorismo (O Comportamentalismo) (Watson, 1925). O New York Time disse, dramaticamente: “O livro marca uma época na história intelectual do homem” (2 de agosto de 1925). O New York Herald Tribune considerou-o “o mais importante livro já escrito. Fica-se por um momento ofuscado por uma grande esperança” (21 de junho de 1925). A esperança vinha, em parte, da ênfase de Watson sobre o efeito propiciador do ambiente na determinação do comportamento, e de sua negação da influência das tendências instintivas ou herdadas. A passagem a seguir, extraída de Behaviorism, é citada com frequência: Dêem-me uns dez bebês saudáveis e bem formados, e um mundo especificado por mim para criá-los, e garanto escollher um deles ao acaso e treiná-lo para ser qualquer tipo de especialista que eu selecione — médico, advogado, artista, chefe de empresa e até mendigo e ladrão, pouco importando os seus talentos, inclinações, tendências, aptidões, vocações e a raça dos seus ancestrais (Watson, 1930, p. 104). Os experimentos de condicionamento de Watson, como o estudo de Albert, o persuadiram de que os distúrbios emocionais da idade adulta não podem ser atribuidos apenas a factores sexuais, como acreditava Sigmund Freud. Alegava Watson que os problemas dos adultos estão vinculados com respostas condicionadas e transferidas que se estabeleceram na infância, na meninice e na adolescência. E, se os distúrbios do adulto são uma função do condicionamento infantil deficiente, um programa adequado de condicionamento na infância poderia prevenir a emergência de distúrbios no adulto. Watson acreditava que esse tipo de controle prático do comportamento infantil (e, portanto, do comportamento adulto ulterior) era não só possível como absolutamente necessário. Ele desenvolveu um piano de aperfeiçoamento da sociedade — um programa de ética experimental — baseado nos princípios comportamentalistas. Ninguém lhe deu dez bebês saudáveis para que ele testasse sua hipótese, e ele mais tarde admitiu que afirmar isso era ir além dos factos. Observou, no entanto, que as pessoas que discordavam dele — aqueles que acreditavam ter a hereditariedade predomínio sobre o ambiente — vinham defendendo sua causa há milhares de anos e ainda não tinham provas concretas verdadeiras. O seguinte parágrafo de Behaviorism revela a vitalidade com que Watson descreveu seu programa da vida sob o estandarte do comportamentalismo. Ele pode ajudar a explicar por que tantas pessoas acorreram para ele como para uma nova fé: O comportamentalismo deveria ser uma ciência que prepara homens e mulheres para compreender os princípios do seu próprio comportamento. Ele deveria deixar homens e mulheres ávidos por reorganizar sua própria vida e particularmente ávidos por se preparar para criar seus filhos de um modo saudável. Eu gostaria de poder retratar para vocês que pessoa rica e maravilhosa faríamos de cada criança saudável se ao menos pudéssemos moldá-la adequadamente e propiciar-lhe um universo em que ela pudesse exercer essa organização — um universo não perturbado pelas lendas folclóricas de acontecimentos de milhares de anos atrás; não abalado por uma ignominiosa história política; livre de costumes e convenções tolos que nada significam em si mesmos, mas que submetem o indivíduo como rígidas algemas de aço. Não clamo aqui por uma revolução; não peço às pessoas que vão para algum lugar esquecido por Deus, formem uma colônia, andem nuas e criem uma vida comunitária primitiva, nem clamo por urna mudança para uma dieta de raízes e ervas. Não apregôo o “amor livre”, mas tento acenar diante de vocês um estímulo, um estímulo verbal que, se levar a uma reação, modificará gradualmente este universo. Porque o universo vai se alterar se vocês criarem os filhos, não na liberdade do libertino, mas na liberdade comportamentalista — urna liberdade que nem sequer descrevemos com palavras, pois a conhecemos muito pouco. Não irão essas crianças, com seus modos melhores de viver e de pensar, substituirnos como sociedade e criar os seus filhos de um modo ainda mais científico, até que o mundo finalmente se tome um lugar adequado à existência humana? (Watson, 1930, pp. 303-304). O programa da ética experimental de Watson, voltado para substituir a velha ética especulativa baseada na religião, permaneceu como uma esperança, nunca sendo levado a efeito. Ele simplesmente fez um breve esboço do seu plano e o deixou como quadro de referência para pesquisas futuras. Um comportamentalista ulterior, B. F. Skinner, formulou um programa mais detalhado de uma utopia cientificamente construída segundo o espírito defendida por Watson. O Surto de Popularização da Psicologia A psicologia já se tornara popular por volta dos anos 20, como discutimos acima Sob a influência de Watson, diante do seu charme, carisma, capacidade de persuasão e mensagem de esperança, os americanos quase foram dominados por aquilo que alguém chamou ironicamente de “surto” de psicologia. Boa parte do público americano estava convencida de que o caminho para a saúde, a felicidade e a prosperidade era a psicologia, e as colunas de conselhos psicológicos espocaram nos jornais diários. A coluna do psicólogo Joseph Jas trow, ‘Mantenha a Boa Forma Mental”, era publicada em mais de 150 jornais. Um certo Albert Wiggam, que não era psicólogo, tinha uma coluna, em 1928, chamada “Explorando a Mente”. Muitas pessoas concordavam com suas opiniões: Os homens e as mulheres nunca precisaram tanto da psicologia quanto hoje. Jovens homens e mulheres necessitam dela para avaliar suas características e capacidades mentais com vistas à escolha precoce e sábia de uma carreira... Os homens de negócios precisam dela como ajuda na seleção de empregados; pais e educadores dela necessitam como um axilio na criação e educação de crianças; todos precisam dela para garantir a mais elevada eficácia e felicidade. Não é possível conseguir essas coisas da maneira mais plena sem o novo conhecimento da mente e da personalidade que os psicólogos nos têm propiciado (Benjamin, 1986, p. 943). O humorista canadense Stephen Butier Leacock observou que a psicologia costumava ficar restrita ao campus universitário, onde não tinha vínculos com a realidade e não causava nenhum dano visível a quem quer que a estudasse. Por volta de 1924, no entanto, podia-se vê la em toda parte. ‘Para quase todos os momentos da vida”, escreveu Leacock, “solicitamos os serviços de um psicólogo especialista com a mesma naturalidade com que chamamos o encanador. Em todas as nossas grandes cidades já existem, ou logo vão existir, placas dizendo ‘Psicólogo — Aberto Dia e Noite’ “ (Benjamin, 1986, p. 944). Assim foi a epidemia da psicologia nos Estados Unidos, e Watson pode ter feito mais do que qualquer outra pessoa para ajuda-la a se disseminar. Outros Comportamentalistas Pioneiros: Holt, Weiss e Lashley Por volta dos anos 20, como dissemos, o comportamentalismo cativara a atenção de muitos psicólogos americanos. Nem todos, no entanto, adotaram a forma watsoniana. Alguns desenvolveram suas próprias psicologias comportamentais, levando a escola de pensamento em diferentes direções: Três desses primeiros comportamentalistas são Edwin Holt, Albert Weiss e Karl Lashley Edwin B. Holt (1873-1946), doutorou-se em Harvard e fez carreira acadêmica ali e em Princeton. Ele discordava da rejeição da consciência e dos fenómenos mentais por Watson, e acreditava ser possível vincular a experiência consciente com referentes físicos. Tal como Watson, ele aceitava a influência determinante do ambiente; contudo, sugeria que a aprendizagem também ocorre em resposta ao que denominou motivação interna (necessidades e impulsos internos como a fome e a sede), bem como à motivação exterior (estímulos externos). Holt foi um dos primeiros teóricos a postular esses impulsos interiores, antecipando assim o importante trabalho de Clark Hull sobre a motivação. Holt trabalhava com o comportamento numa escala mais ampla do que Watson. Ele não aceitava a redução do comportamento a unidades de estímulo-resposta, preferindo ocuparse de comportamentos que tinham um propósito, que realizassem algum objectivo. (Na verdade, o termo e o conceito de “propósito” eram alheios ao sistema de Watson.) A ênfase de Holt no propósito serviu de estímulo para o trabalho do neocomportamentalista E. C. Tolman. Albert P. Weiss (1879-1931), nasceu na Alemanha, doutorou-se na Universidade do Missouri e ensinou na Universidade Estadual de Ohio. Comportamentalista mais radical que Watson, ele concordava com a eliminação de toda referência à consciência e aos fenómenos mentais. Tudo o que não fosse acessível a uma abordagem de ciência natural não tinha lugar na psicologia. Ele diferia de Watson em sua posição radicalmente reducionista. Weiss desejava reduzir todo comportamento a entidades físico-químicas, e, nesse sentido, foi mais fisiologista que psicólogo. Contudo, também sustentava que os seres humanos são tanto biológicos como sociais, e cunhou o termo biossocial para indicar que o nosso comportamento é moldado por forças biológicas e sociais. Na infância, somos apenas entidades biológicas, mas, à medida que amadurecemos e nos desenvolvemos, interagimos com outras pessoas, e essas experiências sociais modificam o nosso comportamento. Weiss argumentava que a psicologia tem de estudar os processos fisiológicos e sociais para compreender como os bebês vêm a ser adultos sociais. Karl Lashley (1890-1958), aluno de Watson, doutorou-se na Johns Hopkins. Sua carreira de psicólogo fisiológico o levou às Universidades de Minnesota e Chicago, Harvard e, por fim, ao Laboratório Yerkes de Biologia dos Primatas. Lashley era um ardente defensor do comportamentalismo de Watson, embora sua pesquisa sobre mecanismos cerebrais em ratos se opusesse a um ponto essencial do sistema deste. Ele resumiu suas descobertas em Brain Mechanisms and Inteiigence (Mecanismos Cerebrais e Inteligência), de 1929, onde postulou dois princípios hoje famosos: (1) a lei da ação da massa, que afirma que a eficiência da aprendizagem é uma função da massa total do córtex que permanece intacta — isto é, quanto mais tecido cortical disponível, tanto melhor a aprendizagem; e (2) o princípio da equipotencialidade, que afirma que todas as partes do córtex são essencialmente iguais em sua contribuição à aprendizagem. Lashley esperava encontrar centros motores e sensoriais específicos no córtex, bem como conexões específicas entre os aparatos sensorial e motor. Essas descobertas teriam sustentado a primazia e a simplicidade do arco reflexo como unidade elementar de comportamento. Seus resultados, no entanto, contestavam a noção watsoniana de uma conexão simples, ponto a ponto, nos reflexos, segundo a qual o cérebro serve somente para transformar impulsos nervosos sensoriais de entrada em impulsos motores de saída. As descobertas de Lashley sugeriam que o cérebro tem na aprendizagem um papel mais ativo do que Watson podia aceitar, e ele contestava o pressuposto watsoniano de que o comportamento é formado parte por parte mediante reflexos condicionados. Embora desacreditasse, dessa forma, um ponto fundamental do sistema de Watson, o trabalho de Lashley não enfraqueceu a sugestão comportamentalista de que só se usassem métodos objetivos de pesquisa. Na realidade, seu trabalho confirmou o valor desses métodos na pesquisa psicológica. O trabalho desses primeiros comportamentalistas — Holt, Weiss e Lashley — foi empreendido pouco depois de Watson ter apresentado o seu sistema. Embora diferisse em certos aspectos da abordagem watsoniana, sua pesquisa contribuiu para o desenvolvimento geral do comportamentalismo e reforçou a reivindicação de uma ciência natural objetiva do comportamento. Que Críticas ao Comportamentalismo de Watson? Qualquer programa sistemático que se proponha a fazer revisões de monta e ataque clamorosamente a ordem existente — na realidade, sugira que a versão anterior da verdade seja rejeitada — está fadado a ser criticado. Sabemos que a psicologia americana já rumava para uma maior objetividade quando Watson fundou o comportamentalismo; mas nem todos os psicólogos estavam prontos para aceitar a forma extrema de objetividade que ele propunha. Muitos, inclusive alguns que apoiavam a objetividade, acreditavam que o sistema de Watson omitia componentes importantes da psicologia, como os processos sensoriais e perceptuais. Um dos oponentes destacados de Watson foi William McDougall (1871-1938), um psicólogo inglês que fora para os Estados Unidos em 1920, ligando-se primeiramente a Harvard e, mais tarde, à Universidade Duke. McDougall é reconhecido por sua teoria do comportamento instintivo e pelo impulso que o seu livro de psicologia social deu grande impacto a (McDougall, 1908). Ele também defendia várias causas impopulares, incluindo a liberdade da vontade, a superioridade nórdica e a pesquisa mediúnica, sendo regularmente denunciado na imprensa americana por suas opiniões. McDougall também foi atacado pela comunidade psicológica americana por criticar comportamentalismo na década de 20, quando a maioria dos psicólogos estava sob a influáncia dessa corrente. Por volta de 1928, McDougall estava tão ‘marginalizado em relação à corrente psicológica americana principal que acreditava ser objeto de desdém’ (Jones, 1987, p. 931). Dez anos mais tarde, quando McDougall estava morrendo de câncer, o psicólogo Knight Dunlap, sucessor de Watson na Johns Hopkins, disse que “quanto mais ele morrer, melhor para a psicologia” (Smith, 1989, p. 446). Num debate com Watson, William McDougall anuncoiu que a psicologia não deve estudar apenas o comportamento, mas também a consciência. A teoria do instinto de McDougafl afirma que toda ação humana resulta de tendências inatas de pensamento e acção. Suas ideias tiveram de inicio boa acolhida, mas logo perderam terreno para o comportamentalismo. Watson rejeitara a noção de instintos e, nessa, e em outras questões, os dois homens se opunham acirradamente. Eles se reuniram para debater suas diferenças em 5 de fevereiro de 1924, no Clube de Psicologia, em Washington D.C. O facto de essa cidade ter um clube de psicologia não vinculado com uma universidade prova a ampla popularidade do campo. Mil pessoas assistiram ao debate. Poucos eram psicólogos; na época, a APA contava apenas com 464 membros em todo o país. Assim, tamanha multidão também reflete a popularidade do sistema de Watson. Mas os juízes do debate votaram a favor de McDougall. Os dois contendores publicaram seus argumentos na obra conjunta The Battle ofBehaviorism (A Batalha do Comportainentalismo), em 1929. McDougall iniciou o debate num tom falsamente otimista: “Tenho sobre o Dr. Watson uma vantagem inicial”, disse ele, “uma vantagem que considero tão grande quanto injusta: quero dizer, todas as pessoas de bom senso ficarão necessariamente do meu lado desde o começo” (Watson e McDougall, 1929, p. 40). McDougall disse que concordava com Watson que os dados do comportamento são necessários à ciência da psicologia, mas alegou que os dados da consciência também são indispensáveis. Sua posição foi mais tarde retomada pelos psicólogos humanistas e, mais recentemente, pelos teóricos da aprendizagem social. Se não usam a introspecção, perguntou McDougall, como podem os psicólogos determinar o sentido da resposta de um sujeito ou a precisão do comportamento linguístico (aquilo que Watson denominava relato verbal)? Como podemos saber alguma coisa sobre o mundo das fantasias e das divagações? Como compreender ou apreciar as experiências estéticas? Ele desafiou Watson a explicar como um comportamentalista descreveria a experiência de prazer diante de um concerto de violino. McDougall disse: Entro nesta sala e vejo um homem, sobre este estrado, raspando tripas de gato com crinas de cauda de cavalo, e, sentadas silenciosamente, em atitude de enlevada atenção, mil pessoas, que de repente irrompem num aplauso estrondoso. Como vai o comportamentalista dar conta desses estranhos incidentes? Como explicar o facto de as vibrações emitidas pelo categute estimularem todas as mil pessoas a guardar o mais profundo silêncio e calma, bem como o facto adicional de a cessação do estímulo parecer ser um estímulo para a mais frenética actividade? O senso comum e a psicologia estão de acordo em aceitar a explicação de que o público ouviu a música com vivido prazer e expressou sua gratidão e admiração pelo artista com gritos e aplausos. Mas o comportainentalista nada sabe de prazer e dor, de admiração e gratidão. Ele relegou todas essas “entidades metafísicas” à lata de lixo, e tem de procurar alguma outra explicação. Deixemo-lo procurar. Essa busca vai mantê-lo inofensivamente ocupado por vários séculos (Watson e McDougall, 1929, pp. 62-63). Em seguida, McDougall questionou o pressuposto de Watson de que o comportamento humano é totalmente determinado, de que tudo o que fazemos é o resultado direto da experiência passada e pode ser previsto, uma vez conhecidos os eventos passados. Essa psicologia, afirmou McDougall, não deixa espaço para o livre-arbítrio ou a liberdade de escolha. É claro que a questão de saber se o comportamento é ou não predeterminado não começou com esses dois adversários. A oposição entre defensores do determinismo e do livrearbítrio vem de longa data. A ciência aceita um mundo natural determinado, ao passo que algumas teologias e filosofias aceitam a liberdade da vontade. Watson pertence ao campo determinista. Se todo comportamento pode ser interpretado em termos físicos, todos os actos de comportamento têm de ser fisicamente predeterminados. Watson acreditava que não somos pessoalmente responsáveis pelas nossas ações, crença de importantes consequências sociais, em particular no tocante ao tratamento da conduta anormal e socialrnente desviante. De acordo com ele, essas pessoas não deveriam ser punidas por suas ações, mas “recondicionadas”. McDougall e outros críticos do comportamentalismo diziam que, se a posição determinista fosse verdadeira — que os seres humanos não têm livre-arbítrio, não podendo, portanto, ser considerados responsáveis por suas ações —, não haveria esforço, empenho nem desejo de melhoria pessoal ou social. Ninguém faria nada para evitar a guerra, combater a injustiça ou alcançar ideais pessoais ou sociais. Outras críticas eram feitas, como mencionamos, à admissão por Watson do método do relato verbal em suas pesquisas. Acusavam-no de incoerente, de só usar esse método quando podia ser comprovado e rejeitá-lo quando isso não fosse possível. É claro, pois esse foi o princípio de Watson, bem como o objetivo de todo o movimento comportamentalista — só usar dados passíveis de verificação. O debate Watson—McDougall ocorreu onze anos depois da fundação formal do comportamentalismo. McDougall previu que em poucos anos a posição de Watson desapareceria sem deixar vestígios. Num pós-escrito à versão publicada do debate, ele escreveu que sua previsão fora demasiado otimista: “Ela se fundava numa estimativa por demais generosa da inteligência do público americano... O Dr. Watson continua, como um profeta muito honrado em seu país, a emitir seus pronunciamentos” (Watson e McDougall, 1929, pp. 86- 87). Contribuições do Comportamentalismo de Watson A carreira produtiva de Watson na psicologia durou menos de vinte anos, mas afetou profimdamente o curso do desenvolvimento da ciência. Foi um agente eficaz do ideal, e o tempo estava mudando não apenas para psicologia como também nas atitudes científicas gerais. O século XIX testemunhara magníficos avanços em todos os ramos da ciência; o século XX prometia ainda mais prodígios. Pensava-se que os cientistas, se lhes fosse concedido tempo suficiente, teriam condições de descobrir soluções para todos os problemas, respostas para todas as perguntas. Tratava-se de uma era em que o idealismo cedia rapidamente lugar a um realismo vigoroso. A cruzada comportamentalista de Watson ajudou a psicologia americana em sua transição da concentração na consciência e no subjetivismo para o materialismo e o objetivismo no estudo do comportamento. A contribuição primordial de Watson foi a defesa de uma ciência do comportamento totalmente objetiva. Ele teve uma enorme influência no movimento que tomou a psicologia mais objetiva em termos de métodos e terminologia. Embora suas posições sobre tópicos específicos tenuiam estimulado muitas pesquisas, suas formulações originais já não têm utilidade. O comportamentalismo watsoniano como escola distinta de pensamento foi substituido por formas mais recentes de objetivismo psicológico que nele se alicerçaram. O historiador E. G. Boring disse em 1929 que o comportamentalismo já saíra do seu apogeu como movimento. Como os movimentos dependem do protesto para ter existência e força, é um tributo efetivo ao sistema de Watson o facto de apenas dezesseis anos depois de sua introdução já não haver necessidade de protestar contra aquilo a que se opunha. A abordagem watsoniana certamente já tínha, nessa época, superado as posições anteriores. Um aluno graduado da Universidade de Wisconsin em 1926 contou que poucos alunos tinham ouvido falar em Wundt e Titchener (Gengereili, 1976). A terminologia e a metodologia objetivas foram incorporadas à psicologia americana; e o comportamentalisrno watsoniano morreu, como ocorrera com outros movimentos bemsucedidos, ao ser absorvido pelo corpo principal de pensamento, onde forneceu uma vigorosa base conceitual para a psicologia moderna. Embora o seu programa não tenha realizado suas ambiciosas metas, Watson tem amplamente reconhecido seu papel de fundador, O centenário do seu nascimento foi celebrado em abril de 1979, mesmo ano do centenário do nascimento da psicologia como ciência. Um simpósio realizado na Universidade Funuan, em Greenvilie, Carolina do Sul (cujo laboratório de psicologia tem o nome de Watson), atraiu psicólogos e outros estudiosos de todos os Estados Unidos. Entre os palestrantes esteve B. F. Skinner, cuja conferência teve como título “O que J. B. Watson significou para mim”. Ao que parece, no entanto, Watson é lembrado menos favoravelmente pelos seus conterrâneos, muitos dos quais ‘o consideraram um arrivista e ateu que deu as costas ao seu legado e à sua criação batista sulina” (Greenville News, 5 de abril de 1979). De certo modo, a aceitação do comportamentalismo watsoniano decorreu das capacidades e forças do próprio Watson. Sedutor e atraente, ele exprimia suas idéias com entusiasmo, otimismo, autoconfiança e clareza. Foi urna figura atrevida e charmosa que desdenhou a tradição e rejeitou a versão vigente da psicologia. Essas qualidades pessoais, em sua interacção com o espírito da época, que ele refletiu tão perfeitamente, definem John B. Watson como um dos pioneiros da psicologia. BIBLIOGRAFIA www.dr-anly.blogspot.com 1. BOCK, Ana Mercês Bahia. FURTADO , Adair. TEXEIRA, Maria de Lurdes Trassi(2008) .Psicologias, Uma Introdução ao estudo de Psicologia.14ª edição, Saraiva Editores, São Paulo. 2. CAPARRÓS, António.(s/d) História da Psicolgia, 1ª edição, Platano Edições Técnica. 3. DAVIDOFF, Linda,L.(2001) Introdução à Psicologia, 3ª edição.Editora Pearson Makron Books, São Paulo . 4. MUELLER F.L(1987) História da Psicolgia II: A Psicologia Contemporânea I, colecção a saber, 5ª edição , editora Europa/América . 5. 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